Em outro momento, atrevi-me a escrever brevemente acerca do animus rem sibi habendi1, sobretudo, o caso alcançou patamar superior por meio de Agravo em Recurso Especial, o que fora julgado pela Corte Cidadã, determinando a redução da pena ao crime em comento em 1/3.
Isto se deve, à compreensão de que o réu naquela ação restituiu a res apropriada, ainda que por via de ação judicial reparatória movida pela eventual vítima, destacando, por oportuno, nas razões que embasaram o Acórdão referenciado, de que o ato se dera à natureza voluntária, estabelecendo um antagonismo acerca da expressão; voluntária de que trata a dicção do art. 16 do Código Penal em relação a expressão; espontânea.
O artigo em questão afirma: "Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços".
No caso, o acórdão a quo negou a aplicação da causa de diminuição com a seguinte argumentação:
“[...]. Portanto, conforme se depreende dos autos, a vítima teve que ingressar com ação judicial para reaver os valores. Assim, ainda que tenha efetuado a reparação, esta não se deu de forma voluntária, requisito indispensável para o reconhecimento do benefício [...]”.
Compreende-se que o julgamento do Agravo em Recurso Especial fora admitido e julgado procedente, à compreensão de que não conceder a diminuição pela reparabilidade ou melhor, restituição da res por haver ocorrido somente em virtude de ação judicial interposta pela suposta vítima, vai de encontro a intelecção do dispositivo susodito, isto porque, o entendimento sufragado no Acórdão ad quem, revela que a restituição ocorrida à essa natureza subsuma-se a um ato voluntário, ao revés do que fora sustentado anteriormente pelo Acórdão, o que induz ao entendimento de que, se o réu restituísse a coisa sem a necessidade de ação judicial, configuraria um ato ESPONTÂNEO e não VOLUNTÁRIO, de toda forma, a voluntariedade a qual retrata o próprio artigo de lei (art. 16, CP), é diversa da espontânea onde o agente por liberalidade pratica sem que tenha ocorrido qualquer causa externa que o tivesse levado a praticá-lo, mas sim que tenha decorrido exclusivamente de sua consciência.
Extrai-se trecho do Acórdão:
”Adotando tanto uma interpretação literal do dispositivo - que usa o termo "ato voluntário" e não em ato espontâneo - quanto uma interpretação teleológica do dispositivo, que tem por objetivo político-criminal incentivar que a vítima seja reparada pelo dano causado por um crime não violento e se pacifique o conflito, não há dúvida que o importante para a configuração da causa de diminuição de pena é a reparação do dano por ato do agente ausente de coação , pouco importando se foi produto exclusivo de sua consciência ou se teve influência externa, mas que não reduziu sua liberdade de decidir ”. (g.n.)
Nesse sentido, ensina Luiz Regis Prado:
“[...] o arrependimento deve advir de conduta voluntária do agente. Não pode resultar de nenhuma causa externa, alheia à vontade daquele, sendo irrelevantes os motivos que o conduziram à reparação ou restituição. Logo, a apreensão da coisa pela autoridade policial, por exemplo, não dá lugar ao arrependimento posterior, pois a devolução, in casu, não foi impulsionada por ato voluntário do sujeito ativo. O legislador não exige, porém, que a reparação do dano ou a restituição da coisa sejam espontâneas . Assim, ainda que encorajado por outrem, ou pela própria vítima, a reparar o dano ou a restituir a coisa , é bem possível o reconhecimento do arrependimento posterior . Basta a voluntariedade [...] 2
No mesmo sentido foi o parecer do Ministério Público Federal:
“[...]. Ocorre que a voluntariedade exigida pelo artigo 16 do CP não é sinônimo e nem pode ser confundida com a espontaneidade . Isso, porque a voluntariedade diz respeito à ausência de coação moral ou física, no caso, na devolução do bem, já que estamos falando do crime de apropriação indébita, ou seja, diz respeito à liberdade de escolha de reparação do prejuízo decorrente da prática do delito, seja por qual motivo for : receio de ser punido, aconselhamento por parte de parentes, de amigos, sendo resultado portanto de uma ação fisicamente externada. Já a espontaneidade se refere à eventual iniciativa da pessoa de promover a reparação do dano, do sincero e íntimo desejo de restituição dos valores desviados por parte do autor do crime, elemento esse, inclusive, de difícil aferição pois não palpável, restrito ao foro íntimo do réu [...] (e-STJ fl. 468)”. (g.n.)
Em relação ao quantum que deve ser aplicado no caso da redução, releva-se como critério norteador a presteza na reparação do dano. Destaca-se do corpo do Acórdão:
"fração de diminuição de pena será fixada de acordo com o aspecto temporal entre a prática do ilícito e a conduta voluntária do agente em restituir à vítima o seu prejuízo"
(AgRg no REsp n. 1.262.608/BA, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 21/10/2015)
Entenda-se que, a presteza compreende o lapso temporal entre o cometimento do crime e o ânimus do agente em restituir ou reparar o dano. Destacou ainda a r. Ministra Daniela Teixeira relatora do Acórdão:
“se foi uma reparação logo após a consumação do delito, o arrependimento deve gerar a diminuição máxima, mas se foi uma reparação depois de um bom tempo e que exigiu inclusive algum esforço por parte da vítima, o arrependimento deve gerar a diminuição mínima”.
O acórdão alhures esposado, acaba por criar novel precedente no âmbito penal, considerando a dicotomia em análise literal às expressões voluntária e espontânea, o que pode ser aplicado a depender do caso concreto.
Notas
1 https://jus.com.br/artigos/100527/o-crime-de-apropriacao-indebita-e-a-descaracterizacao-do-animus-rem-sibi-habendi-em-defesa-do-acusado
2 (PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal brasileiro: Parte Geral, volume 1. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 106 - grifos acrescidos)”.