A morte presumida é uma instituição jurídica que busca resolver questões práticas quando uma pessoa desaparece sem deixar vestígios de sua existência, mas há indícios ou presunções de que ela pode ter falecido. Embora a ausência de um corpo dificulte a certeza da morte, o Direito oferece mecanismos para lidar com essas situações, garantindo segurança jurídica aos familiares, herdeiros e credores. Neste artigo, vamos explorar os dois cenários principais da morte presumida – sem declaração de ausência e com declaração de ausência – além do procedimento trifásico previsto no Código Civil.
O que é Morte Presumida?
A morte presumida ocorre quando não há corpo ou evidências diretas da morte de uma pessoa, mas circunstâncias específicas levam à conclusão de que ela provavelmente faleceu. A presunção de morte é essencial para resolver questões patrimoniais, como a transmissão de bens, a extinção de obrigações e a regularização de contratos. Sem essa instituição, as famílias e interessados ficariam em um limbo jurídico, incapazes de administrar os bens do desaparecido.
Quando se Aplica a Morte Presumida?
Existem duas hipóteses principais para a decretação da morte presumida:
1. Morte Presumida sem Declaração de Ausência
Nesse caso, presume-se a morte devido a eventos extremos que colocam a vida da pessoa em risco, como:
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Desastres naturais : Enchentes, terremotos, naufrágios ou acidentes aéreos.
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Guerra : Se a pessoa desapareceu durante uma guerra e não retornou após dois anos do fim do conflito.
Procedimento: Para reconhecer a morte nesses casos, é necessário que as autoridades competentes encerrem oficialmente as buscas. Após isso, qualquer interessado pode ingressar com um processo judicial (art. 7º do Código Civil) para que o juiz declare a morte presumida por meio de uma sentença declaratória. Essa decisão fixará uma data provável para a morte, crucial para definir a transmissão da herança e outros efeitos legais.
Exemplo Prático: O caso de Ulisses Guimarães, político brasileiro que desapareceu em um acidente aéreo e nunca foi encontrado, ilustra bem essa situação.
2. Morte Presumida com Declaração de Ausência
Aqui, a pessoa desaparece voluntariamente, sem motivo aparente, como no caso de uma pessoa que sai para dar uma volta no parque e simplesmente não retorna. Esse cenário é mais complexo e segue três fases distintas, previstas nos artigos 22 a 39 do Código Civil.
As Três Fases do Procedimento com Declaração de Ausência
Fase 1: Desaparecimento e Nomeação de Curador Especial (Artigos 22 a 25)
Após o desaparecimento, inicia-se um processo judicial para nomear um curador especial dos bens do ausente. O curador será responsável por administrar os bens enquanto a situação do desaparecido permanece incerta. A ordem de prioridade para a escolha do curador é:
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Cônjuge ou companheiro(a), desde que não estejam separados judicialmente ou de fato por mais de dois anos.
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Pais ou descendentes, na ausência do cônjuge.
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Juiz, se não houver ninguém apto nas categorias anteriores.
O processo é então suspenso por 1 ano (ou 3 anos, se o ausente deixou procurador) para verificar se ele retorna.
Fase 2: Sucessão Provisória (Artigos 26 a 36)
Caso o ausente não reapareça após o período inicial, os interessados podem requerer a abertura da sucessão provisória. Nessa fase:
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O juiz realiza uma partilha provisória dos bens entre os herdeiros.
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Os herdeiros recebem apenas posse provisória, devendo oferecer garantias (como penhor ou hipoteca) para restituir os bens caso o ausente retorne.
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Herdeiros necessários (cônjuge, ascendentes e descendentes) ficam isentos de oferecer garantias, mas devem devolver os bens se o ausente reaparecer.
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Metade dos frutos e rendimentos (ex.: aluguéis) deve ser capitalizada pelos herdeiros não necessários.
Essa fase dura 10 anos, durante os quais o processo fica suspenso novamente.
Fase 3: Sucessão Definitiva (Artigos 37 a 39)
Após 10 anos da sucessão provisória, os interessados podem pedir a sucessão definitiva. Nesse ponto:
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O juiz declara oficialmente a morte do ausente.
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A posse provisória é convertida em propriedade resolúvel que pode ser desfeita se o ausente reaparecer.
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Após mais 10 anos , a propriedade torna-se definitiva, encerrando o processo.
Regra Especial (Artigo 38): Se o ausente tiver 80 anos ou mais e estiver desaparecido há 5 anos, o processo pode pular diretamente para a sucessão definitiva, dispensando as fases anteriores.
Importância da Morte Presumida
A morte presumida é fundamental para evitar prejuízos às famílias e interessados. Sem essa instituição, os bens do desaparecido ficariam paralisados, impossibilitando sua administração ou transmissão. Além disso, questões como dívidas, contratos e pensões poderiam permanecer indefinidamente pendentes.
Conclusão
A morte presumida é uma solução jurídica equilibrada, que combina segurança jurídica com a possibilidade de reversão caso o ausente reapareça. Seja em casos de desastres naturais ou desaparecimentos voluntários, o Direito oferece mecanismos claros para lidar com essas situações, garantindo que a vida siga em frente mesmo na ausência de certezas absolutas.
Ao estudar esse tema, é importante lembrar das nuances e regras específicas, como a prioridade na escolha do curador, os prazos de cada fase e a aplicação do artigo 38 do Código Civil. Compreender esses detalhes não apenas facilita a preparação para exames como a OAB, mas também contribui para a prática jurídica cotidiana.
Referências:
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Código Civil, arts. 7º, 22 a 39.
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Código de Processo Civil, arts. 744. e 745.