Abaixo reproduzo o texto da representação contra uma Juíza paulista que protocolei no CNJ ontem. Removi os dados que poderiam identificar meu cliente.
"I- O requerente foi contratado pelo cidadão fulano de tal para propor ação em face da TAP TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S/A, processo xxxxxx julgado pela requerida.
II- Ao sentenciar o caso, a Juíza interpretou o CDC e a Constituição Federal em benefício da empresa que lesou o cidadão para absolvê-la do pedido de indenização por dano moral. Ela fez isso apesar de ter reconhecido que ele foi lesado.
III- Em três oportunidades distintas (sentença, embargos de declaração 1 e embargos de declaração 2), a requerida se recusou a julgar um dos pedidos. Ela fez isso porque acredita que tem o privilégio de se recusar a prestar jurisdição, porque tem o dever de obrigar a parte a recorrer ou porque acredita que pode defender os interesses da empresa? O requerente não está em condições de responder essa pergunta. Talvez ela possa ser respondida pelo CNJ.
IV- Apesar de ajuizar a presente o requerente não acredita que o CNJ (órgão que tem se destacado por atuar como se fosse um sindicato de juízes pautado pelo corporativismo) tomará qualqeur providência. Nem investigada a juíza será. Mesmo assim, o requerente cumpre seu mister. Da próxima vez ele se recusará a defender um cidadão prejudicado pela TAP TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S/A dizendo ao cliente em potencial:
"Sinto muito, senhor fulano de tal, mas não posso ajudá-lo. É besteira recorrer a um Poder Judiciário que só atua em defesa dos lucros como de costume dos empresários. Talvez seja melhor o senhor contratar um hacker ou quem sabe um terrorista para fazer algo contra a empresa, mas por força da legislação em vigor não posso lhe aconselhar a fazer isso."
N. termos, requer o processamento da presente (isso é obviamente um eufemismo utilizado para dizer à autoridade do CNJ 'coloque nos autos o carimbo: representação arquivada')."
Em comecei a advogar em 1990 e felizmente estou chegando ao fim da minha carreira. O texto da representação acima reproduzido deixa bem claro que estou cansado da pantomima neoliberal em que a Justiça brasileira foi transformada. Os juízes brasileiros exigem salários acima do teto, dizem que têm direito adquirido a penduricalhos abaixo da moralidade e querem trabalhar menos utilizando IAs para decidir os processos. Mas a verdade é que ninguém mais no Brasil pode realmente dizer que tem direitos, sejam eles prescritos no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Processo Civil ou na Constituição Federal.
Direito à indenização por dano moral? Esqueçam isso, meus caros. Influenciados pelo neoliberalismo jurídico, os juízes esvaziaram totalmente esse instituto. Quando não usam a fórmula "o autor sofreu apenas um mero aborrecimento" para afastar pedidos de indenização por dano moral, os juízes fixam indenizações miseráveis que funcionam como um prêmio para os ofensores. Ao que parece eles acreditam que tem a obrigação funcional de garantir os lucros das empresas rebaixando os direitos da personalidade dos cidadãos brasileiros.
Devido processo legal? Esqueçam isso também. Os juízes têm se recusado terminantemente a cumprir e fazer cumprir o disposto no 489, §1º, inciso IV do novo CPC. Eles não apenas se recusam a fundamentar as decisões que proferem exaurindo os temas relevantes que foram levados ao conhecimento deles pelas partes, mas parecem acreditar que não tem obrigação nenhuma de julgar um pedido juridicamente plausível que pode resultar em ônus financeiro para o requerido (especialmente se o requerido é uma empresa multinacional, como no caso acima referido).
Igualdade das partes? Bem... isso sempre foi uma ilusão, porque apenas os empresários e os milionários podem doar passagens de avião e hospedagem em hotéis de luxo às associações de magistrados quando elas organizam congressos e convescotes de juízes. As pessoas comuns não tem condições de fazer isso. Na verdade elas nem mesmo podem imaginar dar um banquete suntuoso para juízes e desembargadores como ocorreu em Santa Catarina em dezembro/2024.
Prerrogativas profissionais dos advogados? Há mais de uma década o Estatuto da OAB virou motivo de piadas nos corredores dos Tribunais, inclusive nos corredores do STF e do CNJ. Quando não são humilhados, algemados e até espancados nos Fóruns, os advogados são tratados como predadores inclusive e principalmente porque defendem os interesses de seus clientes.
Em breve os advogados que não tiverem dinheiro para licenciar e utilizar Inteligências Artificiais caríssimas serão rebaixados à condiçã de sub-advogados. E aqueles que alegarem a nulidade de decisões proferidas por máquinas de calcular respostas juridicamente plausíveis (e que vomitam alucinações também) serão considerados neoluditas, seres primitivos e obsoletos do tempo em que a Justiça era uma coisa estruturada, produzida e distribuída por alguns seres humanos para outros seres humanos com base em regras humanas.
O que fazer nesse contexto desanimador? Cada advogado terá que encontrar sua resposta. A minha solução para os paradoxos, dilemas e contradições da advocacia foi dada na representação acima reproduzida. Sempre que necessário vou ridicularizar as instituições de maneira sarcástica, lembrando as autoridades de que se os direitos dos cidadãos não forem tratados com a devida seriedade eles poderão perder a paciência e começar a recorrer a outros métodos para resolver suas disputas. Métodos que os advogados ignoram e não podem usar, sem dúvida.