A exceção de pré-executividade, também nominada objeção de não-executividade1, cuja criação é atribuída, por muitos, a Pontes de Miranda2, é um mecanismo processual amplamente aceito pela doutrina e jurisprudência como meio de defesa do executado desde o CPC de 19733. O instrumento permite a impugnação por vícios na execução sem a necessidade de apresentação dos embargos ou garantia do juízo, desde que a matéria arguida possa ser reconhecida de ofício pelo juiz e não exija dilação probatória. Esses requisitos foram materializados na Súmula 393 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, embora se refira expressamente à execução fiscal, também se aplica à execução civil.
As matérias questionadas pela exceção podem ser de direito ou de fato. Neste último caso, é requisito que eventual prova seja pré-constituída, documentalmente anexada à petição. No entanto, o STJ4 já decidiu que a intimação do executado para juntar documentos já mencionados nas razões ou para complementar aqueles previamente apresentados não caracteriza produção de prova nova, tampouco extrapola os limites da exceção de pré-executividade, desde que os documentos sejam preexistentes à exceção.
Embora compartilhem a mesma gênese, o uso da exceção na execução fiscal e na execução civil apresenta diferenças legais e jurisprudenciais que impactam a estratégia processual das partes envolvidas e de seus advogados.
Na execução civil há maior flexibilidade para arguição de nulidades e vícios processuais. Já na execução fiscal, o rigor formal e a presunção de certeza e liquidez do crédito tributário impõem limites mais rígidos à sua admissibilidade, especialmente devido às restrições legais. O recente julgamento do Recurso Especial nº 2.130.489/RJ, publicado no Informativo de Jurisprudência nº 838, de 4 de fevereiro de 2025 pelo STJ, reforçou essa distinção ao reafirmar a preclusão consumativa como barreira à discussão de matérias, ainda que inéditas nos autos, se já houver decisão definitiva nos embargos à execução fiscal.
Foi nesse contexto que o referido informativo jurisprudencial destacou que “após a propositura e o julgamento de improcedência dos embargos à execução fiscal, está configurada a preclusão consumativa, não sendo mais cabível a apresentação de exceção de pré-executividade mesmo sob o fundamento de matérias suscetíveis de conhecimento de ofício, ou de quaisquer nulidades do título.”
Diante desse panorama, é fundamental compreender os reflexos práticos desse entendimento.
Execução civil
Na execução civil, a exceção de pré-executividade é admitida quando houver nulidade ou irregularidade processual que afete os requisitos da execução, independentemente da apresentação de embargos à execução. O art. 803 do Código de Processo Civil (CPC) prevê a nulidade da execução quando o título executivo não for certo, líquido e exigível, quando houver vício na citação do executado ou quando a execução for prematura. Além disso, o art. 518 do CPC possibilita a impugnação da validade de atos executivos diretamente nos autos, sem necessidade de embargos, assegurando ao executado um meio célere para corrigir irregularidades evidentes.
Em outras palavras, é possível apontar vícios na execução por meio de simples petição. Algumas situações se destacam como as mais corriqueiras, como não preenchimento de condições da ação, pressupostos processuais, e prescrição5 que, embora seja de mérito, ao fim e ao cabo acaba por questionar a exigibilidade do título (art. 803, parágrafo único, do CPC).
Historicamente, a oposição de embargos à execução civil exigia do executado a garantia do juízo, ou seja, a prévia penhora, caução ou depósito para que sua defesa, por meio dessa ação, fosse aceita e analisada, algo semelhante ao que ainda ocorre na execução fiscal. Com o CPC de 1973, especialmente após a Lei nº 11.382/2006, houve uma mudança no art. 736 que passou a permitir ao executado a apresentação de embargos sem necessidade de garantia antecipada. O CPC de 2015 manteve esse direcionamento, de modo que a segurança do juízo passou a ser requisito apenas para a análise de pedido de efeito suspensivo (art. 919, §1º), e não mais para a simples apresentação dos embargos.
Mesmo diante desse novo cenário, a exceção de pré-executividade na área cível continua sendo um instrumento processual vantajoso em casos de flagrante ausência de certeza, liquidez ou exigibilidade do título executivo, conforme prevê o art. 803 do CPC. Além de ser um meio mais célere e menos oneroso de impugnação, evita-se parte dos ônus de oposição dos embargos à execução, os quais, além da exigência de custas processuais, podem gerar condenação em honorários advocatícios em caso de insucesso. Portanto, a exceção de pré-executividade se apresenta como a ferramenta processual mais econômica e eficaz para o executado sempre que houver um vício evidente na execução e que não exija a dilação probatória.
No âmbito cível, o STJ entende que não é possível rediscutir em exceção de pré-executividade matérias já analisadas nos embargos à execução, ainda que envolvam questões de ordem pública. Por outro lado, caso as questões suscitadas na exceção de pré-executividade não tenham sido objeto de apreciação nos embargos anteriormente opostos, e desde que envolvam matéria de ordem pública e não exijam dilação probatória, será viável sua análise mesmo após o julgamento definitivo de anteriores embargos à execução6. Eis o ponto estratégico da diferença com relação à defesa na execução fiscal.
Execução fiscal
A execução fiscal obedece a uma lógica distinta. Regulada pela Lei 6.830/1980 (LEF), essa modalidade de execução tem como fundamento a presunção de certeza e liquidez da dívida ativa, conforme estabelecido no art. 3º da LEF. Em razão desse princípio, o espaço para impugnações tardias é significativamente reduzido.
O art. 16, §2º da LEF impõe uma restrição relevante: o executado deve apresentar toda sua defesa nos embargos à execução, sob pena de preclusão. Esse dispositivo reforça o princípio da eventualidade, exigindo que o devedor concentre sua argumentação em um único momento processual, de modo a evitar a eternização da discussão sobre a exigibilidade do crédito tributário.
Foi justamente esse aspecto que o STJ destacou no REsp nº 2.130.489/RJ. No caso analisado, a Corte reconheceu que, uma vez transitada em julgado a sentença nos embargos à execução fiscal, o executado não pode mais utilizar a exceção de pré-executividade para questionar a validade da execução, ainda que utilize argumentos diversos, ou nem mesmo pleitear a aplicação retroativa de norma mais benéfica. A preclusão consumativa impede que o executado reabra debates que já poderiam ter sido travados anteriormente, garantindo maior segurança jurídica ao fisco, interpretando o panorama diante da regra do art. 16, §2º da LEF.
A aplicação do Código de Processo Civil (CPC) à execução fiscal não ocorre de forma automática, mas apenas de maneira subsidiária, quando a Lei 6.830/1980 (LEF) não dispuser sobre determinada matéria e desde que não haja incompatibilidade entre os regimes normativos. Isso se deve ao fato de que a execução fiscal segue um regramento próprio, destinado a garantir maior segurança jurídica à cobrança da dívida ativa.
Nesse contexto, ao contrário do que prevê o art. 917 do CPC, que permite uma abordagem mais flexível na execução civil, o § 2º do art. 16 da LEF estabelece que a parte executada deve concentrar toda a sua defesa nos embargos à execução fiscal, visando à sua eventual desconstituição do crédito público. Essa disposição reforça a incidência do princípio da eventualidade, que impõe ao executado o dever de apresentar todas as teses defensivas de uma só vez, no momento adequado, sob pena de preclusão. Nesse contexto, o STJ entendeu ser inaplicável a subsidiariedade do CPC à LEF no ponto.
Dessa forma, a disciplina própria dos embargos à execução fiscal demonstra a rigidez do sistema, vedando a possibilidade de alegações sucessivas ou fragmentadas ao longo do processo. Esse rigor se justifica pela necessidade de conferir previsibilidade e efetividade à arrecadação pública, evitando a perpetuação de litígios que possam comprometer a cobrança de créditos tributários regularmente constituídos.
Inclusive, no mesmo informativo jurisprudencial foi divulgado o acórdão do REsp nº 2.045.492/RJ, que reforçou esse entendimento. A decisão reiterou que a análise da exceção de pré-executividade só é admitida enquanto os embargos à execução fiscal não tiverem transitado em julgado, garantindo ao executado o direito de defesa nos limites da legislação e da jurisprudência do STJ.
Outro ponto de destaque do julgamento do REsp nº 2.130.489/RJ, inicialmente citado, foi a interpretação da vedação à retroatividade de normas tributárias mais favoráveis ao contribuinte. O art. 106, II, do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que a retroação de lei tributária benéfica não pode alcançar créditos cuja exigibilidade já tenha sido definitivamente reconhecida. Dessa forma, mesmo que uma nova legislação reduza penalidades ou encargos, ela não terá aplicabilidade sobre tributos já confirmados por decisão transitada em julgado.
Conclusão
O recente julgamento do STJ no REsp 2.130.489/RJ reforça a rigidez processual da execução fiscal ao delimitar o alcance da exceção de pré-executividade. Se na execução civil esse mecanismo processual pode ser utilizado de forma mais ampla para impugnar irregularidades, na execução fiscal sua aplicabilidade é restrita, estando sujeita a limites rígidos de preclusão.
Dessa forma, ao avaliar a viabilidade da exceção de pré-executividade, é fundamental que o executado compreenda as particularidades do regime jurídico aplicável. Na execução fiscal, a defesa deve ser apresentada de forma tempestiva e estratégica, enquanto na execução civil há maior margem para impugnações posteriores. Esse equilíbrio entre segurança jurídica e direito de defesa é o que fundamenta a distinção entre os dois modelos executivos e norteia a atuação dos tribunais na matéria.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. IV, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 851-852.︎
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. "Parecer n. 95". Dez anos de pareceres. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975, v. 4, p. 125-139.︎
DIDIER JR., Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil, Volume 5, 13ª Ed. Salvador: Juspodium 2023,p.841.︎
STJ. 3ª Turma. REsp 1.912.277-AC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/05/2021.︎
STJ - AgInt no AREsp: 982508 DF 2016/0241707-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 09/03/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/03/2017.︎
AgInt nos EDcl no REsp n. 2.059.394/PE, Dje 26/10/2023, e AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.143.975/RJ, Dje 19/12/2022.︎