A ordem de vocação hereditária representa um aspecto central e chave no Direito Sucessório, pois determinará como os bens de uma pessoa falecida serão distribuídos entre seus herdeiros/sucessores. Existem diversas variáveis que precisam ser compreendidas nesse complexo procedimento que hoje em dia pode se resolver tanto na via judicial (Inventário Judicial) como na via administrativa (Inventário Extrajudicial), desde que preenchidos os requisitos legais. Compreender as nuances dessa ordem vocacional é essencial para a realização de um inventário, seja lá qual for o rito e a via escolhidos. Por Lei, a divisão e distribuição dos bens devem seguir a legislação vigente no momento da transmissão (ou seja, o exato momento do óbito), mesmo que os herdeiros ainda não tenham conhecimento da ocorrência do falecimento. Assim dita o artigo 1.787 do Código Civil:
"Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela".
Sendo o(a) falecido(a) casado(a) (ou mesmo convivendo em União Estável, reconhecida ou não, com ou sem contrato escrito, face à igualdade de tratamento que deve ser conferida, cf. Temas 498 e 809 do STF) e não deixando descendentes, como filhos ou netos, a distribuição da herança segue regras específicas: se a sucessão ocorrer sob a vigência do Código Civil de 2002, a herança será dividida entre o cônjuge sobrevivente e os ascendentes do falecido, se estes forem vivos, conforme as disposições dos artigos 1.836 e seguintes, havendo entre eles a chamada CONCORRÊNCIA. Essa concorrência entre cônjuge e ascendentes é uma inovação do Código de 2002, que busca teoricamente equilibrar os direitos dos familiares próximos.
Por outro lado, se o falecimento ocorreu durante a vigência do antigo Código Civil de 1916, a situação é diferente e, como se disse, a qualquer tempo que for aberto o Inventário deverá ser aplicada a lei daquele momento: nesse caso, a ordem de vocação hereditária estabelecida pelo artigo 1.603 da antiga codificação não previa concorrência entre o cônjuge sobrevivente e os ascendentes, estabelecendo que no caso de inexistência de descendentes do falecido, a herança deveria ser recolhida pelos ASCENDENTES. Isso significa que o cônjuge só teria direito à totalidade da herança caso inexistissem ascendentes vivos.
É importante distinguir HERANÇA e MEAÇÃO, conceitos que muitas vezes são confundidos. A meação refere-se à metade dos bens comuns do casal, que pertence ao cônjuge sobrevivente por direito próprio, independentemente da herança, sendo direito que já nasce e existe com o Casamento, de acordo com o REGIME DE BENS. Se o caso for de União Estável um desdobramento deve ser visto face o art. 1.725 do CCB com eventual existência de contrato escrito. Em algumas situações, o viúvo ou a viúva pode ter direito apenas à meação, enquanto em outras, pode receber tanto a meação quanto uma parte da herança, dependendo da existência de outros herdeiros e do regime de bens adotado no casamento.
A respeito do instituto da meação merece destaque a lição da ilustre Desembargadora Aposentada, hoje Advogada, MARIA BERENICE DIAS (Manual das Sucessões. 2013):
"Antes de se quantificar a herança, é preciso atentar ao estado civil do falecido para apartar eventual meação. Tanto sua existência como extensão dependem do regime de bens do casamento. (...) Desse modo, se o falecido era casado, dividem-se, primeiramente, os bens comuns do casal em duas partes iguais: uma correspondente à MEAÇÃO do cônjuge sobrevivente e a outra à HERANÇA. Isso porque a meação não integra o acervo hereditário, não é herança, e precisa ser afastada do acervo sucessório destinado aos herdeiros. Assim é necessário excluir a meação antes de se apurar a legítima dos herdeiros necessários, que corresponde à meação do falecido e mais os seus bens particulares".
Em resumo, a ordem de vocação hereditária é um aspecto complexo e de grande importância nos desafios descortinados por um INVENTÁRIO, seja ele judicial ou extrajudicial. Conhecer tais regras é de suma importância inclusive no plano da prevenção já que em vida os interessados possuem meios para de certa forma modular até certo ponto, dentro dos limites da Lei, a distribuição de sua herança, lançando mão do PLANEJAMENTO PATRIMONIAL E SUCESSÓRIO.
POR FIM, o acerto da jurisprudência do TJMS que em caso peculiar de Inventário, deferiu meação e herança aos herdeiros de companheiro pós-morto em relação ao falecimento da sua então companheira:
"TJMS. 14019423820248120000. J. em: 19/09/2024. AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS DO COMPANHEIRO – PARTILHA BENS REGIME DE BENS DO CASAMENTO - SEPARAÇÃO DA MEAÇÃO - CONCORRÊNCIA ENTRE O CÔNJUGE E UMA ÚNICA ASCENDENTE - CONCORRÊNCIA - BENS COMUNS E TAMBÉM BENS PARTICULARES – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Insurge-se o Agravante contra a decisão proferida em primeiro grau, que deferiu a habilitação dos herdeiros do companheiro e deliberou que o falecido companheiro da inventariada será meeiro em relação aos bens comuns, e será herdeiro quando se tratar de patrimônio particular. No caso, quando do óbito da inventariada eram herdeiros necessários apenas a ascendente em concorrência com o companheiro, de modo que devem ser aplicados os artigos 1.829, II; 1836 e 1837 do Código Civil. Assim, como consequência, o companheiro, além de meeiro, também é herdeiro em concorrência com a ascendente. Recurso conhecido e desprovido".