Diferença entre Legítima Defesa e Estrito Cumprimento do Dever Legal

Resumo:


  • A legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito são causas excludentes de ilicitude previstas no Código Penal Brasileiro (art. 23).

  • A legítima defesa ocorre quando alguém repele uma agressão injusta, atual ou iminente, utilizando meios moderados.

  • O estrito cumprimento do dever legal se aplica quando a ação é realizada em cumprimento a uma obrigação imposta pela lei, geralmente por agentes públicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: A legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito são causas excludentes de ilicitude previstas no Código Penal Brasileiro (art. 23). Isso significa que, em situações específicas, a conduta do agente não será considerada criminosa. A legítima defesa ocorre quando alguém repele uma agressão injusta, atual ou iminente, utilizando meios moderados. Já o estrito cumprimento do dever legal se aplica quando a ação é realizada em cumprimento a uma obrigação imposta pela lei, geralmente por agentes públicos. Em alguns casos, como no uso da força por policiais, pode-se identificar a legítima defesa ou o dever legal, desde que observados os limites da moderação e necessidade.

Palavras-chave: Legítima defesa. Estrito cumprimento do dever legal. Excludentes de ilicitude.


INTRODUÇÃO

A legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito estão previstos no Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940) como causas excludentes de ilicitude. Isso implica que, quando um indivíduo age amparado por uma dessas circunstâncias, sua conduta deixa de ser considerada criminosa, ou seja, ele não será responsabilizado penalmente. As excludentes de ilicitude são situações em que, embora a conduta se enquadre formalmente em um tipo penal, ela se justifica devido ao contexto em que foi praticada, tornando-a legalmente aceitável. Este estudo se propõe a analisar, de forma detalhada, a diferenciação entre essas duas causas excludentes, particularmente no que se refere à legítima defesa e ao cumprimento do dever legal.

A legítima defesa se caracteriza pela ação de repelir uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, utilizando meios moderados e necessários para a proteção. Por outro lado, o estrito cumprimento do dever legal envolve a prática de uma conduta típica em decorrência de uma obrigação imposta por norma jurídica, geralmente em contextos envolvendo agentes públicos. Embora ambas as causas excluam a ilicitude da conduta, elas possuem elementos distintos, como o caráter preventivo da legítima defesa e a obrigatoriedade do dever legal. Em algumas situações, como na atuação de agentes de segurança pública, é possível que a análise de uma conduta envolva tanto a legítima defesa quanto o cumprimento do dever legal, dependendo das circunstâncias específicas de cada caso.


BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME

Existem algumas teorias acerca no conceito analítico do crime, dentre elas a teoria bipartida para a qual o crime é um fato típico e ilícito; a teoria tripartida para a qual o crime é um fato típico ilícito e culpável (mais aceita); a teoria quadripartida para a qual o crime é um fato típico, ilícito, culpável e punível e a teoria quintupartite para a qual o crime é composto de conduta, fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade.

Por assim, dizer, seguindo a teoria mais aceita, qual seja a tripartida, para que tenhamos a caracterização de um crime é necessário que tenha havido um fato típico (tem que estar previsto na lei aquela conduta, segundo exige o princípio da estrita legalidade), ilícito (a lei tem que dizer expressamente que àquela conduta é contrária a lei) e culpável (que significa dizer que o sujeito pode receber a reprimenda/pena prevista em lei).

Assim, quando o fato não for ilícito não é possível afirmar a existência de crime. Neste sentido, o Código Penal estabelece que não há crime quando o fato é praticado ao abrigo de uma causa excludente de ilicitude (art. 23, do CP).

“Excludentes de ilicitude.

Diz o art. 23, do CP:

Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.”

Como visto, o art. 23, do CP enumera 04 (quatro) causas excludentes da ilicitude, cumprindo mencionar que esse rol é exemplificativo, ou seja, existem outras situações em que teremos a exclusão da ilicitude.

Ao abordar a legítima defesa, o Código Penal assim refere:

“Legítima defesa

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”

Diante disso, a legítima defesa se trata de uma causa excludente de ilicitude que consiste em repelir/afastar injusta agressão (está relacionada à sua contrariedade ao ordenamento jurídico e em regra a agressão é uma conduta humana, sendo que só existirá legítima defesa em caso de ataque de animal, quando este for direcionado/instigado pelo dono em atacar), atual ou iminente (deve estar ocorrendo ou estar na iminência de ocorrer), a direito próprio ou alheio (defesa própria ou de terceiro), sendo utilizando os meios necessários (meios menos lesivos que estão à disposição do agente) com moderação (utilização do meio seja feita de forma moderada, sem excessos).

Em algumas situações, pode ocorrer o erro na análise dos fatos e o sujeito equivocadamente achar que está abrigado pela legítima defesa, neste contexto responderá por sua conduta. Temos também, hipóteses de excesso, o que podem resultar da má escolha do meio necessário (posso usar uma pedra/madeira, mas de imediato uso arma de fogo) ou da falta de moderação (a situação já está sob controle, mas continuo agindo), sendo que nestas circunstâncias deverá ser analisado o dolo (vontade) do agente, a fim de verificar possível punição pelo excesso intencional.

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Já o estrito cumprimento do dever legal é uma causa excludente de ilicitude consistente na realização de um fato típico em decorrência de uma obrigação imposta por lei, ou seja, a realização da diligência poderá resultar em uso da força ou imposição de comportamento.

Assim sendo, o dever legal é uma obrigação que resulta da própria lei, de forma ampla, genérica e em regra, é específica aos funcionários públicos ou particulares que exercem funções públicas (jurados, mesário da Justiça Eleitoral etc.).

O estrito cumprimento do dever legal tem como requisitos a existência de dever legal (ato normativo de caráter genérico), atuação dentro dos limites do dever legal (havendo abuso o agente responde pelo excesso doloso ou culposo, sendo possível a ocorrência do excesso exculpante).

O ponto em comum das duas situações é que ambas são excludentes de ilicitude, ou seja, tornam o ato praticado aceito pela lei.

Neste contexto, em determinadas situações, quando tivermos a ação/reação de agentes policiais pode-se ter o instituto da legítima defesa, segundo refere a Lei nº 13.964/2019 conhecida como Pacote Anticrime que promoveu alteração no Código Penal fazendo constar expressamente no artigo 25, parágrafo único que: “Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)” e em outros o estrito cumprimento do dever legal.

Entretanto, é necessário salientar que nenhum agente de segurança policial tem o dever de matar, aliás, não faz parte de suas atribuições mencionada conduta, e por isso, não existe estrito cumprimento legal de causar a morte de ninguém, mas sim, existe o direito e o dever legal de usar dos meios necessários (moderados conforme a situação exigir), de cessar uma injusta agressão contra si (próprio policial) ou de outrem (a vítima).

Destaca-se também, que há divergência sobre este reconhecimento do agente policial poder agir em legítima defesa em sua atuação, sendo que doutrinadores referem não ser possível o seu reconhecimento aduzindo que a legítima defesa seria uma reação do particular e não do policial que representa a força do Estado. Ainda, outra crítica é que já havia essa possibilidade de legítima defesa, sendo o teor do parágrafo único repetitivo e desnecessário.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, independentemente de ser reconhecida a aplicação da legítima defesa aos agentes de segurança pública, o ponto central é que a segurança pública, enquanto dever do Estado e direito do cidadão, deve ser exercida sempre dentro dos limites legais, sem excessos ou abusos. Tanto os agentes de segurança quanto os cidadãos têm a responsabilidade de agir com moderação e dentro dos parâmetros legais ao se defenderem de uma agressão. A falsa e perigosa crença de que o problema da criminalidade será resolvido com "carta branca" para matar, sob o amparo de uma inexistente legítima defesa, apenas perpetua a violência e agrava os danos sociais.

A solução para a criminalidade não está na autorização para que qualquer um tome a justiça nas próprias mãos, mas sim no fortalecimento do Estado de Direito, onde a atuação das forças de segurança seja pautada pela legalidade e pela proporcionalidade, e os cidadãos ajam com responsabilidade e respeito aos direitos humanos. A violência não se resolve com mais violência, mas com políticas públicas eficazes, educação e a garantia de que todos, agentes e cidadãos, respeitem os limites da lei. O caminho para uma sociedade mais segura e justa exige que a legítima defesa seja sempre uma resposta proporcional e legal, evitando a banalização do uso da força e assegurando a proteção dos direitos de todos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal Parte Geral (arts. 1 ao 120) 8a ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2020.

Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

ALMEIDA, João Manuel de Almeida. Legítima Defesa e o Uso da Força no Direito Penal. São Paulo: Ed. RT, 2018.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

GOMES, Luiz Flávio. Direitos Humanos e Política Criminal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Método, 2021.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

SANTOS, Vitor. A Legitima Defesa no Contexto da Atuação de Agentes de Segurança. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique; ALAGIA, Carla. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

Sobre as autoras
Denize dos Santos Ortiz

Advogada criminalista formada pela UNISINOS, (2000), pós-graduada em Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Econômico e Processo Penal Econômico, pela Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, Professora da Escola Superior da Advocacia do Estado de Goiás ESA-GO, Professora e Mentora da KDJ Mentoria, Mentora para prova da OAB 1ª e 2ª fase e carreiras jurídicas com mais de 250 alunos aprovados, autora e coautora de obras jurídicas, autora e coautora de artigos científicos e palestrante. Autora de obras das editoras Juspodivm e Mizuno.

Ellen Thays Brandão

Ellen Thays Brandão, Advogada. Atuante há 7 anos como Assessora Jurídica da Prefeitura Municipal de Amambai/MS. Graduada em Direito no ano de 2017 pelo Centro Universitário da Grande Dourados de Mato Grosso do Sul, Pós-Graduada em Direito Público em 2018 pela referida Instituição. Aprovada no XXIII Exame de Ordem Unificado. Ex-secretária da Comissão da Mulher Advogada. Pós-Graduanda em Direito Administrativo e Licitações. Palestrante. E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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