A desvalorização da Justiça: A urgência de reavaliar as indenizações por danos extrapatrimoniais no Brasil

12/02/2025 às 21:30
Leia nesta página:

Em 2016, publicamos o artigo "A Queda do Poder Reparador das Indenizações por Dano Moral e Desvalorização da Moeda", alertando sobre a corrosão do poder compensatório das indenizações diante do avanço da inflação. Naquele período, a desvalorização da moeda já se mostrava preocupante, mas, nos últimos anos, o cenário econômico se deteriorou de forma ainda mais alarmante, agravando essa distorção no sistema jurídico.

A inflação acumulada no Brasil ultrapassa 60% desde então, impactando diretamente a economia e o poder de compra da população. Todos os segmentos do mercado ajustam seus preços e contratos a essa realidade: salários, aluguéis, tarifas bancárias, planos de saúde e até os honorários advocatícios são corrigidos periodicamente. No entanto, quando se trata da fixação de indenizações por danos extrapatrimoniais, o Judiciário parece imune a essa lógica, perpetuando valores desatualizados e desproporcionais à realidade financeira e social do país.

Se em 2016 já denunciávamos a perda do poder compensatório das indenizações, hoje o problema se agravou exponencialmente. Não apenas os valores se tornaram ainda mais defasados, mas também há uma resistência crescente do Judiciário em arbitrar condenações que reflitam a gravidade dos danos sofridos. O medo infundado da chamada "indústria do dano moral" se sobrepôs ao princípio fundamental da reparação integral, gerando um ciclo de injustiça que fragiliza a credibilidade do sistema jurídico.


Inflação, Desvalorização da Moeda e o Enfraquecimento da Reparação Judicial

A corrosão do valor das indenizações deve ser analisada dentro do contexto da inflação e da desvalorização da moeda. Ao longo dos últimos anos, os custos básicos de vida dispararam, tornando evidente a necessidade de revisão dos parâmetros indenizatórios.

O real perdeu uma parcela significativa de seu poder de compra, tornando os valores arbitrados no passado irrelevantes para a realidade atual. Uma indenização fixada há cinco ou dez anos, que já era modesta à época, hoje representa uma quantia ainda mais insuficiente. A falta de uma correção real e periódica transforma as condenações judiciais em cifras simbólicas, sem qualquer impacto prático na reparação da vítima.

Além disso, a defasagem das indenizações cria um efeito perverso: o enfraquecimento da função pedagógica da responsabilização civil. Empresas, bancos, seguradoras e o próprio Estado percebem que, mesmo que condenados, os valores a serem pagos são ínfimos e, economicamente, não representam qualquer prejuízo significativo. Esse descompasso estimula a reincidência de práticas abusivas, pois o custo de indenizar se torna inferior ao custo de evitar o dano.


A Contradição do Sistema: Por Que Tudo Sobe, Menos as Indenizações?

A inflação é um fenômeno que impacta todas as áreas da economia. O Judiciário reconhece essa realidade quando autoriza reajustes salariais, revisões de contratos e correção de valores em diversas esferas, mas se mantém estagnado na questão das indenizações extrapatrimoniais. Essa contradição compromete o próprio princípio da reparação integral.

Enquanto aluguéis são reajustados conforme o IGP-M, salários de servidores públicos recebem correções periódicas e tarifas bancárias aumentam regularmente, as indenizações permanecem fixadas em valores arbitrados há anos, sem qualquer atualização substancial. O resultado é um distanciamento entre a realidade econômica do país e as decisões judiciais, levando à banalização da reparação de danos.

O discurso sobre a "indústria do dano moral" tem sido usado como justificativa para a manutenção de valores baixos, mas ignora um ponto essencial: a inflação não distingue setores. Se todos os aspectos da vida financeira são reajustados, o mesmo deve ocorrer com as indenizações para garantir que cumpram seu propósito de reparar, punir e prevenir.


A Necessidade Urgente de Reformulação dos Critérios Indenizatórios

Diante desse cenário preocupante, torna-se urgente a adoção de novos critérios para a fixação das indenizações extrapatrimoniais no Brasil. Algumas medidas fundamentais precisam ser implementadas para corrigir essa distorção:

  1. Atualização periódica dos valores indenizatórios – O Judiciário precisa estabelecer parâmetros que levem em consideração a inflação acumulada, garantindo que as indenizações não percam seu caráter reparatório ao longo do tempo.

  2. Fixação de patamares mínimos para danos graves – Danos irreparáveis não podem ser tratados com valores irrisórios. É necessário um reequilíbrio dos montantes indenizatórios, de forma que a reparação seja proporcional à gravidade do dano.

  3. Consideração da capacidade econômica do ofensor – Grandes corporações e instituições financeiras devem ser condenadas em valores que realmente impactem sua operação, impedindo que a indenização seja encarada como um custo irrelevante.

  4. Critérios mais rígidos para casos de reincidência – Empresas e órgãos públicos que reincidem em práticas lesivas devem sofrer penalizações mais severas, de forma a desestimular a repetição do dano.

  5. Inclusão de mecanismos de correção monetária automática – A fixação de indenizações deve levar em conta índices econômicos atualizados para que as vítimas não sejam prejudicadas pela perda do valor da moeda ao longo dos anos.


Conclusão: Justiça Defasada Não É Justiça

O Brasil precisa urgentemente revisar seus critérios indenizatórios para que a reparação de danos extrapatrimoniais não continue sendo uma mera formalidade processual. A defasagem dos valores condenatórios enfraquece a função da responsabilidade civil e compromete a efetividade da Justiça.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Se as indenizações não acompanham a inflação, não corrigem seus valores ao longo do tempo e não refletem a gravidade real dos danos, elas se tornam inócuas. O Judiciário tem o dever de garantir que a justiça seja feita de maneira concreta, e não apenas formal. Valores indenizatórios irrisórios não apenas agravam o sofrimento das vítimas, como também incentivam a impunidade e a perpetuação de práticas abusivas.

Se em 2016 alertávamos para a perda do poder compensatório das indenizações, hoje esse alerta se tornou um grito de indignação. A desvalorização da moeda não pode ser uma desculpa para a desvalorização da dignidade humana. O Judiciário precisa abandonar o conservadorismo e encarar a realidade econômica do país para que a reparação integral deixe de ser uma promessa vazia e passe a ser, de fato, um instrumento de justiça e equilíbrio social.

Sobre o autor
Jean Rommy de Oliveira Jr

Advogado no Jean Rommy & Advogados (OAB-MS 17.438). Professor de Direito. Renegociação de dívidas rurais e revisão de contratos bancários. WhatsApp: +55 67 99925-5175

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos