Resumo: A constituição do fato jurídico tanto no direito privado quanto no público são uníssonos. Compreende-se que a formulação dos atos jurídicos está assentada sobre a vontade, enquanto no direito público vê-se a motivação como requisito de validade. A fim de comparar os ambos institutos propõe-se a ausência da vontade nos atos administrativos por tratar-se do seu caráter público e o interesse social.
Palavras Chaves: Fato jurídico. Ato jurídico. Ato administrativo.
INTRODUÇÃO:
O direito privado e o direito público possuem as suas próprias particularidades, entre elas há conceitos que são derivados da própria teoria geral do direito. Assim, para fins deste estudo se compreende que os fatos jurídicos, seja no âmbito privado ou público são derivados da mesma concepção. Mais adiante, observa-se que os desdobramentos da derivação do fato jurídico necessita da adaptação as suas necessidades ontológicas e teleológicas para determinadas matérias no âmbito do qual se inserem. De um lado, observa-se que a vontade e a autonomia do indivíduo são os norteadores para a constituição dos instrumentos que legitimem, validem e produzam efeitos jurídicos condizentes a vontade dos indivíduos. Por outro lado, a motivação e o estrito dever da legalidade é o que irá conduzir os atos administrativos.
Portanto, o desenvolvimento do trabalho visa expor os conceitos e classificações dos fatos jurídicos e os seus desmembramento, tais como o fato jurídico stricto sensu, o ato-fato jurídico e os atos jurídicos lato sensu (ato jurídico stricto sensu e os negócios jurídicos). Assim, pautando os critérios essenciais do fato jurídico no direito privado pôr-se-á em comparação aos atos administrativos. Apesar das suas particularidades próprias do regime no qual está inserido, chega-se à conclusão das diferenças na produção de efeitos nos elementos constitutivos do ato praticado, enquanto a vontade é elemento constitutivo e elementar para a consolidação da autonomia do indivíduo, observa-se que a motivação do agente público poderá ser condicionado a sua validade dependendo dos efeitos jurídicos produzidos.
FATO E ATO JURÍDICO: DO ATO JURÍDICO NO DIREITO PRIVADO AO ATO ADMINSITRATIVO NA SEARA PÚBLICA:
O direito como um todo é regido por normas que compõe as atividades humanas, porém não são todas as condutas humanas que possuem a tutela jurisdicional, assim, compreende-se que o fato jurídico é composto por uma norma e uma conduta humana que esta tipificada no nosso ordenamento, deste modo a norma geral e abstrata incide na conduta humana que é concreta e individualizada, é trazer para o plano da linguagem os efeitos jurídicos para o mundo dos fatos (PERLINGIERI, 2002, p.89).
Diante dos fatos jurídicos, temos o fato stricto sensu, o ato-fato jurídico e o ato jurídico latu sensu, este que é composto pelo ato jurídico stricto sensu e os negócios jurídicos. Dentro da própria classificação há de ressaltar aqueles que estão contrários a lei, isto é, são os ilícitos seja por dolo (vontade) ou, então, por culpa do ato gerado, em ambos os casos observa-se que há deformidade em relação a lei, o que para efeitos práticos são abrangidos pelo nosso ordenamento como propulsor de sanções segundo a sua própria natureza (MELLO, 2008, p. 158)
Assim, definição clássica trazida em toda literatura civil dispõe que fato jurídicos são “acontecimentos que produzem efeitos jurídicos, causando o nascimento, a modificação ou a extinção de relações jurídicas e de seus direitos” (BEVILAQUA, apud Amaral, 2014, p. 405). Guardadas as suas limitações, os fatos jurídicos são assim abrangidos e conceituados, Pontes de Miranda (apud MELLO, 2008, p. 113) busca dar definição completa:
“[...] o fato jurídico é o que fica do suporte fáctico suficiente, quando a regra jurídica incide e porque incide. Tal precisão é indispensável ao conceito de fato jurídico (...) no suporte fáctico se contém, por vezes, fato jurídico, ou ainda se contêm fatos jurídicos. Fato jurídico é, pois, o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto o fato de que dimane, eficácia jurídica. Não importa se é singular, ou complexo, desde que, conceptualmente, tenha unidade
Prosseguindo, assim, o fato jurídico stricto sensu é quando há produção de efeitos jurídicos mesmo sem a vontade do indivíduo em produzir os efeitos, o exemplo mais utilizado seja a morte, como indesejada pelo indivíduo mas que por ocasião produz efeitos (AZEVEDO, 2002, p. 17). Também outro fenômeno que é abrangido por tal classificação é elencado por Maria Helena Diniz (2003, p. 428/430) ao definir os fatos jurídicos em fato humano e fato natural, como pressupõe-se os fatos humanos são movidos pela vontade, então não há de falar-se em fato jurídico stricto sensu, porém todos aqueles fatos naturais que produzem efeitos jurídicos são abrangidos nesta espécie no qual há duas subdivisões que são: a) os ordinários, que são eventos que possuem decurso de tempo certo e possuem prazo e; b) os extraordinários, que são os casos de caso fortuito e força maior, que são interpretados pela sua imprevisibilidade podendo gerar efeitos jurídicos não esperados em momento futuro.
A outra modalidade é um misto entre o ato e o fato jurídico, então dizer-se em ato-fato jurídico que é a compreensão da vontade do indivíduo em uma conduta humana, porém não há vontade para a produção de efeitos jurídicos, isto é, mesmo o indivíduo querendo praticar a conduta, não espera ou não deseja a produção de efeitos jurídicos, porém uma vez tipificado o fato-espécie há de se falar de fato jurídico e a produção de efeitos do mesmo, também segundo Marcos Bernardes de Mello (2008, p. 136/144) as suas espécies são: a) os atos reais, configuração de fato jurídico sem efeitos volitivos, por exemplo, achar tesouro em sua propriedade acidentalmente; b) os indenizativos, são ilícitos provocados por terceiro sem dolo, mas há o dever de indenizar e; c) os caducificantes, que são atos derivados da extinção de outros direitos.
Os atos jurídicos latu sensu pressupõe a manifestação de vontade em produzir efeitos jurídicos, diferentemente dos outros no qual há produção de efeito jurídico mesmo não sabendo ou não querendo produzir efeitos, nesta espécie compreende a vontade do indivíduo como gerador de direitos e obrigações, assim caracteriza-se essa espécie com a presença do ato humano volitivo com plena consciência dos seus atos e da realidade somado ao desejo da produção eficaz dos efeitos jurídicos (MELLO, 2008, p. 146). Em sua concepção a subdivisão nos atos jurídicos stricto sensu e os negócios jurídicos. No que tange os atos jurídicos stricto sensu gera “consequências jurídicas previstas em lei e não pelas partes interessadas, não havendo regulamentação da autonomia privada” (DINIZ, 2003, p. 469). Esses também são classificados em atos materiais, que consiste numa atuação da vontade que lhes dá existência, e os atos de participações que visam estabelecer uma relação jurídica, por exemplo, a notificação e a interpelação (ibidem, p.470). Já os negócios jurídicos possuem a sua própria estrutura e seria necessário um estudo a parte para a análise do próprio, visto que são grandes as suas particularidades seja no plano da existência, da validade e da eficácia.
Assim, surge a lógica do direito público em comparação ao do regime privada, grandes são as diferenças entre ambos e, por assim dizer, incidirão de diversos modos no que concerne a sua eficácia. Enquanto o regime privado é regido pelo império da vontade e da autonomia privada, observa-se em contraposição a presença da estrita legalidade e do interesse público para a consolidação dos atos administrativos.
O ato administrativo é fundamentalmente o mesmo que o direito privado propõe, é assim, “todo aquele que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos” (MEIRELLES, 2016, p. 173). Deste modo, com o apoio teórico exposto acima, temos que os atos administrativos unilaterais estão para o direito privado como os ato-fato jurídico e o ato jurídico stricto sensu, já nos contratos bilaterais temos os contratos administrativos semelhantes ao negócio jurídico (ibidem, p. 174). Para estudo, o recorte temático analisa os atos administrativos em comparação aos atos jurídicos.
Os atos administrativos para serem socialmente eficazes devem ser perfeito, válido e eficaz. Deste modo, a perfeição do ato é o estrito cumprimento da legalidade em sua confecção, também é válido quando este é expedido em consonância do procedimento administrativo e é eficaz quando produz efeitos jurídicos típicos vinculado a lei que pressupõe a função administrativa (DE MELLO, 2008, p. 382). Assim, para a sua configuração no plano da existência têm-se que o objeto e a sua função administrativas devem estar de acordo com os pressupostos da lei da qual está vinculada. Já no plano da validade o sujeito, o motivo, requisitos procedimentais, a finalidade, a causa e a formalização são necessários para que possam ser validos (ibidem, p. 393 e 394).
A respeito do plano da existência nos atos jurídicos latu sensu no direito privado há a configuração da manifestação ou declaração de vontade como pressuposto essencial ou constitutivo (MELLO, 2008, p. 145). Já no ato administrativo têm-se que a motivação é o pressuposto de validade para o ato administrativo (MEIRELLES, 2001, p. 175). Assim, constata-se que por seu conteúdo teleológico a vontade gera a existência nos atos jurídicos privados, enquanto a motivação é pressuposto de validade no ato administrativo. Motivação e vontade se dão em paralelismo mas em ambientes jurídicos diversos. Enquanto a motivação é derivada do agente público em direcionar seu ato na busca do interesse social e na estrita legalidade, tem-se a motivação como o coordenador das “vontades” da administração pública. Enquanto na esfera privada, a vontade é determinante para a busca da autonomia privada e, conjuntamente, na escolha do indivíduo em plena consciência dos seus atos.
Outro elemento importante a ser abordada é o elemento da causa tanto nos atos jurídicos privados como nos atos administrativos. Emilio Betti (2008, p. 256) compreende a causa como elemento necessário dentro do ordenamento jurídico, posto que tal elemento ajuda a compreender e a reestruturar os atos jurídicos dentro de um contexto social, exaurindo a simples visão unilateral e atomística. Já na administração pública, não há de confundir o motivo com a causa. Uma vez que o motivo é pressuposto do ato vinculado, enquanto a causa é relação entre o conteúdo e o ato com propósito teleológico. Desde modo, têm-se que a causa afere na correção lógica entre objeto e conteúdo e incide no plano da validade do ato administrativo (DE MELLO, 2001, p. 403). Por fim, vale salientar que a causa, para ambos os casos, não é previsto no contrato ou na norma, sendo que a causa serve para muitos casos dar uma leitura hermenêutica no que tange a teleologia que propõe-se, seja no âmbito privado ou público.
Há, portanto, uma leitura conceitual semelhante em ambos ambientes jurídicos, a dicotomia entre público e privado perfaz o nosso Código Civil, porém a Constituição Federal de 1988 estipulou novos horizontes e novas interpretações do que aquele sistema fechado civil tem. Esse fenômeno também se dá como a constitucionalização do direito civil que soa incoerente, uma vez que os preceitos constitucionais e as interpretações possuem um viés constitucional. A causa, antes não muito utilizada, começa a ser usada para a interpretação de atos civis para uma leitura mais coletivista e societária com bases nas premissas constitucionais. A sistemática e a conceituação é bem delineada por parte dos nossos doutrinadores que exerceram uma metodologia condizente e científica para ambos os direitos, públicos e privados. As distinções, guardadas os seus valores teleológicos, são apenas semânticas, salvaguardas a tipicidade e a eficácia de ambas.
CONCLUSÃO:
Tem-se que os fatos jurídicos tanto no direito privado quanto no público são uníssonos em estabelecer a mesma configuração e conceituação, conclui-se, então, que a noção de fato jurídico está posta na teoria geral do direito, não havendo diferenças entre eles, seja na sua existência quanto na sua eficácia.
Observa-se que o ato-fato jurídico e os atos jurídicos stricto sensu estão no direito privado como os atos administrativos estão no direito público. Também, similaridade entre o negócio jurídico e os contratos administrativos.
Como característico de cada ciência há o seu próprio vocábulo para estabelecer conceitos e definições, porém observa-se que os efeitos jurídicos são os mesmo. Têm-se, então, que a própria noção do objeto e seu conteúdo são os que diferem. Enquanto no direito privado temos a autonomia privada e a vontade como determinantes para gerar efeitos jurídicos, na seara pública a motivação e o interesse público são os que regem este regime. Portanto, dada as devidas proporções, a autonomia privada está para o interesse público, como a vontade está na motivação respectivamente para cada área.
Por fim, entende-se que está divisão conceitual está atrelada aos interesses jurídicos projetados dada o paradigma da dicotomia entre o público e privada. Então para compreensão da própria ciência estabelece-se resultados próprios. Conclui-se que não há como falar de vontade, nem mesmo nos atos discricionários, nos atos administrativos, por conter a seu próprio pressuposto teleológico do interesse público, por isso, todo ato administrativo sempre deve ser motivado sem ausência volitiva.
Abstract: The constitution of the legal act in both private and public law is unison. It is understood that the formulation of legal acts is based on will, while in public lae motivation is seen as a requirement of valididy. In order to compare both institutes, the absence of will is proposed because it is their public character and social interest.
Key-Words: Legal fact. Legal Act. Administritive Act.
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