Responsabilidade civil em face de transplante de órgãos e transfusão sanguínea

16/02/2025 às 04:12
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Resumo: A responsabilidade civil do Estado em relação à saúde torna obrigatória a indenização pelos danos causados por falhas ou omissões na prestação de serviços de saúde. Trata-se de responsabilidade civil objetivo, isto é, o Estado que é responsável por danos causados sejam patrimoniais ou extrapatrimoniais, seja pela conduta comissiva ou omissiva de servidor ou agente. Havendo o nexo de causalidade entre dano e conduta perpetrada pelo Estado através de seus prepostos. A saúde é direito de todos e dever do Estado conforme estatui o artigo 196 da Constituição Federal brasileira de 1988. A referida responsabilização civil do Estado advém de sua obrigação de garantir os direitos fundamentais, como o direito à saúde, conforme prevista no texto constitucional vigente. Lembrando-se que este direito é essencial para assegurar a dignidade da pessoa humana e o bem-estar do povo.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Responsabilidade Objetiva. Constituição Federal brasileira de 1988. Saúde. Transplante de órgãos. Transfusão sanguínea.


Recentemente, no Rio de Janeiro, ocorreu a infecção de pessoas com HIV por conta de transplante de órgãos. Independentemente dos reais responsáveis, o Poder Público deverá repara o dano causado. Foram seis casos de infecção pelo vírus HIV causados por erro de testagem realizada por um certo laboratório, os transplantes ocorreram na rede hospitalar pública do Rio de Janeiro.

O fato causou impacto social e acarretou grande mobilização social além da atenção da mídia e de autoridades a fim de identificar os responsáveis diretos pelos danos causados.

O presente texto não pretende adentrar à esfera criminal, apenas direciona-se para identificar a responsabilização civil.

Constatou-se que o laboratório em questão falhou na execução dos procedimentos indispensáveis para a preservação da saúde dos pacientes, inclusive na ficha de um dos doadores constavam informações que já acenava ter sido usuário de drogas injetáveis, sendo inadequado para prover futura doação de órgãos.

Esse equívoco desastroso fora negligenciado pelo Estado e município do Rio de Janeiro, bem como os demais que serem os responsáveis como gestor e regulamentador do Sistema Nacional de Transplantes (SNT).

De acordo com o Código Civil brasileiro vigente aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, é o que consta no artigo 186 e, mais adiante, aduz o artigo 927 que fica obrigado a repará-lo.

O direito positivo brasileiro informa através de suas normas que todos os que cometem atos impróprios e, com isso, produz prejuízos a terceiros, tornam-se civilmente responsáveis pela sua compensação.

Não se pode olvidar que no texto constitucional brasileiro vigente, em seu artigo 37, §6º há a expressa menção que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O sistema de responsabilidade civil do Estado opera em dupla garantia pois visa resguardar o cidadão prejudicado e, ainda o agente público envolvido. Assim, ao sofrer dano da atividade estatal irregular, será indenizado pelos cofres públicos e assim fica resguardado contra a propositura de eventuais demandas que sejam impróprias contra si.

A responsabilidade civil do Estado no direito brasileiro é objetiva, isto é, não demanda a comprovação de dolo ou de culpa, mas somente, a conduta em nexo com dano, com nexo de causalidade.

No caso que veio à baila pela imprensa brasileira, os transplantes geraram a infecção pelos vírus HIV, em face de ação ou omissão dos responsável pela escorreita testagem (conduta) que gerou (nexo de causalidade) a contaminação dos pacientes (dano).

Em situação bem semelhante, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que a infecção e mesmo o posterior óbito do paciente que contraiu a síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) depois da transfusão de são também confirmou causa para a responsabilização do Estado e para sua condenação na reparação de danos (vide RE 543.288RJ).

Portanto, é cabível que tais pacientes venham a recorrer ao Poder Judiciário a fim de pleitearem a devida compensação por conta dos graves prejuízos causados.

No caso em comento, o referido laboratório fora contratado pela Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro a fim de realizar os testes de compatibilidade dos doadores e também verificar a presença de doenças transmissíveis.

É comum, além de obrigatório que antes de qualquer transplante de órgão, sejam realizados diversos exames no doador, inclusive para detectar infecções virais tais como HIV, hepatites B e C, entre outros.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) bem como o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) iniciaram investigação para apurar responsabilidades, e descobriram que o laboratório envolvido não tinha os kits de testagens necessários, e, em alguns casos, teria forjado os resultados.

O laboratório, que deveria realizar esses exames de forma criteriosa, não apresentou evidências suficientes de que tinha as condições adequadas para conduzir os testes. Suspeita-se que os resultados possam ter sido falsificados.

O contágio por HIV em um procedimento cirúrgico que deveria ser seguro configura dano moral, além de dano à integridade física, e essas pessoas poderão buscar reparação judicial tanto contra o Estado quanto contra o laboratório responsável.

Em nosso país, o direito à saúde é garantido constitucionalmente, e qualquer falha no cumprimento desse direito pode gerar responsabilidade civil do Estado.

O caso do Rio de Janeiro levantou importantes questões sobre a segurança dos transplantes no Brasil. Embora o país seja referência mundial em transplantes, sendo o segundo maior transplantador do mundo, o caso expõe fragilidades em um dos pontos mais sensíveis do processo: a testagem dos órgãos.

A Anvisa e o Ministério da Saúde são responsáveis por garantir que as normas de segurança sejam seguidas à risca. No entanto, falhas como essa abalam a confiança no sistema de saúde e geram receios tanto em pacientes quanto em profissionais da área.

O Sistema Nacional de Transplantes (SNT), regulamentado pela Lei nº 9.434/1997, define as normas para a doação e o transplante de órgãos no Brasil.

Segundo essa lei, é obrigatório que o processo de doação e transplante ocorra dentro de critérios rígidos de segurança e transparência.

O SNT é coordenado pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias de Saúde Estaduais e deve fiscalizar todas as etapas do processo, incluindo a testagem dos órgãos.

O artigo 12 da mesma lei estabelece que todo órgão ou tecido a ser transplantado deve passar por rigorosos exames laboratoriais, a fim de garantir que não haja riscos de infecção ao receptor.

A falha nesse processo, como ocorreu no Rio de Janeiro, implica diretamente na responsabilização dos envolvidos.

Entre as medidas adotadas configuram-se a interdição do laboratório responsável, a criação de força-tarefa a fim de revisar todos os testes realizados desde dezembro de 2023, quando fora contratado.

E, a Secretaria de Saúde igualmente formou uma comissão multidisciplinar a fim de acompanhar os pacientes infectados dando-lhes apoio médico e psicológico.

Tais medidas visam restabelecer a confiança no sistema e ainda garantir que tais erros não se repitam.

Frise-se que o diagnóstico de HIV em contexto em que se busca cura ou melhor qualidade de saúde é deveras devastador. Pois, o HIV cria um estigma social que acarreta isolamento, discriminação bem como dificuldades no trabalho e demais relações sociais.

A descoberta da infecção bem como o tratamento contínuo e possíveis complicações à saúde requerem a assistência psicológica.

No caso específico da infecção por HIV/AIDS decorrente de um transplante realizado sob a supervisão do Estado, é preciso observar a aplicação dos princípios constitucionais, tais como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), bem como o direito à saúde previsto no art. 196. da CF.

O Estado, enquanto garantidor dos serviços de saúde, tem a obrigação de oferecer um sistema de saúde que atenda aos padrões de qualidade e segurança, sendo também responsável pela fiscalização dos procedimentos médicos realizados no âmbito público.

Em transplantes de órgãos, o dever estatal abrange desde o cadastro de doadores até o controle rigoroso da compatibilidade e a verificação de possíveis contaminações, incluindo a presença de agentes infecciosos como o vírus HIV.

Há firme jurisprudência vide1.

Constata-se que existe concretamente o dever jurídico do Estado em indenizar, eis que tanto a doutrina como a jurisprudência confirmam tal dever.

A demonstração do nexo de causalidade entre o dano produzido pela contaminação provocada e o resultado morte deu-se nas instâncias competentes para análise das provas, e não é revista, nem contestada.

Segundo postagens nas redes sociais, o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) repassou, sem licitação, R$ 11 milhões para o laboratório envolvido, responsável pelo escândalo envolvendo transplantes de órgãos que resultou na contaminação de seis pacientes com o vírus HIV no Rio de Janeiro.

Outra postagem, feita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), diz que a revogação de duas portarias sobre transplantes feita pelo Ministério da Saúde em 2023 permitiu essa situação.

Adverte-se que publicações que circulam nas redes sociais compartilham informações enganosas sobre o caso de órgãos transplantados contaminados com HIV. Um erro do referido laboratório provocou a infecção pelo vírus em seis pacientes no Rio de Janeiro (RJ).

No entanto, conforme informado pela pasta e apurado pelo Comprova, a revogação não tem relação com a testagem dos órgãos, mas sim, com questões financeiras. A Portaria GM/MS nº 1.262, de 12 de setembro de 2023, revogou as portarias GM/MS nº 3264/22 e nº 3265/22.

Entre as principais modificações, destacou o Ministério da Saúde ao Comprova, estão o reajuste do valor de incentivo e o monitoramento por parte das centrais estaduais dos indicadores para receber esse valor, uma vez que isso estava sendo feito sem o acompanhamento adequado dos serviços.

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Portaria nº 1.262 alterou cinco principais pontos, a saber:

.Mudança de nome do incremento: de Qualidot para Incremento Financeiro para Qualidade do Sistema Nacional de Transplantes;

..Reforço na participação das Comissões Intergestores Bipartite, para fortalecer a gestão e auxiliar no monitoramento do repasse de incentivos financeiros públicos;

...A classificação dos serviços de transplantes foi reformulada, a fim de esclarecer melhor os parâmetros;

...Reajuste dos valores de incrementos, ampliando os recursos destinados a cada nível de classificação em relação às portarias revogadas;

...Definição de indicadores a serem monitorados pelas centrais estaduais de transplantes como contrapartida dos incrementos, como realização de vistorias técnicas e o acompanhamento da sobrevida dos pacientes.

O Ministério da Saúde também informou que o caso ocorrido no Rio de Janeiro “se trata de um evento isolado cujas providências já estão sendo tomadas pelas autoridades competentes”.

A pasta disse ainda que “as interpretações em circulação nas redes sociais sugerindo que revogações de portarias e alterações em normativas contribuíram para o incidente são infundadas e não correspondem à realidade”.

Além disso, o Ministério informou que as modificações realizadas reforçam a segurança e eficiência do sistema, sem retrocesso no padrão de controle. O Comprova apurou que o novo texto não cita a fiscalização do transplante de órgãos.

Ao Comprova, a presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Luciana Haddad, reforçou que a revogação das portarias não têm relação com os casos de infecção pelo vírus HIV. Questionada se a norma culminou na redução de custos que levaria a redução na qualidade do serviço, Luciana explicou que, “pelo contrário, a portaria fez um incremento financeiro”.

“As portarias não têm qualquer relação com os fatos. Elas não tratam de doadores de órgãos, mas sim, dos procedimentos de transplante. Elas são muito semelhantes, [a revogação, no entanto,] mudou apenas a forma de avaliar o incremento e aumentou o valor do incremento, mas nada relacionado à doação de órgãos”, frisou.

Outra publicação, também feita no X, diz que o governo federal repassou R$ 11 milhões ao laboratório sem licitação. Uma busca pelo CNPJ da empresa no Portal da Transparência mostrou, no entanto, que não houve qualquer negociação entre o governo e o laboratório.

O referido laboratório foi contratado para fazer os exames em doadores de órgãos em 2023 pela Fundação Saúde, entidade pública de personalidade jurídica de direito privado responsável pela gestão da saúde pública do estado.

O diretor executivo da entidade desde 2016 é médico ginecologista João Ricardo da Silva Pilotto, que já foi parceiro na vida privada de Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, sócio do referido laboratório. Matheus foi responsável por assinar o contrato com a Fundação.

A Fundação Saúde está vinculada à Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ). O secretário na época era Doutor Luizinho, hoje deputado federal e líder do PP na Câmara dos Deputados. “Doutor Luizinho” também é primo do Matheus Sales, sócio do referido laboratório. O Ministério Público do Rio de Janeiro investiga se há indícios de irregularidades no contrato.

O atual deputado já informou que nada tem haver com a dita contratação pois já não era secretário de saúde na época.

O ex-secretário Doutor Luizinho esteve à frente da pasta entre janeiro e setembro de 2023, tendo como Governador do Estado Cláudio Castro (PL). Segundo reportagem da Band, o governador defendeu que o ex-secretário de saúde não interferiu na contratação do laboratório.

“O serviço foi suspenso logo após a ciência do caso e o prestador interditado cautelarmente. Neste momento, o PCS Lab está proibido de atuar em todo o território nacional”, afirmou a pasta em nota.

A secretaria informou ainda que o laboratório atendeu, anteriormente, quatro Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e um hospital da rede por meio de contrato emergencial. Nesses casos, portanto, sem licitação. As contratações estão disponíveis no Portal da Transparência do Estado do Rio de Janeiro.

O Comprova procurou os responsáveis pela publicação dos conteúdos, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 16 de outubro, a publicação feita por Bolsonaro no X alcançou 594,7 mil visualizações. Já a outra publicação analisada teve 138,6 mil visualizações.

Fontes consultadas foram: Portal da Transparência do estado do Rio de Janeiro e do governo federal, Secretaria Estadual de Saúde do RJ e Ministério da Saúde.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.

Outras checagens sobre o tema: O tema do transplante de órgãos já foi alvo de checagens anteriores do Comprova. A iniciativa explicou, por exemplo, como funciona a lista de espera por transplante de órgão no Brasil – o que também foi explicado pelo Ministério da Saúde –, e mostrou que um vídeo exagera o tamanho da lista de espera por transplante para enganar sobre Faustão e o SUS.

A responsabilidade civil avança e tem sua marca quando surge a Lex Aquilia, fundada na culpa, ou seja, o agente causador do dano responde pelo dano quando agir com culpa. Com a revolução industrial, o instituto recebe mais um avanço histórico, é a chegada da responsabilidade civil objetiva, fundada na teoria do risco da atividade .

A partir desses avanços históricos no instituto da responsabilidade civil, nasce o conceito mais aceito no ordenamento jurídico brasileiro e sua localização no atual Código Civil Brasileiro.

Tendo estudado as etapas da responsabilidade civil, desde as primeiras formas de sociedade até os dias atuais, bem como seu conceito e localização legal, passamos ao estudo sobre as diversas formas que ocorre a responsabilidade civil, sendo contratual ou extracontratual, subjetiva ou objetiva e direta ou indireta.

Acerca dos pressupostos da responsabilidade civil.

Destaca-se que a relação do nexo de causalidade com o dano sofrido pela vítima, ainda que se trate de responsabilidade objetiva, é requisito necessário, sem o qual não se configura o dever de indenizar. De forma mais sucinta verificamos quais as causas que excluem o causador do dano da responsabilidade civil, ainda que a vítima tenha sofrido prejuízo.

Constatamos a problemática da quantificação do dano presente nos Tribunais, tendo em vista não haver uma regra a ser aplicada, contando apenas que o juiz leve em consideração os critérios estabelecidos pela doutrina e pela jurisprudência, ou seja, que observe a proporcionalidade do grau da culpa e a situação financeira das partes.

Sublinhe-se que o contrato estabelecido entre o paciente e os estabelecimentos de saúde é um contrato de prestação de serviços, conforme afirma Nelson Nery Junior: Para tanto, não se nega que os hospitais são prestadores de serviços médicos e hospitalares de hospedagem.

O contrato de prestação de serviços tem de um lado o fornecedor/prestador de serviços e de outro o consumidor do serviço prestado sendo, portanto, estabelecida uma relação de consumo disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor. Diante do conceito de consumidor e fornecedor de serviços, segundo critério estabelecido no referido diploma legal.

O Código de Defesa do Consumidor conceitua consumidor no seu artigo 2º: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Em seu artigo 3º o mesmo diploma legal93define fornecedor: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de prestação de serviços”.

Portanto, na área da saúde, a relação entre o paciente e o prestador de serviços é uma relação de consumo. O paciente utiliza o serviço como destinatário final e o prestador de serviços desenvolve a atividade respectiva.

Estabelecida a relação de consumo, é passível de aplicação o estabelecido no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas

Conclui-se que seja pela teoria do risco ou pelo Código de Defesa do Consumidor, o estabelecimento de saúde que transmitir doença através de transfusão sanguínea responderá de forma objetiva pelo dano causado.

Causado o dano, estabelece-se o dever de indenizar dos estabelecimentos de saúde. Indenizar significa reparar o dano causado à vítima, integralmente. Se possível, restaurando o status quo ante, isto é, devolvendo-a ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito.

Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal desiderato, busca-se uma compensação em forma de pagamento de uma indenização de caráter moratório.

Arnaldo Rizzardo afirma que a prática de um ato ilícito determina o ressarcimento dos danos, o que se verifica com a reposição das coisas em seu estado anterior. Se há a impossibilidade para a reposição, ao prejudicado resta a opção da indenização em dinheiro por perdas e danos.

A responsabilidade dos estabelecimentos de saúde, que no ato da transfusão de sangue ou transplante de órgãos que transmite ao paciente doenças hematológicas, é objetiva considerando a teoria do risco, bem como a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista o contrato de prestação de serviço. Causado o dano à vítima, cumpre ao estabelecimento de saúde indenizá-la, a fim de restabelecer a vítima ao estado em que se encontrava e, não sendo possível a indenização deve ser realizada na forma de prestação pecuniária.

As demandas de reparação de danos por responsabilidade civil médica e hospitalar tiveram um crescimento importante nos últimos anos. Conforme dados divulgados pelo CNJ, nos relatórios Justiça em Números, foram registrados cerca de 25 mil processos no ano de 2023, uma alta de 35% em relação ao volume apurado no ano de 2020.1

Os processos por "danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde", conforme nova classificação adotada pelo CNJ desde janeiro de 2024, tratam-se de demandas complexas, que envolvem uma série de nuances para apurar a presença dos elementos, que configuram o dever de reparação de danos sofridos pelos pacientes.

Conforme o art. 37, § 6º, CF/1988, as pessoas jurídicas de Direito Púbico, e as de Direito Privado que prestam serviços públicos, respondem pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso nos casos de dolo ou culpa.

A responsabilidade civil nesse caso é objetiva, configura-se pela presença de três elementos: Dano moral ou material sofrido por alguém; Ação ou omissão que possa ser caracterizada como ato ilícito; e

Nexo de causalidade entre o dano e ação ou omissão estatal, independentemente da apuração de culpa do profissional da saúde para determinar o dever de reparação de danos.

A responsabilidade civil do Estado pode ser excepcionada quando se constate:

Culpa exclusiva da vítima ou de terceiro ;

Conduta do agente em exercício regular de direito; ou

Excludentes de caso fortuito ou força maior .

Aplica-se aos atendimentos prestados no âmbito do SUS, seja diretamente por hospitais públicos, seja por estabelecimentos conveniados que atendam os pacientes pelo SUS.

Nesses casos, o STJ já reconheceu que "restando comprovado o fato, o dano causado e o nexo de causalidade entre os dois últimos, consideram-se satisfeitos os requisitos para a caracterização da responsabilidade objetiva do Estado", já que nessa hipótese "não se exige a comprovação de dolo ou culpa por parte do agente

Um segundo regime de responsabilidade objetiva decorre do CDC, que estabeleceu, dentre os direitos básicos do consumidor, a prevenção e reparação integral dos danos sofridos pelos serviços e produtos disponibilizados no mercado de consumo.

Em se tratando de danos decorrentes de serviços na área da saúde, incide a chamada responsabilidade pelo fato do serviço, que é tratada no art. 14. do CDC, que traz duas modalidades de responsabilização:

Uma responsabilidade objetiva , que independe de culpa, conforme caput do artigo; e A responsabilidade subjetiva pessoal dos profissionais liberais, tratada no § 4º, do mesmo dispositivo legal.


Referências

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1link:https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=757870357

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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