As regras do Direito Penal são claras. Todos aqueles que participam do delito devem responder pelo mesmo crime (coautoria). Em se tratando de um crime que se estende ao longo do tempo (como o sequestro e o genocídio, por exemplo) aos autores originais do delito novos coautores podem se somar enquanto o crime estiver em andamento. Esses coautores tem o mesmo grau de envolvimento que seus parceiros. No entanto, podem ter pena distinta, de acordo com o grau de participação e gravidade de seus atos para a consecução do crime.
Há alguns dias, Donald Trump se reuniu com Netanyahu em Washington DC. Além de se recusar a cumprir o mandado de prisão que o Tribunal Penal Internacional expediu contra o líder do genocídio em Gaza, o presidente dos EUA anunciou que "The US will take over the Gaza Strip and we will do a job with it too." Essa afirmação pode e deve ter consequências jurídicas, porque é muito provável que em razão do apoio que recebeu, Netanyahu vai intensificar o genocídio ao contrário de interrompê-lo. Ademais, os EUA não tem um mandato da ONU para tomar posse de Gaza, nem tampouco seria legítimo expulsar os palestinos de lá.
A reação internacional foi grande. Mas ninguém realmente fez nada. Então eu decidi agir.
No dia 06/02/2025, por volta das 16 horas, formalmente denunciei Donald J. Trump ao Procurador que atua junto ao Tribunal Penal Internacional. Em minha petição https://www.linkedin.com/posts/fabio-de-oliveira-ribeiro-85347a232_report-activity-7293302168453804032-TFIT?utm_source=share&utm_medium=member_android&rcm=ACoAADoXDz8BjjRtR5oWYVkIUqhlrTfZlddYpKE aleguei, em apertada síntese, que em razão do que foi dito pelo presidente dos EUA e das consequências previsíveis da decisão que foi tomada ele deve ser considerado coautor do crime de genocídio atribuído a Netanyahu e seus generais. Crime que, aliás, ainda está em curso porque, em razão da imensa devastação imposta à Gaza, sobreviventes palestinos continuam morrendo de fome, sede, frio e, principalmente, falta de assistência médica e hospitalar. Fiz o que pude após reunir as evidências documentais apropriadas. Agora cabe ao Procurador do TIP analisar o caso e tomar as providências necessárias.
Preparar a denúncia não me deu muito trabalho. Levei apenas alguns minutos para reunir os documentos: o relatório de Francesca Albanese sobre o genocídio em Gaza; a decisão do Tribunal Internacional de Justiça aceitando o caso da África do Sul contra Israel; a notícia do TPI acerca do caso de genocídio contra Netanyahu e; uma reportagem sobre o discurso de Trump. Em 30 minutos escrevi algo simples, direto e compreensível sobre o assunto levando em consideração apenas o que Donald J. Trump afirmou. Preencher o requerimento no portal do TPI foi algo que eu fiz em 3 ou 4 minutos.
Não sei se outras pessoas fizeram algo semelhante. Talvez algumas se sintam agora tentadas a fazer o mesmo que eu fiz. Muitas certamente serão capazes de oferecer argumentos mais convincentes e eloquentes do que aqueles que eu levei ao conhecimento da autoridade internacional. Os documentos estão todos disponíveis na Internet. Tudo o que é necessário pode ser obtido em alguns minutos.
Alguém tinha que fazer algo. Após o discurso de Trump várias pessoas poderosas se manifestam na imprensa, mas algumas delas não se importam realmente com os palestinos ou estão cautelosamente esperando a consolidação dos fatos. Aqueles que se comprometeram com a matança e/ou auferem lucros em razão dela certamente aplaudiram o presidente dos EUA. As pessoas comuns têm medo ou não sabem o que fazer. Em razão disso é preciso que alguém que não consegue ficar quieto faça algo mesmo sabendo que isso é ou pode ser inútil.
Após enviar o requerimento ao Procurador do TIP divulguei o texto na internet e resolvi importunar Donald J. Trump no Facebook. Algum tempo depois a imprensa noticiou que o presidente dos EUA assinou um decreto autorizando retaliações contra aquele Tribunal. Não sei dizer se o presidente dos EUA reagiu ao que eu fiz ou se ele já tinha planejado promulgar o decreto autorizando retaliações contra o Tribunal. Isso na verdade é irrelevante.
O mais importante é que ao atacar abertamente o TIP em defesa de um líder político acusado de genocídio, além de confirmar que se tornou parceiro dele no crime, Donald J. Trump imitou Jair Bolsonaro (ex-político brasileiro cuja carreira foi com justiça abreviada, inclusive e principalmente porque ele ameaçou a autonomia do Poder Judiciário). Imediatamente o TIP reagiu com uma nota em seu Portal. Isso é bom, instituições saudáveis não podem se curvar à pressão de quem quer que seja. Agora teremos que aguardar para saber se a justiça internacional é capaz de se movimentar contra o presidente dos EUA.