Introdução
A Criminologia é a ciência que investiga as causas e consequências da criminalidade por meio da análise de quatro dimensões fundamentais: o delito, o delinquente, a vítima e o controle social. Esses elementos constituem a base do estudo criminológico e serão explorados nesta aula.
Compreender profundamente esses quatro pilares é essencial para que o operador do Direito possa identificar as características e a dinâmica da criminalidade, aprimorando sua atuação dentro do ordenamento jurídico. No entanto, o aprendizado não se esgota aqui. A Criminologia incita reflexões sobre o Direito, o crime e a sociedade, exigindo um estudo contínuo. Por isso, encorajamos você a aprofundar seus conhecimentos além desta aula e a explorar as múltiplas facetas desse campo. Mãos à obra!
O Delinquente
A noção de punição sempre existiu na história, pois o comportamento desviante em relação aos padrões aceitos pelo corpo social é uma constante nas sociedades humanas. Dessa forma, a figura do delinquente é antiga e sempre foi objeto de interesse do Direito.
A percepção sobre o delinquente, entretanto, sofreu mudanças significativas ao longo dos séculos. Na chamada Pré-História da Criminologia, que perdurou até o período Clássico (século XVIII), o delinquente era visto como um pecador. Como ensina Madrid (2010, p. 37), no âmbito jurídico, há uma correspondência histórica entre dano e reparação, de modo que "[...] o delito tem sido entendido como um mal que exige compensação".
Naquela época, acreditava-se que o delinquente, ao se desviar das normas, fazia uso de seu livre-arbítrio para escolher o mal em detrimento do bem. Consequentemente, ele era visto como um sujeito "impuro" que necessitava de um sacrifício para obter sua "purificação" e alcançar a "salvação", representado pela pena imposta.
Foi somente com a Escola Positivista da Criminologia, vigente entre o século XIX e o início do século XX, que essa visão se transformou. Os pensadores positivistas adotaram uma abordagem determinista, pautada em interpretações biológicas da criminalidade. Dessa forma, o delinquente deixou de ser considerado um pecador e passou a ser visto como um indivíduo acometido por patologias biológicas ou psicológicas que o predispunham ao crime.
Nesse contexto, a pena deixou de ser concebida como um sacrifício para redenção e passou a ser encarada como uma medida para conter um indivíduo "anormal", incapaz de seguir as normas sociais devido a sua "natureza criminosa".
Essa abordagem, contudo, foi superada no século XX com o advento da Criminologia Crítica, especialmente a partir da segunda metade do século. Esse novo paradigma rejeitou a interpretação determinista da criminalidade e deslocou o foco do delinquente para uma abordagem mais ampla, considerando outros fatores sociais e estruturais.
Atualmente, a Criminologia compreende o delinquente não mais como um pecador ou um doente, mas como um indivíduo comum, sujeito às mesmas influências e condições que qualquer outro cidadão (SUMARIVA, 2018). A criminalidade, portanto, é resultado de uma multiplicidade de fatores, exigindo que cada caso seja analisado de forma contextualizada, considerando não apenas o infrator, mas também o meio em que ele está inserido.
Dessa forma, a visão contemporânea da Criminologia não reduz a criminalidade à figura do delinquente, mas busca compreendê-lo dentro de um contexto social, econômico e histórico. Ele é um ser humano comum, influenciado por diversas circunstâncias e que pode infringir a lei por diferentes razões. O estudo da criminalidade, portanto, deve considerar a complexidade das interações entre o delinquente, o delito, a vítima e os mecanismos de controle social.
A Vítima
A percepção criminológica sobre o papel da vítima na criminalidade evoluiu ao longo do tempo, atravessando três fases distintas: o Período de Protagonismo, o Período de Neutralização e o Período de Redescobrimento (PENTEADO FILHO, 2012).
Período de Protagonismo
Nos primórdios da Criminologia, em um contexto onde a punição era baseada na vingança privada e regida pela Lei do Talião, a vítima desempenhava um papel central na definição da pena aplicada ao infrator. Nessa fase, a justiça era conduzida de maneira pessoal, cabendo à vítima ou aos seus familiares decidirem como punir quem transgredisse as normas sociais. Esse período marca o Protagonismo da Vítima dentro do fenômeno criminal.
Período de Neutralização
Com o passar do tempo, o Estado assumiu o monopólio da aplicação da justiça, retirando da vítima o poder de definir as punições. Esse novo modelo jurídico resultou na perda de relevância da vítima na dinâmica do crime, dando início ao chamado Período de Neutralização. A vítima passou a ser vista apenas como parte do processo, sem influência na condução da penalização do infrator.
Período de Redescobrimento
Esse cenário começou a mudar com os eventos que marcaram o século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. As atrocidades cometidas durante o regime nazista, incluindo o genocídio e os campos de concentração, despertaram um novo olhar sobre as vítimas. A necessidade de reconhecer e compreender os impactos do crime sobre aqueles que o sofrem levou à ascensão da Vitimologia , um campo de estudo dedicado à análise do papel da vítima no fenômeno criminal. Esse momento histórico representou o Período de Redescobrimento , no qual a vítima voltou a ocupar um espaço relevante nas discussões criminológicas.
Hoje, a Vitimologia se consolidou como uma área essencial dentro da Criminologia, permitindo um entendimento mais amplo sobre as experiências das vítimas e o impacto da criminalidade em suas vidas.
Obs: Convido-os a conferir outros manuscritos sobre vitimologia publicados por mim. O conteúdo desses artigos será mais específico.
O Delito e o Controle Social
O Delito
No âmbito do Direito Penal, o crime é caracterizado como um fato típico, ilícito e culpável. No entanto, a Criminologia adota uma abordagem distinta, afastando-se da concepção estritamente jurídico-dogmática. Para essa ciência, um delito é identificado por meio de quatro critérios principais:
Ocorrência frequente na sociedade : um crime não pode ser entendido como um evento isolado, mas sim como uma prática recorrente dentro de um contexto social.
Impacto negativo na coletividade : a conduta criminosa deve provocar sofrimento às vítimas e gerar um sentimento de insegurança na comunidade.
Persistência no tempo e no espaço : o comportamento desviante precisa se repetir ao longo do tempo e em um mesmo território para ser considerado relevante criminologicamente.
Consenso sobre sua origem e formas de controle : é essencial que haja um entendimento razoável sobre as causas do delito e sobre as estratégias eficazes para sua prevenção e repressão.
Dessa forma, para a Criminologia, o crime não é apenas uma infração legal, mas um fenômeno social complexo, com implicações profundas tanto para os indivíduos diretamente envolvidos (infratores e vítimas) quanto para a coletividade, que sofre as consequências desse comportamento desviado (SUMARIVA, 2018).
O Controle Social
Diante dos impactos negativos do crime, torna-se fundamental a existência de mecanismos para controlá-lo e garantir a harmonia social. Esse papel, historicamente, foi assumido pelo Estado, que detém o monopólio da aplicação das leis e da punição aos infratores.
Entretanto, assim como o crime, o Estado não é uma entidade natural, mas uma construção social. Os poderes que lhe são conferidos – em especial o poder punitivo – devem ser exercidos em benefício da coletividade. No entanto, nem sempre essa premissa é respeitada, já que o Estado é composto por indivíduos que podem utilizar sua autoridade para atender interesses particulares ou favorecer determinados grupos.
Por essa razão, a Criminologia também se dedica ao estudo do controle social, investigando não apenas como ele influencia o fenômeno criminal, mas também como, em certas circunstâncias, o próprio Estado pode incorrer em práticas criminosas ao exercer seu poder punitivo. Cabe, portanto, à Criminologia não apenas analisar a criminalidade em si, mas também denunciar eventuais abusos e distorções no exercício do controle social (PENTEADO FILHO, 2012).
Mas o interesse da Criminologia pelo controle social como objeto de estudo vai muito além. Ele pode ser entendido como o conjunto de estratégias, instituições e sanções que visam submeter a vida em sociedade a padrões socialmente aceitos pela coletividade e que se subdividem em dois sistemas:
• Sistema de controle social informal: dá-se por meio das regras de conduta socialmente impostas aos indivíduos, do nascimento à morte, por grupos e instituições que compõem a sociedade. Exemplos: igreja, escola, família. No entanto, quando os mecanismos do sistema informal são insuficientes no controle e na prevenção das condutas desviantes, atua o sistema de controle formal.
• Sistema de controle social formal: ocorre por agências estatais, órgãos e instrumentos previstos do Poder Público. Assim, diz respeito à atuação da Polícia, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Administração Pública e de quaisquer outros órgãos que integrem a atividade de controle social.
São nesses termos, portanto, que o crime e o controle social da criminalidade são considerados como objetos de estudo da Criminologia, e é com base nessas definições que se deve observar e estudar o fenômeno da criminalidade.
Referências
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro, 1989. Disponível em: http://docente.ifrn.edu.br/nonatocamelo/disciplinas/etica-no-servico-publico/texto/pierre-bourdieu-o-poder-simbolico/view. Acesso em: 16 set. 2021.
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília, DF: Presidência da República, 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 21 ago. 2021.
BRASIL. Decreto n° 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 maio 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm. Acesso em: 23 set. 2021.
MADRID, A. La Política y la Justicia del Sufrimiento. Madrid: Trotta, 2010.
PENTEADO FILHO, N. S. Manual Esquemático de Criminologia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
SEVEN – Os sete crimes capitais. Direção de David Fincher. Estados Unidos, 1995. (127 min).