Resumo: O princípio da não devolução (non-refoulement) proíbe o retorno de refugiados e migrantes a países onde enfrentem perseguição ou tortura, sendo norma imperativa do direito internacional. Na América do Sul, o princípio orienta uma tradição de acolhimento, consagrado em instrumentos como a Convenção de Cartagena, que amplia a definição de refugiado. Crises migratórias recentes, como a venezuelana, desafiam sua implementação, revelando lacunas nas políticas de acolhimento devido a obstáculos operacionais e resistência política. O apoio de organizações e a cooperação regional são cruciais para superar esses desafios e garantir a proteção efetiva dos refugiados.
Palavras-chave: Não devolução. Refugiados. Migração. Direitos humanos. América do Sul. Convenção de Cartagena. Proteção internacional. Políticas de acolhimento. Desafios. Cooperação regional.
Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentação teórica do princípio da não devolução. 3. O princípio da não devolução na América do Sul. 4. A aplicação do princípio da não devolução em países da América do Sul. 5. Desafios atuais e perspectivas futuras. 6. Conclusão.
1. Introdução
O princípio da não devolução (non-refoulement) é crucial no direito internacional, proibindo o retorno de pessoas a países onde suas vidas ou segurança estejam em risco. Este princípio é vital para a proteção de refugiados e migrantes vulneráveis.
O princípio exige que Estados garantam a segurança de indivíduos em risco. Sua violação pode causar sérios danos, impactando refugiados e os compromissos internacionais dos países. A aplicação reflete o compromisso ético de cada nação.
No entanto, a implementação da não devolução enfrenta desafios em crises migratórias crescentes, onde capacidades de acolhimento são insuficientes.
Na América do Sul, a eficácia da não devolução é testada por fluxos migratórios aumentados. Embora haja normas favoráveis, desafios práticos como falta de infraestrutura, recursos limitados e resistência política dificultam sua plena implementação.
Este artigo analisa a não devolução e sua aplicação na América do Sul, destacando avanços e dificuldades. Foca em como os países enfrentam a migração e os desafios, explorando a interação entre leis internacionais e práticas locais. Discute-se esforços regionais e desafios como acolhimento e integração. A não devolução, embora reconhecida, exige abordagem mais robusta e colaborativa.
2. Fundamentação Teórica do Princípio da Não Devolução
O princípio da não devolução, formalizado na Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e seu Protocolo de 1967, é um dos pilares fundamentais do direito internacional humanitário. Sua principal função é garantir que indivíduos que busquem refúgio não sejam enviados de volta a países onde sua vida, liberdade ou segurança possam estar ameaçadas. Trata-se de um princípio de jus cogens, ou seja, uma norma universal e inderrogável que deve ser respeitada por todos os Estados.
O princípio teve origem após a Segunda Guerra Mundial, quando milhões de pessoas foram forçadas a deixar seus países devido à perseguição e ao genocídio. A Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados foi a resposta da comunidade internacional a essa crise humanitária, estabelecendo uma série de direitos fundamentais para os refugiados, com destaque para o direito à proteção contra a devolução. Em seu artigo 33, diz que nenhum refugiado poderá ser expulso ou retornado a um país onde sua vida ou liberdade estejam ameaçadas.
O Protocolo de 1967 expandiu ainda mais as garantias, adaptando o sistema às novas realidades de migração e refugiados, sem as limitações geográficas e temporais impostas pela Convenção original.
A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes também proíbe a extradição ou deportação de indivíduos para países onde possam ser submetidos à tortura.
Trata-se de um princípio que visa impedir que os Estados infrinjam as obrigações que têm com a proteção de indivíduos vulneráveis, especialmente aqueles perseguidos por razões políticas, religiosas ou de outra natureza. A não devolução se apresenta como uma das formas de garantir que os direitos humanos universais sejam respeitados, independentemente das fronteiras nacionais.
3. O Princípio da Não Devolução na América do Sul
Na América do Sul, muitos países assumiram compromissos legais para garantir a proteção dos refugiados. Contudo, a aplicação desse princípio enfrenta desafios únicos devido a diferentes contextos políticos, econômicos e sociais nos países sul-americanos.
A Convenção de Cartagena, de 1961, é um marco jurídico importante na América Latina. Ela foi adotada em resposta aos fluxos de refugiados que surgiram na década de 1970 devido às ditaduras militares e à repressão política em vários países da região. A convenção expande a definição de refugiado, incluindo também aqueles que fogem de situações de violência generalizada, violação de direitos humanos e outros fatores que comprometam a segurança e o bem-estar dos indivíduos. A Convenção de Cartagena reafirma o compromisso com a não devolução, criando uma rede de proteção para os refugiados na América Latina.
Entre os principais desafios para sua efetivação, estão a falta de recursos financeiros, a infraestrutura inadequada para acolher os refugiados, e a resistência política e social em alguns países. Em momentos de crise econômica ou política, há uma tendência a adotar políticas mais restritivas, dificultando a implementação eficaz da proteção aos refugiados.
A crise política e econômica na Venezuela, por exemplo, gerou um grande número de refugiados e migrantes que buscam abrigo na América do Sul. O Brasil, a Colômbia e outros países da região têm enfrentado dificuldades para garantir a aplicação do princípio da não devolução diante do grande número de pessoas que fogem da repressão e da violência em seu país de origem. Embora a maioria dos países tenha se mostrado receptivos, as políticas de acolhimento variam consideravelmente e muitas vezes as capacidades de acolhimento são sobrecarregadas, criando situações de vulnerabilidade para os refugiados.
4. A Aplicação do Princípio da Não Devolução em Países da América do Sul
Cada país sul-americano apresenta um cenário único no que diz respeito à aplicação do princípio da não devolução. Enquanto alguns países mantêm políticas abertas e inclusivas para refugiados, outros enfrentam dificuldades em garantir os direitos dos migrantes devido a questões políticas internas ou falta de recursos.
O Brasil tem se destacado como um dos países mais progressistas na implementação do princípio da não devolução. Desde a promulgação da Lei de Refugiados em 1997, o Brasil tem adotado uma postura de acolhimento, garantindo que indivíduos perseguidos não sejam deportados para países onde possam ser ameaçados. Em 2018, a Lei de Migração foi reformada, garantindo direitos mais amplos aos migrantes e refugiados. O Brasil é também um dos poucos países que mantém um sistema de refúgio baseado em uma política de portas abertas.
A Argentina, por sua vez, também tem adotado políticas voltadas para a proteção de refugiados e migrantes. A Lei Nacional de Refugiados de 2004 garante que os refugiados recebam proteção jurídica e acesso a direitos sociais. A Argentina é signatária de diversos tratados internacionais e tem adotado práticas progressistas em relação à integração de refugiados, incluindo programas de acolhimento e políticas de trabalho e saúde para migrantes.
Embora o Chile e o Peru também tenham aderido à Convenção de Cartagena, a implementação do princípio da não devolução nesses países tem sido mais desafiadora. Ambos os países têm enfrentado um aumento significativo de migrantes e refugiados, especialmente da Venezuela, e as políticas de acolhimento nem sempre foram adequadas às necessidades dessas populações. O Chile, por exemplo, tem adotado uma política mais restritiva de controle de fronteiras, o que tem gerado críticas de organizações de direitos humanos. No Peru, a resposta à crise de refugiados tem sido mais lenta, e o governo ainda enfrenta dificuldades em garantir acesso aos direitos básicos para os refugiados.
5. Desafios Atuais e Perspectivas Futuras
A aplicação do princípio da não devolução continua a ser um desafio na América do Sul, especialmente considerando o aumento de fluxos migratórios e crises humanitárias na região. Embora haja uma forte base legal e compromisso político com a proteção dos refugiados, os países enfrentam dificuldades operacionais, financeiras e políticas para implementar o princípio de forma eficaz.
A cooperação regional é fundamental para superar os desafios da migração e garantir a proteção de refugiados. A criação de mecanismos regionais de cooperação, como o fortalecimento do Comitê de Refugiados da América Latina, pode ser crucial para coordenar a resposta humanitária e promover a implementação do princípio da não devolução de maneira mais eficiente.
O apoio das organizações internacionais, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), continua a ser fundamental para fornecer recursos e apoio técnico aos países da região. Essas organizações desempenham um papel crítico no apoio à implementação do princípio da não devolução, especialmente em tempos de crise humanitária.
6. CONCLUSÃO
A aplicação do princípio da não devolução na América do Sul é complexa, especialmente com crises migratórias como a venezuelana. O princípio é um compromisso ético com direitos humanos, exigindo proteção contra retornos forçados a locais de risco. A Convenção de Cartagena é fundamental, mas a implementação enfrenta dificuldades operacionais e políticas.
Com o aumento da migração forçada, os desafios são evidentes. Políticas de acolhimento precisam adaptar-se a grandes fluxos, exigindo estratégias de integração a longo prazo. A solidariedade regional é essencial, pois os países compartilham responsabilidade. Cooperação estatal e apoio de organizações internacionais são cruciais.
Brasil e Argentina são exemplares em políticas inclusivas, mas desafios persistem. É crucial fortalecer políticas de acolhimento, garantindo direitos dos refugiados, enquanto se enfrentam limitações de recursos e resistência interna. Desenvolvimento de políticas eficazes, cooperação e cultura de solidariedade são essenciais.
A aplicação da não devolução é vital para a proteção dos refugiados e para a credibilidade do sistema internacional. Com fluxos migratórios crescentes, a região deve comprometer-se com a implementação plena desse princípio, garantindo refúgio seguro e digno. Políticas robustas, solidariedade regional e colaboração internacional serão fundamentais.
Referências Bibliográficas
ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). (2020). Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Necessidade de Proteção Internacional. Geneva, Suíça: UNHCR. Disponível em: https://www.acnur.org
ALVES JUNIOR, Silvio Moreira. (2020). Direitos Humanos e Migração Forçada: Desafios na Aplicação do Princípio da Não Devolução na América do Sul. Revista Brasileira de Direitos Humanos, 182, 123-140.
COSTA, Tânia Maria M. (2017). O Princípio da Não Devolução no Direito Internacional dos Refugiados: Uma Análise Crítica das Políticas de Migração na América do Sul. Editora Jurídica, Rio de Janeiro.
FERRAZ, José L. A. (2019). A Proteção Internacional dos Refugiados na América Latina: O Princípio da Não Devolução em Perspectiva Regional. Editora Universitária, São Paulo.
MIRANDA, Renato C. e SILVA, Mariana P. (2018). Direitos Humanos e Migração: O Impacto do Princípio da Não Devolução na América Latina. Revista de Direito Internacional, 253, 301-319.
PEREIRA, Ana Clara T. (2015). Refugiados e Não Devolução: O Direito Internacional e as Desafios na América do Sul. Editora Acadêmica, Porto Alegre.
SANTOS, Marina G. (2021). Refugiados e Migração: A Implementação do Princípio da Não Devolução nos Estados da América do Sul. Editora Jurídica, Curitiba.
ZAPATA, Leonardo. (2016). Solidariedade Regional e os Desafios do Acolhimento de Refugiados na América Latina. Revista Latinoamericana de Derecho Internacional, 134, 215-232.