Reflexões e sugestões sobre o ensino da lógica jurídica no Brasil

20/02/2025 às 17:59
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A Lógica pode ser útil como método para o Direito ao tornar os argumentos mais sólidos e consistentes, mais persuasivos, proporcionando clareza e robustez ao raciocínio e conduzindo o operador do Direito às conclusões necessárias no processo judicial.

Talvez seja oportuno repensar o papel da Lógica no fortalecimento dos argumentos empregados pelos profissionais do Direito.

O raciocínio jurídico, cujo estudo, lamentavelmente, vem sendo negligenciado no Brasil, tem se desenvolvido cada vez mais em outros países sob a rubrica legal reasoning. Explica-se: no Brasil, partidos de esquerda, ao ascenderem ao poder, trataram rapidamente de suprimir os estudos de lógica jurídica dos cursos de Direito, por entenderem que se trata de uma disciplina asséptica e sem apelo social. Em outras palavras, a lógica jurídica foi substituída pela razão política. Tal medida teve diversas consequências e reflexos, dentre os quais queremos destacar apenas um: o declínio da qualidade das peças processuais e dos trabalhos profissionais e acadêmicos na área do Direito.

A falta de conhecimento da lógica, como alicerce do pensamento e do encadeamento do raciocínio, reflete-se na insustentabilidade de muitas peças que se veem no dia a dia forense. Perde-se, ou pelo menos enfraquece-se, o poder de persuasão. Ora, é preciso aprimorar e aperfeiçoar a capacitação dos profissionais do Direito em nosso país. Só essa razão já seria suficiente para justificar a retomada do estudo da lógica nos cursos jurídicos, ainda que como disciplina optativa, mas presente na grade curricular, visando melhor atender às necessidades dos estudantes e futuros profissionais.

Poder-se-ia também ofertar cursos de extensão e pós-graduação em lógica jurídica e argumentação, oportunizando, assim, aos já graduados o acesso a esse tipo de conhecimento em nível de aperfeiçoamento.

É evidente que, em qualquer dos casos, os temas clássicos da lógica jurídica deverão ser adaptados à realidade atual, bem como à matéria jurídica, de modo que se tornem compatíveis com o nosso tempo e com o objeto de estudo do Direito. Para tanto, será necessária a formação de equipes multidisciplinares com o objetivo de formular currículos adequados.

Assim, ter-se-á o interessante fenômeno de ver a lógica, sistematizada desde os tempos de Aristóteles há mais de 360 anos a.C., adaptada à realidade atual e jurídica. Mais do que o velho no novo e vice-versa, temos aqui a atemporalidade e a amplitude do conhecimento lógico.1

Certamente o principal motivo que causa o distanciamento dos alunos da lógica é a sua inadequação ao pensamento e à realidade do Direito. Nada ou pouco adianta ensinar aos estudantes cálculos matemáticos – como por exemplo o cálculo proposicional clássico – pois isto não apresenta relação direta com os temas jurídicos. Por tal razão, os alunos tendem a perder o interesse pela lógica.

Nesse sentido, um grande passo tem sido dado com a inclusão, em alguns currículos jurídicos, da Teoria da Argumentação, formulada pelo belga Chaïm Perelman,2 e poderia melhorar ainda muito mais com o estudo lógico dos argumentos, nos termos propostos pelo autor brasileiro Cézar A. Mortari,3 cujo livro é adotado por todos os cursos de graduação em Filosofia no Brasil, nas universidades públicas e também em várias universidades privadas.

Muito embora a obra de Cezar A. Mortari aborde também um escorço histórico da lógica - além da logica qua logic - aos estudantes, se lhes interessar um estudo mais minucioso da história, cabe recomendar o livro de Kneale.4 E, sobre a lógica jurídica de modo específico, sucinto e didático, relacione-se Fábio Ulhoa Coelho5 que, em poucas páginas, oferece de modo resumido, objetivo e aplicado ao Direito o que Mortari faz em detalhes, tratando, por exemplo, de argumentos e proposições, inferências, silogismos categóricos, analogia, regras de validade, conjunção, negação, disjunção, implicação, valor de verdade, o conectivo deôntico, silogismo jurídico, retórica, lógicas heterodoxas, falácias não-formais, etc.

Ainda à guisa de sugestão, apresentamos a ideia de utilizar, nos exemplos das construções de raciocínios lógico-jurídicos, os brocardos, assim entendidos os adágios ou aforismas do Direito. Assim, ao mesmo tempo em que aprende os brocardos, o estudante aprende lógica geral e jurídica, exercitando dessa maneira o pensamento multidisciplinar. Além disso, pelo emprego dos brocardos associados à lógica, o aluno ficará mais motivado a prosseguir em um estudo clássico, mas sempre atual, que lhe será de grande valia.

Esperamos que professores e estudantes compreendam a importância da lógica no Direito, que em muito acrescentará suas habilidades intelectuais e profissionais.


REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa Jurídica – Metodologia da aprendizagem – Aspectos, questões, aproximações. 11ª. edição. Curitiba: Juruá Editora, 2024.

COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de lógica jurídica. 4ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2001.

KNEALE, William; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. (Trad. De M. S. Lourenço), 3ª. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1991.

MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. São Paulo: Editora UNESP: Imprensa Oficial do Estado, 2001.

PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Tratado da argumentação – A nova retórica. (Trad. De Maria Ermantina Galvão G. Pereira), São Paulo: Martins Fontes, 1996.

PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica – Nova retórica. (Trad. De Vergínia K. Pupi), 2ª. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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PERELMAN, Chaïm. Retóricas. (Trad. De Maria Ermantina Galvão G. Pereira), São Paulo: Martins Fontes, 1997.


Notas

1 Este excerto foi extraído e adaptado de: CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa Jurídica – Metodologia da aprendizagem – Aspectos, questões, aproximações. 11ª. edição. Curitiba: Juruá Editora, 2024, p. 172-3.

2 PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Tratado da argumentação – A nova retórica. (Trad. De Maria Ermantina Galvão G. Pereira), São Paulo: Martins Fontes, 1996. Veja-se ainda: PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica – Nova retórica. (Trad. De Vergínia K. Pupi), 2ª. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2004.

3 MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. São Paulo: Editora UNESP: Imprensa Oficial do Estado, 2001.

4 KNEALE, William; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. (Trad. De M. S. Lourenço), 3ª. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1991; e PERELMAN, Chaïm. Retóricas. (Trad. De Maria Ermantina Galvão G. Pereira), São Paulo: Martins Fontes, 1997.

5 COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de lógica jurídica. 4ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2001.

Sobre a autora
Maria Francisca Carneiro

Doutora em Direito pela UFPR, Pós-doutora em Filosofia pela Universidade de Lisboa, Mestre em Educação pela PUC/PR, Bacharel em Filosofia pela UFPR, advogada (licenciada), Professora aposentada da UFPR, Corresponding Fellow status with the Faculty of Law, Governance and International Relations at London Metropolitan University (UK), Membro do Centro de Letras do Paraná, da Italian Society for Law and Literature (Itália), do Conselho Editorial da Revista Collatio (USP/FDUPorto/Portugal), Editorial Board Member / Reviewer of the International Journal for Law, Language & Discourse (China 2010/2014) e do Scientific & Academic Publishing (USA). Autora de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.

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