A Lógica pode ser útil como método para o Direito ao tornar os argumentos mais sólidos e consistentes, mais persuasivos, proporcionando clareza e robustez ao raciocínio e conduzindo o operador do Direito às conclusões necessárias no processo judicial.
Talvez seja oportuno repensar o papel da Lógica no fortalecimento dos argumentos empregados pelos profissionais do Direito.
O raciocínio jurídico, cujo estudo, lamentavelmente, vem sendo negligenciado no Brasil, tem se desenvolvido cada vez mais em outros países sob a rubrica legal reasoning. Explica-se: no Brasil, partidos de esquerda, ao ascenderem ao poder, trataram rapidamente de suprimir os estudos de lógica jurídica dos cursos de Direito, por entenderem que se trata de uma disciplina asséptica e sem apelo social. Em outras palavras, a lógica jurídica foi substituída pela razão política. Tal medida teve diversas consequências e reflexos, dentre os quais queremos destacar apenas um: o declínio da qualidade das peças processuais e dos trabalhos profissionais e acadêmicos na área do Direito.
A falta de conhecimento da lógica, como alicerce do pensamento e do encadeamento do raciocínio, reflete-se na insustentabilidade de muitas peças que se veem no dia a dia forense. Perde-se, ou pelo menos enfraquece-se, o poder de persuasão. Ora, é preciso aprimorar e aperfeiçoar a capacitação dos profissionais do Direito em nosso país. Só essa razão já seria suficiente para justificar a retomada do estudo da lógica nos cursos jurídicos, ainda que como disciplina optativa, mas presente na grade curricular, visando melhor atender às necessidades dos estudantes e futuros profissionais.
Poder-se-ia também ofertar cursos de extensão e pós-graduação em lógica jurídica e argumentação, oportunizando, assim, aos já graduados o acesso a esse tipo de conhecimento em nível de aperfeiçoamento.
É evidente que, em qualquer dos casos, os temas clássicos da lógica jurídica deverão ser adaptados à realidade atual, bem como à matéria jurídica, de modo que se tornem compatíveis com o nosso tempo e com o objeto de estudo do Direito. Para tanto, será necessária a formação de equipes multidisciplinares com o objetivo de formular currículos adequados.
Assim, ter-se-á o interessante fenômeno de ver a lógica, sistematizada desde os tempos de Aristóteles há mais de 360 anos a.C., adaptada à realidade atual e jurídica. Mais do que o velho no novo e vice-versa, temos aqui a atemporalidade e a amplitude do conhecimento lógico.1
Certamente o principal motivo que causa o distanciamento dos alunos da lógica é a sua inadequação ao pensamento e à realidade do Direito. Nada ou pouco adianta ensinar aos estudantes cálculos matemáticos – como por exemplo o cálculo proposicional clássico – pois isto não apresenta relação direta com os temas jurídicos. Por tal razão, os alunos tendem a perder o interesse pela lógica.
Nesse sentido, um grande passo tem sido dado com a inclusão, em alguns currículos jurídicos, da Teoria da Argumentação, formulada pelo belga Chaïm Perelman,2 e poderia melhorar ainda muito mais com o estudo lógico dos argumentos, nos termos propostos pelo autor brasileiro Cézar A. Mortari,3 cujo livro é adotado por todos os cursos de graduação em Filosofia no Brasil, nas universidades públicas e também em várias universidades privadas.
Muito embora a obra de Cezar A. Mortari aborde também um escorço histórico da lógica - além da logica qua logic - aos estudantes, se lhes interessar um estudo mais minucioso da história, cabe recomendar o livro de Kneale.4 E, sobre a lógica jurídica de modo específico, sucinto e didático, relacione-se Fábio Ulhoa Coelho5 que, em poucas páginas, oferece de modo resumido, objetivo e aplicado ao Direito o que Mortari faz em detalhes, tratando, por exemplo, de argumentos e proposições, inferências, silogismos categóricos, analogia, regras de validade, conjunção, negação, disjunção, implicação, valor de verdade, o conectivo deôntico, silogismo jurídico, retórica, lógicas heterodoxas, falácias não-formais, etc.
Ainda à guisa de sugestão, apresentamos a ideia de utilizar, nos exemplos das construções de raciocínios lógico-jurídicos, os brocardos, assim entendidos os adágios ou aforismas do Direito. Assim, ao mesmo tempo em que aprende os brocardos, o estudante aprende lógica geral e jurídica, exercitando dessa maneira o pensamento multidisciplinar. Além disso, pelo emprego dos brocardos associados à lógica, o aluno ficará mais motivado a prosseguir em um estudo clássico, mas sempre atual, que lhe será de grande valia.
Esperamos que professores e estudantes compreendam a importância da lógica no Direito, que em muito acrescentará suas habilidades intelectuais e profissionais.
REFERÊNCIAS
CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa Jurídica – Metodologia da aprendizagem – Aspectos, questões, aproximações. 11ª. edição. Curitiba: Juruá Editora, 2024.
COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de lógica jurídica. 4ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2001.
KNEALE, William; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. (Trad. De M. S. Lourenço), 3ª. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1991.
MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. São Paulo: Editora UNESP: Imprensa Oficial do Estado, 2001.
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Tratado da argumentação – A nova retórica. (Trad. De Maria Ermantina Galvão G. Pereira), São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica – Nova retórica. (Trad. De Vergínia K. Pupi), 2ª. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2004.
PERELMAN, Chaïm. Retóricas. (Trad. De Maria Ermantina Galvão G. Pereira), São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Notas
1 Este excerto foi extraído e adaptado de: CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa Jurídica – Metodologia da aprendizagem – Aspectos, questões, aproximações. 11ª. edição. Curitiba: Juruá Editora, 2024, p. 172-3.
2 PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Tratado da argumentação – A nova retórica. (Trad. De Maria Ermantina Galvão G. Pereira), São Paulo: Martins Fontes, 1996. Veja-se ainda: PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica – Nova retórica. (Trad. De Vergínia K. Pupi), 2ª. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2004.
3 MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. São Paulo: Editora UNESP: Imprensa Oficial do Estado, 2001.
4 KNEALE, William; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. (Trad. De M. S. Lourenço), 3ª. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1991; e PERELMAN, Chaïm. Retóricas. (Trad. De Maria Ermantina Galvão G. Pereira), São Paulo: Martins Fontes, 1997.
5 COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de lógica jurídica. 4ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2001.