Transtornos mentais ocupacionais e a estabilidade acidentária: Aspectos jurídicos e administrativos

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24/02/2025 às 16:19
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3 FUNDAMENTO JURÍDICO DA ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA

A estabilidade acidentária constitui um dos pilares do direito trabalhista, assegurando proteção ao empregado que, em decorrência de condições laborais adversas, desenvolve enfermidades. O amparo legal encontra respaldo no artigo 118 da Lei nº 8.213/1991, que determina a garantia de emprego por doze meses após o término do auxílio-doença acidentário. Essa proteção reflete o compromisso com a dignidade do trabalhador e a função social do contrato de trabalho, elementos indispensáveis à consolidação de um ambiente laboral mais justo.

Sob o enfoque da segurança jurídica, verifica-se que o reconhecimento da estabilidade depende da comprovação do nexo causal entre a enfermidade e o ambiente laboral. Segundo os ensinamentos de Lima (2023), a análise desse vínculo exige não apenas a avaliação de fatores físicos, mas também de aspectos psicossociais que podem impactar a saúde mental do trabalhador. Dessa maneira, consolida-se a interpretação de que o direito à estabilidade acidentária demanda um exame criterioso dos elementos que caracterizam a relação entre doença e trabalho.

Um caso que ilustra os fundamentos da estabilidade acidentária envolve um trabalhador de uma empresa de moda íntima, que desenvolveu transtornos de ansiedade e escoriação em decorrência de um ambiente laboral hostil. A juíza Marcelle Coelho da Silva, da 5ª Vara do Trabalho de São Paulo, reconheceu o direito do empregado à estabilidade acidentária e condenou a empresa ao pagamento de indenização por período de estabilidade não usufruído (Batistella, 2025). A decisão ressalta a necessidade de intervenção judicial em situações que envolvem violações à dignidade do trabalhador.

A juíza Marcelle Coelho da Silva, da 5ª Vara do Trabalho de São Paulo, reconheceu o direito de um empregado em tratamento psiquiátrico devido a transtornos decorrentes do trabalho à estabilidade acidentária. A decisão resultou na condenação de uma empresa de moda íntima a indenizar o trabalhador pelo período correspondente à estabilidade, não usufruído após sua demissão. O funcionário, admitido em novembro de 2023, foi dispensado sem justa causa seis meses depois, enquanto já realizava tratamento psiquiátrico para transtornos de ansiedade e de escoriação. Ele alegou que essas condições de saúde foram causadas pelo ambiente de trabalho, onde era alvo de ofensas homofóbicas, intimidações de líderes e perseguições por parte de outro colega (Batistella, 2025).

Uma perícia judicial confirmou que os problemas de saúde mental tinham relação com o ambiente laboral, caracterizando-os como doença ocupacional. Com base nisso, a magistrada determinou a reparação pela estabilidade não gozada, mesmo que outros trabalhadores também tivessem sido demitidos no mesmo período. A empresa também foi condenada a pagar uma indenização de R$ 10 mil ao autor. A juíza considerou a dispensa abusiva, entendendo que ela violou a dignidade do trabalhador e os princípios constitucionais da valorização do trabalho e da função social da empresa (Batistella, 2025).

Por outro lado, a juíza não reconheceu o pedido de compensação por danos morais relacionados ao transtorno desenvolvido, alegando ausência de culpa direta da empresa. A empregadora havia tomado medidas como a demissão do funcionário que perseguia o autor, a suspensão de outro envolvido nos episódios e a realização de treinamentos contra assédio e em prol da diversidade (Batistella, 2025).

Em resposta, a empresa apresentou um pedido de reconvenção, buscando indenização por danos morais e materiais em razão de postagens nas redes sociais em que o ex-empregado a acusava de homofobia. Esse pedido foi rejeitado pela juíza, que levou em consideração o estado mental do trabalhador. Contudo, o autor foi multado em R$ 15 mil por descumprir uma liminar que o proibia de perseguir antigos gestores por e-mail. Além disso, devido às publicações realizadas pelo ex-empregado nas redes sociais, a empresa entrou com uma queixa-crime alegando crime contra a honra. No entanto, a Turma Recursal Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou a acusação por falta de provas (Batistella, 2025).

A decisão proferida pela juíza Marcelle Coelho da Silva, da 5ª Vara do Trabalho de São Paulo, aborda aspectos centrais da estabilidade acidentária e da proteção jurídica do trabalhador acometido por doenças relacionadas ao ambiente laboral. No caso em análise, o reconhecimento do nexo causal entre o transtorno mental do trabalhador e as condições de trabalho desempenhou papel fundamental na fundamentação do julgamento. A condenação da empresa ao pagamento de indenização pelo período de estabilidade não usufruída reafirma a importância da legislação trabalhista na proteção dos direitos fundamentais do empregado, especialmente diante de práticas que comprometem sua dignidade e saúde.

O reconhecimento da estabilidade acidentária baseou-se no laudo pericial que estabeleceu a relação entre o ambiente laboral e o transtorno mental desenvolvido pelo empregado. A decisão reforça o entendimento de que a dispensa de um trabalhador ciente de sua condição de saúde é abusiva, contrariando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da função social da empresa. No entanto, a magistrada negou a compensação por danos decorrentes do transtorno, considerando que a empregadora adotou medidas para mitigar o ambiente hostil, como a demissão e suspensão de envolvidos em assédio e a promoção de treinamentos para prevenir novas ocorrências.

Outro ponto relevante da decisão foi a ponderação realizada pela magistrada em relação à conduta do trabalhador. Embora a empresa tenha solicitado indenização por danos morais e materiais devido às postagens do autor em redes sociais, a juíza, ao considerar o estado de saúde mental do reclamante, negou o pedido. No entanto, a aplicação de multa ao trabalhador por descumprimento de ordem judicial demonstra o equilíbrio adotado no julgamento, que avaliou os direitos e responsabilidades de ambas as partes de forma criteriosa.

A decisão analisada reflete a complexidade das relações laborais contemporâneas, especialmente no tocante aos transtornos mentais ocupacionais. A sentença conciliou a proteção ao trabalhador com a análise da conduta empresarial, destacando a relevância de um ambiente de trabalho saudável. Ademais, a rejeição de queixa-crime contra o empregado por falta de provas ressalta a importância de decisões pautadas em evidências concretas, contribuindo para o fortalecimento da segurança jurídica nas relações de trabalho.

Ademais, destaca-se que a aplicação da estabilidade acidentária não se limita à proteção contra a dispensa arbitrária, mas também resguarda a integridade psicológica do trabalhador. Para Menezes (2024), a garantia de manutenção no emprego contribui para a recuperação da saúde mental, evitando agravos adicionais ao quadro clínico. Nesse contexto, convém ressaltar que a proteção jurídica deve ser acompanhada de políticas empresariais voltadas à prevenção de riscos ocupacionais.

À medida que se aprofunda a análise, constata-se que a jurisprudência desempenha papel crucial na efetivação da estabilidade acidentária. O posicionamento da juíza Marcelle Coelho da Silva no caso mencionado destaca a relevância de decisões fundamentadas que alinhem os princípios constitucionais à realidade prática. De acordo com Silva-Junior e Fischer (2015), a evolução jurisprudencial é essencial para uniformizar a interpretação dos critérios de concessão desse direito, fortalecendo a confiança no sistema jurídico.

Sob outra ótica, verifica-se que a estabilidade acidentária não está isenta de controvérsias, especialmente em casos que envolvem doenças mentais. Enquanto Silva e Almeida (2023) enfatizam a crescente aceitação dessas patologias como doenças ocupacionais, parte da doutrina alerta para a subjetividade dos critérios adotados. No entanto, a análise crítica permite inferir que o aprimoramento das normativas e das práticas periciais pode mitigar esses desafios, promovendo maior segurança jurídica.

A decisão analisada também suscita reflexões sobre a responsabilidade do empregador na prevenção e reparação dos danos causados ao trabalhador. Nos dizeres de Batistella (2025), a condenação à indenização por estabilidade não usufruída reflete o reconhecimento da vulnerabilidade do empregado diante de práticas laborais inadequadas. Contudo, é importante destacar que o cumprimento de normas de saúde e segurança no trabalho poderia ter evitado o litígio, fortalecendo as relações laborais.

Apesar de consolidada a jurisprudência sobre a estabilidade acidentária, persiste o debate acerca dos limites de sua aplicação em contextos de transtornos mentais. Por outro lado, é relevante considerar que a evolução legislativa tem ampliado o reconhecimento dessas patologias como acidentes de trabalho, promovendo maior inclusão no sistema de proteção jurídica. Dessa forma, decisões que reforçam a dignidade do trabalhador têm potencial de contribuir para um ambiente laboral mais saudável e equitativo.


CONCLUSÃO

A investigação abordou os transtornos mentais ocupacionais e sua relação com a estabilidade acidentária, analisando os fundamentos jurídicos e administrativos que envolvem o reconhecimento e a proteção dos trabalhadores. Partiu-se da premissa de que as condições laborais influenciam diretamente a saúde mental dos empregados, sendo essencial o amparo legislativo para assegurar a proteção contra a vulnerabilidade decorrente de doenças ocupacionais. Esse ponto de partida permitiu compreender o impacto das legislações e decisões judiciais na promoção de um ambiente laboral mais justo.

O primeiro objetivo específico consistiu na definição e classificação dos transtornos mentais ocupacionais. A análise revelou que fatores como sobrecarga, assédio moral e condições precárias são os principais catalisadores dessas enfermidades. Os dados obtidos, com base em estudos e legislações, confirmaram que o reconhecimento jurídico dos transtornos mentais como doenças ocupacionais representa um avanço significativo na proteção dos trabalhadores, consolidando a aplicação prática da Lei nº 8.213/1991.

No segundo objetivo, foi examinado o nexo causal e a caracterização dos transtornos mentais como acidentes de trabalho. Os resultados evidenciaram que o estabelecimento desse vínculo é essencial para garantir benefícios previdenciários como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. A pesquisa constatou, por meio de jurisprudências e análise de casos concretos, que a comprovação do nexo causal ainda apresenta desafios, exigindo perícia técnica criteriosa para assegurar a aplicação uniforme da legislação.

O terceiro objetivo direcionou-se à análise dos fundamentos jurídicos da estabilidade acidentária. Foi identificado que os critérios legais para concessão dessa garantia são claros, mas a sua aplicação prática nem sempre é uniforme, especialmente em casos envolvendo doenças mentais. A pesquisa demonstrou que decisões judiciais recentes têm reforçado a necessidade de proteção ao trabalhador, alinhando-se aos princípios constitucionais de dignidade e função social do trabalho.

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A metodologia dedutiva, com abordagem descritiva e exploratória, revelou-se adequada para alcançar os objetivos propostos. A revisão bibliográfica e a análise de casos concretos possibilitaram uma visão ampla e fundamentada do tema, contribuindo para a identificação de lacunas no reconhecimento de transtornos mentais como doenças ocupacionais. Os resultados obtidos demonstraram a importância de consolidar critérios mais objetivos para a aplicação dos direitos previstos na legislação.

Com base nos dados analisados, concluiu-se que o reconhecimento jurídico dos transtornos mentais ocupacionais e a aplicação da estabilidade acidentária representam avanços significativos. Contudo, ainda há necessidade de aprimoramento legislativo e de maior uniformidade nas decisões judiciais para garantir a efetividade desses direitos. Propõe-se, portanto, o fortalecimento de políticas públicas voltadas à prevenção de riscos ocupacionais e à promoção de um ambiente de trabalho saudável e inclusivo.

A pesquisa reforçou a importância de uma abordagem integrada entre empregadores, legisladores e o sistema judiciário para enfrentar os desafios relacionados à saúde mental no trabalho. Assim, espera-se que os resultados contribuam para um debate mais aprofundado sobre o tema e para a construção de estratégias que promovam a dignidade e os direitos fundamentais dos trabalhadores no Brasil.


ABSTRACT

The research analyses occupational mental disorders and their connection with job stability due to workplace accidents, considering the legal and administrative aspects of recognising and protecting affected workers. The study investigates the causal link between the work environment and mental disorders, focusing on the legal criteria for classifying these conditions as occupational diseases and their corresponding legal protection. Based on Brazilian legislation and judicial decisions, it identifies the social security rights granted to workers, such as sick leave and job stability, highlighting challenges and progress in recognising these rights. The methodology applied is deductive, descriptive, and exploratory, involving bibliographic review and case study analysis to provide a comprehensive and detailed approach to the subject. The findings indicate that, although legislation represents progress in protecting mental health at work, gaps remain in the uniform application of these rights, particularly regarding mental disorders. It concludes that strengthening public prevention policies, standardising forensic criteria, and advancing jurisprudence are essential to ensure a fairer and more inclusive work environment. This study contributes to the debate on workers' dignity and the need to improve business practices and legal measures in the context of work-related mental disorders.

Keywords: Accident stability. Labour law. Mental health. Occupational disorders. Work.


REFERÊNCIAS

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