Requisitos de validade constitucional da “proposição legislativa” de que trata o art. 113 do ADCT – que crie ou altere despesa ou renuncie receita

25/02/2025 às 17:49
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Contextualizando o tema.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 95/2016, foi inserido e reforçado no ordenamento jurídico, no seio do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o art. 113, que prescreveu em suas linhas a afirmação de que a “proposição legislativa ” que “crie ou altere despesa ” ou “renuncie receita ”, “deverá ser acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”. Referida menção no altiplano Constitucional, conferiu a esta temática a denominada natureza constitucional, a saber,

“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.” (grifados).

Essa natureza constitucional de que se reveste a proposição legislativa cujo objeto é o teor do art. 113, do ADCT, transformou todas essas proposições legislativas, de qualquer dos entes federados: União, Estados e Municípios, em um verdadeiro “requisito adicional para a validade formal dessas leis” Alexandre Moraes.2


Relação necessária entre o art. 113. do ADCT e o art. 14, parágrafos e incisos da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF.

Mais ainda, este art. 113. do ADCT se articula umbilicalmente com o art. 14, parágrafos e incisos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – LC 101/2000) no sentido de que essas “proposições legislativas”, repito, que “criem despesa ou concedam benefícios fiscais”, devem vir acompanhadas dos requisitos da LRF, art. 143, visto que tais condições expressam medida indispensável para o equilíbrio da atividade financeira do Estado, em sentido lato.


Direito Financeiro e ética orçamentária.

Sabendo que a iniciativa das leis orçamentárias é de competência do Chefe do Executivo, art. 165. da Constituição Federal (CF), resta evidente que a “proposição legislativa” de que trata o art. 113. do ADCT, deve sair instruída ou concertada do poder executivo, e encaminhada ao poder legislativo, portanto, já com as medidas de compensação de que dispõe o art. 14, II da LRF na receita pública, para fazer jus àquela despesa pública decorrente da renúncia de receita. E mais, também deve constar nela, “proposição legislativa” o “estudo do impacto financeiro e orçamentário do benefício fiscal” (art. 14, caput, LRF), e provar que há “previsão desse impacto na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Estado”.

Enfim, longe de ser uma proposição legislativa qualquer, a “proposição legislativa” de que trata o art. 113. do ADCT é corolário de um valor jurídico fulcral no direito financeiro, que é a ética orçamentária de que nos fala Ricardo Lobo Torres,4

“Torna-se preciso e urgente colocar um paradeiro na corrupção na feitura e na execução do orçamento. Necessário também que se repense a questão do orçamento à luz dos princípios éticos, a fim de que se acabe com o desperdício do dinheiro público e promova melhor distribuição de rendas e mais justa alocação de recursos.”

No dizer de José Marcos Domingues de Oliveira, encontramos que o conteúdo desta “proposição legislativa” do art. 113. do ADCT, objeto desta breve reflexão, também se coaduna com o princípio da transparência fiscal da atividade financeira do Estado, assim lecionado pelo eterno Professor da UERJ5,

A transparência da atividade financeira é hoje uma exigência ética, que se apresenta formalmente na redação das leis orçamentárias, na contabilidade pública e nas prestações de contas. O tema da moralidade fiscal imbrica ética e política, pois não raro o governante ou administrador público é tentado a se valer do feixe de poder que transitoriamente detém para proceder desonestamente. Intolerável desvio de comportamento, a imoralidade em geral, a financeira ou fiscal em particular, atrai a censura grave do Direito, não se tolerando a infidelidade governamental no dizer de José Celso de Mello, quer do Legislador omisso que do Administrador relapso, por exemplo, no descumprimento das políticas públicas que necessitam de provisão e gasto dos fundos necessários à sua execução. A atenção ao espírito constitucional em matéria financeira impõe ao governo o cumprimento do princípio da legitimidade que conforma a atividade financeira à vontade democrática.” (grifos do autor e nossos).


Precedentes do STF a respeito do tema “proposição legislativa” do art. 113. do ADCT.

A Corte Suprema – STF, tem atuado com vigor contra as tentativas contumazes de burlar o conteúdo do art. 113. do ADCT, no que concerne a “natureza constitucional da proposição legislativa” que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita, afastando diversas normas de estados brasileiros que teimam a se furtar reconhecer os novos ares que circundam o vínculo da atividade financeira do Estado com os princípios éticos que fundamentam o direito financeiro do século XXI, a saber, por exemplo, o julgado na ADI 5.816, rel. min. Alexandre de Moraes, 5-11-2019, pela inconstitucionalidade de lei do Estado de Sergipe, e, mais recentemente, 17/02/25, também de relatoria do min. Alexandre de Moraes, Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.728, contra lei de Roraima, ambas, ofensivas ao conteúdo do art. 113. do ADCT.

Enfim, mesmo que não se trate das três leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA – art. 165. da CF), ou seja, que diga respeito às leis especiais (art. 150, § 6º da CF) sobre renúncia de receita ou criação de despesa, enviada as casas legislativas durante o decorrer do exercício orçamentário, estas também não podem ser objeto de retificação por parte detentores do poder legislativo com o objetivo de serem emendadas, e assim, atenderem o disposto no art. 113, cominado com o art. 14, parágrafos e incisos da LRF.

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Conclusão.

Esperamos tenha ficado aqui iluminado o fato de que esta “proposição legislativa” de que aborda o art. 113. do ADCT, já deve (dever-ser normativo) nascer enformada ou concertada no âmbito do próprio poder executivo, observando com fidelidade o art. 14, parágrafos e incisos da LRF, pois é ele, o Executivo, detentor legítimo e democrático da iniciativa e justificativa de referidas leis especiais e leis orçamentárias. E, que a cada dia possamos dar um passo a frente na visão de que o orçamento público é uma lei, ou conjunto de leis, por onde nasce e viceja os direitos fundamentais de todos os brasileiros, sobretudo, o direito ao gasto público eficaz, eficiente, legítimo e justo., quando assim cumpriremos o art. 3º, I, de nossa Constituição Federal.


  1. ..

    2 “A Constituição e o Supremo” – Disponível em: Supremo Tribunal Federal – Acesso em 25/02/2025.

    3 Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: (Vide Medida Provisória nº 2.159, de 2001) (Vide Lei nº 10.276, de 2001) (Vide ADI 6357)

    I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

    II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

    § 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

    § 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

    § 3º O disposto neste artigo não se aplica:

    I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153. da Constituição, na forma do seu § 1º ;

    II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

    4Apud “Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal “Org. Ives Gandra da Silva Martins e Carlos Valder do Nascimento. São Paulo: Saraiva, 2001, pág. 105.

    5Apud, NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. “Direito Financeiro e Direito Tributário”. Rio de Janeiro: Multifoco, 2019,. pág. 67.

Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

Mestre em Direito Tributário, Advogado tributarista, Procurador do Município de Areal (RJ), Membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET). Autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; "Direito Financeiro e Direito Tributário", Multifoco: Rio de Janeiro, 2019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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