Resumo : a presente reflexão tem por finalidade analisar se o percentual de 6% (seis por cento) instituído nas tabelas dos Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis se coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro e se ele seria vinculante ou opcional.
Palavras-chave: Direito Imobiliário. Direito Civil. Corretor de Imóveis. Comissão. 6%.
A Lei Federal n. 6.530. de 1978, recepcionada pela Constituição Federal de 19881, é a norma que regulamenta a profissão do Corretor de Imóveis, além de disciplinar o funcionamento de seus órgãos de fiscalização. Contudo, não trata especificamente de valores da corretagem. Malgrado, seu artigo 17 estipula o seguinte:
Art 17. Compete aos Conselhos Regionais:
(…)
IV - homologar, obedecidas às peculiaridades locais, tabelas de preços de serviços de corretagem para uso dos inscritos, elaboradas e aprovadas pelos sindicatos respectivos;
De seu turno, o Código Civil, dos artigos 722 ao 729, estipula regras sobre o contrato de corretagem, inclusive sobre a remuneração do corretor. Eis as cláusulas que regram essa temática, verbis:
Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.
Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes. (g. n.)
Com efeito, a Lei Federal n. 10.406. de 2002 é muito mais específica no tocante ao ordenado do Corretor do que a própria lei que rege o ofício.
Destarte, o Código Civil claramente remete a fixação dos proventos do profissional a natureza do negócio e aos usos da urbe, salvo previsão legal, ou seja, não poderia ser fixada em resolução de Conselho Profissional, vez que este não representa a vontade popular, prerrogativa inata do Poder Legislativo, cujos membros são eleitos pelos cidadãos mediante voto direto.
Sem embargo, o Conselho Regional de Corretores de Imóveis em São Paulo, verbi gratia, possui uma tabela referencial de honorários, conforme autoriza a lei que rege o mister, cujos valores são os seguintes2:
1) Imóveis urbanos: 6% a 8%
2) Imóveis rurais: 8% a 10%
3) Imóveis industriais: 6% a 8%
4) Venda judicial: 5%
Dessa forma, a despeito dos valores dispostos em tabela, são somente alusivos, não podendo ser exigidos como se fossem obrigatórios para as partes.
Efetivamente, referido estado de coisas vigora desde 2018, quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica entendeu que a imposição de tabelas de honorários impediam a livre concorrência das empresas e profissionais da área imobiliária.
Eis o que estabelece a Constituição da República acerca do tema:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
Portanto, o CADE, em sua decisão, apenas atendeu ao comando constitucional, o qual inclusive é um dos princípios gerais da atividade econômica. Além disso, na mesma assentada, proibiu a obrigatoriedade de cláusulas de exclusividade em contratos de intermediação de compra e venda e locação de imóveis firmados com corretores autônomos e as imobiliárias, para evitar a formação de cartéis3.
Nesse particular, conforme elucidou o advogado Clayton Rodrigues4,
Para o CADE, nenhum produto ou serviço pode sofrer precificação obrigatória, que induza à ideia de uniformização de preços, nem mesmo quando estipulados pelos sindicatos, associações ou conselhos profissionais. Dessa forma, decidiu-se pelo acordo de conformidade (compliance), pondo fim ao processo no CADE. Com o acordo, embora não revogadas as tabelas, poderão pactuar o montante devido a título de honorários e o CRECI não mais poderá exigir que pratiquem os valores mínimos, bem como deverá extinguir os processos disciplinares com esse objeto. A ênfase do acordo é o compromisso em implantar o Programa de Conformidade Concorrencial e alterar algumas práticas com potencial anticoncorrencial. (g. n.)
De seu turno, o advogado Leandro Notari faz uma observação digna de destaque5:
Talvez o (a) senhor (a) que teve conhecimento do TCCP agora, pense o seguinte: ainda realizo a cobrança de meus honorários da mesma forma há anos, cobrando sempre os 5% (cinco por cento) sobre o valor da venda do imóvel etc., dizendo, ainda, ao cliente que está sendo seguida a Tabela de Honorários do CRECI. Porventura, apesar de essa informação não ter total veracidade, veremos que o referido TCCP não foi firmado para prejudicar o trabalho do corretor, mas para regular uma situação que estava, efetivamente, em desconformidade com a realidade e que causava prejuízos à ordem econômica. (g. n.)
Outrossim, é bom ressaltar que o Poder Judiciário já aplicou a taxa de 6% de comissão de corretagem fixada em tabela de Conselho Regional. Vejamos alguns julgados sobre o assunto:
APELAÇÃO CÍVEL. CORRETAGEM. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM . Restando comprovado nos autos que a parte autora aproximou as partes e exerceu papel substancial na concretização do negócio, intermediando o acerto entre as partes com resultado útil, faz jus ao recebimento da comissão. Preenchimento dos requisitos do artigo 725 do Código Civil. Comissão de corretagem devida no percentual de 6%, conforme Tabela Mínima de Comissões e Serviços de Corretagem. DERAM PROVIMENTO AO APELO . UNÂNIME. (TJ-RS - AC: 70082287806 RS, Relator.: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Data de Julgamento: 18/12/2019, Décima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 22/01/2020)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE . RECURSO DE APELAÇÃO DA REQUERIDA: COMISSÃO DE CORRETAGEM. PERCENTUAL DE 6%. PRAXE DO MERCADO. ARTIGO 724 DO CC . RÉ QUE NÃO DEMONSTROU A PACTUAÇÃO DE OUTRO PERCENTUAL. ART. 373, II DO CPC. SENTENÇA MANTIDA . RECURSO DESPROVIDO. O percentual de 6% (seis por cento), mínimo previsto na Tabela do Creci/RS, mostra-se adequado as peculiaridades do caso concreto, mormente considerando a falta de demonstração de ajuste de outro percentual entre as partes (Apelação Cível, Nº 70078920626, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator.: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em: 13-03- 2019). (TJPR - 17ª C.Cível - 0004246-50 .2016.8.16.0101 - Jandaia do Sul - Rel .: Desembargador Lauri Caetano da Silva - J. 12.12.2019) (TJ-PR - APL: 00042465020168160101 PR 0004246-50.2016.8.16.0101 (Acórdão), Relator: Desembargador Lauri Caetano da Silva, Data de Julgamento: 12/12/2019, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: 12/12/2019)
APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. CORRETAGEM . I. Agravo retido. Ilegitimidade passiva. Não verificada . II. O direito à percepção da comissão de corretagem decorre da aproximação pessoal e tratativas realizadas pelo profissional, e também pelo resultado útil do trabalho, com a conclusão da venda do imóvel. III. No caso concreto, a instrução probatória demonstra que a autora faz jus à percepção da comissão, uma vez que, quando lhe outorgada procuração, fora fixado o percentual de comissão de corretagem, no caso de compra e venda do imóvel, dentro do prazo de administração da locação . IV. Percentual da comissão fixada em 6% se mostra justa e em conformidade com a Tabela Mínima de Honorários e Serviços de Corretagem Imobiliária do CRECI/RS. V. Sentença e sucumbência mantidas .NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. UNÂNIME. (TJ-RS - AC: 70062437124 RS, Relator.: Ergio Roque Menine, Data de Julgamento: 05/11/2015, Décima Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: 11/11/2015)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA . INSURGÊNCIA DO REQUERENTE. PRETENDIDA COMISSÃO DE CORRETAGEM EM 6% SOBRE O VALOR DA NEGOCIAÇÃO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE CONTRATO ESCRITO. INACOLHIMENTO. AJUSTE VERBAL ENTRE A CORRETORA PARCEIRA E A CONSTRUTORA REQUERIDA ACERCA DO PERCENTUAL DA COMISSÃO DE CORRETAGEM QUE DEVE SER MANTIDO. ALEGADA AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM. INSUBSISTÊNCIA. CONTEXTO PROBATÓRIO EVIDENCIANDO QUE A COMISSÃO FOI RECEBIDA PELA CORRETORA PARCEIRA DO AUTOR E REPASSADA AO MESMO. RESPONSABILIDADE DO PAGAMENTO AFASTADA . INEXISTÊNCIA DE PROVA CONTUNDENTE ACERCA DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO (ART. 373, I DO CPC). RESPONSABILIDADE DA REQUERIDA NÃO DEMONSTRADA. SENTENÇA MANTIDA . RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0308114-15.2015 .8.24.0023, da Capital, rel. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j . 06-02-2020). (TJ-SC - Apelação Cível: 0308114-15.2015.8 .24.0023, Relator.: José Agenor de Aragão, Data de Julgamento: 06/02/2020, Quarta Câmara de Direito Civil)
Por conseguinte, a despeito de sua eletividade, os valores previstos nas tabelas dos CRECI’s eventualmente são mencionados em decisões judiciais, como um parâmetro para a solução das lides.
Nesse particular, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro determina que quando a lei for omissa, o magistrado decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (art. 4º), possibilitando ao Poder Judicial o socorro às normas regulamentares da profissão do Corretor de Edificações.
No entanto, por incrível que pareça, ainda existem profissionais que, ao serem indagados acerca do valor da comissão, respondem secamente que seria aquela estipulada pelo CRECI do Estado.
Nesses casos, pode o interessado procurar outra Imobiliária ou Corretor de Imóveis que aceite negociar um valor que se entenda mais justo ou factível, tudo com base nos princípios constitucionais da livre concorrência e da defesa do consumidor.
Referências bibliográficas
Tormena, Celso Bruno Abdalla. Dupla comissão de corretagem: ilegalidade. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106780/dupla-comissao-de-corretagem-ilegalidade
1 Além disso, o Supremo Tribunal Federal já apreciou a constitucionalidade dessa lei na ADI n. 4.174-DF, conforme a ementa que segue: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL 10.795/2003, QUE ALTEROU A LEI FEDERAL 6.530/1978 PARA ESTABELECER A ELEIÇÃO DA TOTALIDADE DOS MEMBROS DOS CONSELHOS REGIONAIS DE CORRETORES DE IMÓVEIS E FIXAR VALORES MÁXIMOS PARA AS ANUIDADES DEVIDAS A ESSAS ENTIDADES, COM CORREÇÃO ANUAL. AGENTES HONORÍFICOS. INEXISTÊNCIA DE USURPAÇÃO DA INICIATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PARA A EDIÇÃO DE NORMAS RELATIVAS A CRIAÇÃO DE CARGOS, SERVIDORES PÚBLICOS, ORGANIZAÇÃO OU FUNCIONAMENTO DOS CONSELHOS REGIONAIS. AUSÊNCIA DE ÔNUS PARA O PODER EXECUTIVO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AMPLIAÇÃO DO PODER DE ESCOLHA DA CATEGORIA. PRESTÍGIO AO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. A DEFESA DOS DIREITOS E INTERESSES DA CATEGORIA NÃO SE CONFUNDE COM A DISCIPLINA E FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. FIXAÇÃO PELO CONSELHO FEDERAL DOS CORRETORES DE IMÓVEIS DAS ANUIDADES DEVIDAS AOS CONSELHOS REGIONAIS. COMPETÊNCIA PREVISTA EM NORMA PRÉ-CONSTITUCIONAL. ESTABELECIMENTO DE LIMITES MÁXIMOS PARA A FIXAÇÃO DOS VALORES DAS ANUIDADES. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO IMPROCEDENTE O PEDIDO.
2 Disponível em: https://www.crecisp.gov.br/corretor/tabelareferencialdehonorarios
3 Disponível em: https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/cade-condena-entidades-representativas-de-corretagem-de-imoveis-por-conduta-comercial-uniforme
4 Como ficam os honorários dos corretores de imóveis após o acordo com o CADE? Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/como-ficam-os-honorarios-dos-corretores-de-imoveis-apos-o-acordo-com-o-cade/578140182
5 Corretagem no meio imobiliário. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/corretagem-no-meio-imobiliario/915991040