Segurança pública no Brasil: Entre o caos social e a esperança constitucional de uma nova ordem

07/03/2025 às 20:30

Resumo:


  • O crime organizado é uma ameaça à segurança pública no Brasil, atuando em áreas como narcotráfico, tráfico de armas e corrupção.

  • A violência gera impactos econômicos significativos, consumindo cerca de 5,4% do PIB brasileiro anualmente e comprometendo o desenvolvimento social e econômico.

  • Para combater a criminalidade, é crucial adotar políticas públicas integradas, investir em prevenção da violência e promover a reinserção social de jovens em situação de vulnerabilidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Introdução

A segurança pública é uma das questões mais importantes e desafiadoras enfrentadas pela sociedade brasileira atualmente, exigindo ações que vão além das soluções tradicionais empregadas pelo Estado. Conforme destaca a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 144, "a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio". Apesar dessa definição constitucional reconhecer claramente uma responsabilidade compartilhada entre o Estado e a sociedade, transformar essas palavras em realidade concreta tem se mostrado uma tarefa complexa, especialmente devido ao aumento significativo do crime organizado no país.

Nesse cenário preocupante, o crime organizado surge como uma ameaça que vai além dos limites da violência cotidiana. Com estruturas sofisticadas e uma habilidade alarmante para penetrar diversas instituições, essas organizações criminosas comprometem diretamente a segurança das pessoas e corroem a confiança nas instituições responsáveis pela proteção social. É fundamental, portanto, que as estratégias adotadas para lidar com esse problema sejam baseadas em uma compreensão profunda das formas de atuação e organização desses grupos criminosos, permitindo a criação de políticas eficazes, integradas e realistas.

Diante dessa realidade, este artigo tem como objetivo analisar criticamente como o crime organizado afeta a segurança pública no Brasil, identificando os limites das políticas atuais e propondo caminhos alternativos e viáveis para enfrentar eficazmente esse desafio complexo.


Diagnóstico da Criminalidade

O Brasil enfrenta índices alarmantes de violência e criminalidade. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), foram registrados aproximadamente 46 mil homicídios em 2022. Isso resulta em uma taxa de 22,3 mortes para cada 100 mil habitantes. Este índice revela a gravidade do cenário e a necessidade urgente de intervenções sistêmicas. O crime organizado destaca-se como uma das principais ameaças à segurança pública, com atuação expressiva em narcotráfico, tráfico de armas, crimes ambientais e corrupção.

A expansão territorial das facções criminosas, como Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), ultrapassa as fronteiras regionais e nacionais, estabelecendo uma rede transnacional de atividades ilícitas. Autores como Luiz Eduardo Soares (2000) enfatizam que a fragmentação das forças policiais, aliada à corrupção institucional, potencializa a impunidade e fortalece o crime organizado.


Da Política Pública de Segurança

As políticas públicas de segurança no Brasil são frequentemente criticadas pela falta de continuidade, baixa eficácia e ausência de integração entre os diversos órgãos policiais e judiciais. Segundo Zaffaroni (2007, p. 123), a seletividade penal e a ineficiência das instituições judiciárias perpetuam um ciclo vicioso de violência institucionalizada. Além disso, a polícia militarizada é frequentemente alvo de críticas devido ao alto índice de letalidade policial, especialmente nas periferias urbanas.

Conforme relatório da Human Rights Watch (2023), a polícia brasileira mata, em média, seis vezes mais que a polícia norte-americana, o que indica uma abordagem repressiva em detrimento de uma estratégia preventiva. Tal abordagem alimenta ciclos de violência e vingança, corroendo a confiança social nas instituições de segurança pública.

A violência também gera profundos impactos econômicos e sociais. Conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2022), a violência consome cerca de 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro anualmente, com custos diretos e indiretos relacionados à segurança pública, saúde e perda de produtividade. Além disso, o medo gerado pela violência compromete o desenvolvimento das comunidades e reduz as oportunidades econômicas e sociais, especialmente nas regiões periféricas.


Criminalidade e Juventude

A juventude brasileira enfrenta um cenário preocupante em relação à violência. Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP, 2022) apontam que aproximadamente 30 mil jovens entre 15 e 24 anos foram vítimas de homicídio apenas no último ano. Este dado reforça a gravidade do problema, evidenciando uma crise estrutural e social que permeia a realidade juvenil, especialmente nas regiões metropolitanas.

Conforme pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2021), a ausência de oportunidades educacionais e profissionais é um dos principais fatores que impulsionam jovens para o mundo do crime organizado. As organizações criminosas aproveitam-se da vulnerabilidade social e econômica desses jovens, através do oferecimento de falsas promessas de ascensão social e econômica através da criminalidade, como destacou Luiz Eduardo Soares em seu livro "Desmilitarizar" (2019).

Para reverter esse quadro alarmante, é crucial implementar políticas públicas integradas, voltadas para a prevenção da violência e reinserção social dos jovens em situação de vulnerabilidade. Programas educacionais eficazes, investimentos em capacitação técnica e profissionalizante, bem como ações de inclusão social, são fundamentais para combater o recrutamento juvenil pelo crime organizado, conforme defende o relatório do UNICEF (2022).

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Criminalidade Ambiental

O Brasil enfrenta uma grave crise de criminalidade ambiental, particularmente na região amazônica. De acordo com o relatório "Amazônia Sob Pressão" (Greenpeace, 2022), o desmatamento ilegal cresceu 22% no último ano, acompanhado por crimes associados como garimpo ilegal, tráfico de madeira e ameaças aos povos indígenas e defensores ambientais. Tais atividades são frequentemente coordenadas e financiadas por organizações criminosas estruturadas.

A Global Witness (2022) relatou que o Brasil lidera o ranking mundial de assassinatos de defensores ambientais, com 342 mortes registradas desde 2012. Esse cenário indica uma crise aguda de governança, com o Estado frequentemente ausente ou incapaz de impor a lei em áreas dominadas pelo crime organizado ambiental. A impunidade e a corrupção são fatores agravantes que fortalecem essa realidade perversa.

Para combater efetivamente a criminalidade ambiental, é essencial que o Estado fortaleça sua presença institucional e operacional em áreas críticas, através do reforço das agências de fiscalização ambiental e da cooperação internacional. Ademais, é fundamental investir em tecnologias de monitoramento ambiental, visando fortalecer também a proteção dos defensores ambientais, como recomenda o relatório da Human Rights Watch sobre defensores ambientais no Brasil (2022).


Conclusão

A persistente atuação do crime organizado evidencia não apenas falhas conjunturais, mas revela profundas fragilidades estruturais no sistema político e social brasileiro. É imprescindível reconhecer que esses grupos não apenas desestabilizam o Estado Democrático de Direito, como também aprofundam desigualdades sociais, comprometendo o desenvolvimento sustentável e a proteção integral dos direitos humanos. O combate eficaz ao crime organizado demanda a superação de políticas exclusivamente repressivas, exigindo abordagens sistêmicas e integradas, voltadas para o fortalecimento institucional, a inclusão social e a transparência governamental.

Diante deste cenário, cabe à sociedade brasileira indagar-se criticamente sobre até que ponto tolerará as consequências dramáticas resultantes da negligência histórica frente ao avanço da criminalidade organizada. Afinal, a segurança pública não é apenas uma questão técnica, mas, sobretudo, um desafio ético-político cuja solução requer coragem para enfrentar as raízes profundas da violência e da corrupção. Portanto, é necessário que pesquisadores, gestores públicos e sociedade civil assumam coletivamente a responsabilidade histórica de romper o ciclo vicioso da impunidade e do abandono social, a fim de resgatar a dignidade humana e construir uma sociedade mais justa, segura e verdadeiramente democrática.


Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023. São Paulo: FBSP, 2023.

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GREENPEACE. Amazônia Sob Pressão. São Paulo: Greenpeace Brasil, 2022. Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil. Acesso em: 11 out. 2024.

HUMAN RIGHTS WATCH. Relatório Mundial 2023: Eventos de 2022. Nova York: Human Rights Watch, 2023. Disponível em: https://www.hrw.org/pt/world-report/2023. Acesso em: 11 out. 2024.

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INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Custos Econômicos da Violência no Brasil. Brasília: IPEA, 2022. Disponível em: https://www.ipea.gov.br. Acesso em: 12 out. 2024.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA (MJSP). Relatório Anual de Segurança Pública 2022. Brasília: MJSP, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/mj. Acesso em: 12 out. 2024.

OLIVEIRA, Rafael Gonçalves. Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro: Estratégias de Combate. São Paulo: Editora Atlas, 2021.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Violência contra jovens no Brasil: panorama atual. Brasília: ONU Brasil, 2021. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br. Acesso em: 10 out. 2024.

SOARES, Luiz Eduardo. Meu Casaco de General: 500 Dias no Front da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SOARES, Luiz Eduardo. Desmilitarizar: Segurança Pública e Direitos Humanos. São Paulo: Boitempo, 2019.

UNITED NATIONS CHILDREN'S FUND (UNICEF). Violência contra Crianças e Adolescentes no Brasil: Relatório 2022. Brasília: UNICEF Brasil, 2022. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios. Acesso em: 12 out. 2024.

WAISSELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: Os Novos Padrões da Violência Homicida no Brasil. São Paulo: Instituto Sangari, 2011.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: A Perda da Legitimidade do Sistema Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

Sobre o autor
Éder Antônio

Graduando em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC), monitor na Delegacia da Mulher da Polícia Civil de Minas Gerais, em Teófilo Otoni (MG). Foi estagiário no escritório RGDS Advogados Associados, com atuação nas áreas de direito cível, processual e direito do consumidor, além de escritor de artigos científicos com ênfase em direito administrativo, direito constitucional, direito público e temas jurídico-internacionais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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