Adquirir a casa própria é a realização de um sonho, porém em alguns casos pode se tornar um pesadelo. Por diversos motivos os compradores podem pensar em resolver a questão com a desistência do negócio, porém muita gente ainda não sabe como funciona esse direito que lhes assiste. A grande verdade é que no momento da compra tudo é muito interessante e formidável, afinal de contas, se trata da compra de um imóvel que poderá servir como LAR da família e quando não, um investimento. No momento em que se cogita a desistência do negócio nem sempre o atendimento fornecido pela Empresa é tão acolhedor e confortável para o consumidor. Em muitos casos informações equivocadas são passadas e o consumidor acaba ludibriado e prejudicado em seu direito legítimo.
Inicialmente é preciso sublinhar que a rescisão de contrato de compra de imóvel na planta é um DIREITO DO CONSUMIDOR, amparado por legislações específicas e pela jurisprudência consolidada nos Tribunais. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), é direito do comprador e ele pode desistir do negócio, sendo VEDADA a perda total das quantias pagas, conforme disposto no artigo 53 do CDC. A Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também confirma que, em caso de CULPA EXCLUSIVA do vendedor, a devolução deve ser INTEGRAL e corrigida, enquanto, em caso de desistência por parte do comprador, a restituição será parcial, com retenção de um percentual razoável. Reza a referida Súmula, julgada em 26/08/2015:
"Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento".
É importante pontuar que a devolução dos valores pagos está sujeita a deduções, que podem incluir a comissão de corretagem e uma pena convencional, que deve ser limitada a 25% do montante pago, conforme o artigo 67-A da Lei nº 4.591/1964, incluído pela Lei nº 13.786/2018. Essa retenção visa compensar os custos administrativos e eventuais prejuízos da incorporadora, mas não pode ser abusiva. O consumidor precisa saber que percentuais superiores a 25% podem ser questionados judicialmente, com base no princípio da razoabilidade e na proteção ao consumidor contra CLÁUSULAS ABUSIVAS.
Nas hipóteses em que a desistência ocorre por culpa do comprador, como dificuldades financeiras ou mudança de planos, a jurisprudência tem considerado justa a retenção de 10% a 25% dos valores pagos. O pagamento deve ser imediato, como confirma a Súmula 243 citada (salvo disposição contratual válida que preveja o parcelamento, como permitido pelo art. 32-A da Lei nº 6.766/79, introduzido pela Lei nº 13.786/2018). Contudo, se a rescisão for motivada por inadimplemento ou atraso na entrega do imóvel pela construtora, o comprador tem direito à DEVOLUÇÃO INTEGRAL e IMEDIATA das quantias pagas, corrigidas monetariamente, além de poder pleitear indenizações por DANOS MORAIS e materiais, dependendo das circunstâncias do caso.
A possibilidade de indenização por danos morais surge quando o atraso na entrega do imóvel ou outras falhas contratuais causam abalo emocional significativo ao comprador - o que não é difícil de ocorrer dados os contornos da questão, afinal de contas, se trata da aquisição de um imóvel que muitas vezes é destinado a ser o LAR DA FAMÍLIA do adquirente e isso muda tudo. Inúmeras decisões judiciais têm reconhecido danos morais em situações de atraso excessivo na entrega do imóvel, considerando a FRUSTRAÇÃO DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA do consumidor e o impacto financeiro decorrente da necessidade de alugar outro imóvel. Além disso, danos materiais, como despesas com aluguel ou taxas de evolução de obra, também podem ser ressarcidos, desde que devidamente comprovados. Tudo deve ser considerado nesse tipo de causa que apresenta contornos muito específicos.
Outro ponto que merece relevo é o direito à informação clara e adequada sobre as condições contratuais. Trata-se de direito estampado no art. 54 do CDC: é direito do comprador ser informado previamente sobre cláusulas de retenção, prazos de entrega e eventuais penalidades. Caso essas informações não sejam fornecidas de forma transparente, o contrato pode ser revisado judicialmente, e cláusulas abusivas podem ser anuladas.
É igualmente importante frisar que o prazo para devolução dos valores pagos pode variar: se a incorporação estiver submetida ao regime de patrimônio de afetação, o prazo máximo para restituição é de 30 dias após a expedição do habite-se. Não sendo esse o caso, o prazo pode ser de até 180 dias, salvo se houver revenda da unidade antes desse período. Em todo caso é muito recomendável que para garantir que seus direitos sejam respeitados e que o processo de rescisão seja conduzido de forma justa e transparente o comprador/consumidor busque assessoria jurídica especializada.
Portanto, ao desistir da compra de um imóvel na planta, o consumidor tem direito à devolução dos valores pagos, com retenções proporcionais e justificadas. Além disso, pode pleitear indenizações em casos de descumprimento contratual por parte da construtora, como atrasos na entrega ou falhas na prestação de informações. A análise de cada caso deve considerar as cláusulas contratuais, a legislação vigente e a jurisprudência aplicável ao caso, sempre com o objetivo de proteger os direitos do consumidor, como aponta a jurisprudência do TJRJ:
"TJRJ. APELAÇÃO: 00048488920198190024 202400121802. J. em: 08/08/2024. APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS, RECONHECENDO DIREITO DE RESTITUIÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS E DANOS MORAIS DE R$ 7 .000,00. INSURGÊNCIA DO RÉU. RESCISÃO EM RAZÃO DA REPROVAÇÃO DO FINANCIAMENTO. HIPÓTESE DE DESISTÊNCIA POR PARTE DA AUTORA QUE NÃO SE CONFIGURA . CORRETOR, PREPOSTO DA RÉ QUE TOMOU PARA SI A TRAMITAÇÃO DO FINANCIAMENTO A SER OBTIDO PELA AUTORA JUNTO AO AGENTE FINANCEIRO E INFORMOU A ESTA QUE O FINANCIAMENTO JÁ ESTARIA APROVADO E QUE PODERIA, ENTÃO ASSINAR O INSTRUMENTO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA, O QUE FOI POR ELA FEITO. POSTERIOR CONHECIMENTO DA NÃO APROVAÇÃO DO CRÉDITO EM FUNÇÃO DE INCAPACIDADE FINANCEIRA. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA DO CORRETOR QUE LEVOU A AUTORA A FIRMAR O CONTRATO COM A RÉ, NA CRENÇA DE QUE PODERIA QUITA-LO COM FINANCIAMENTO. TEORIA DA APARÊNCIA . RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CONSTRUTORA POR CONDUTA INDEVIDA DE SEU PREPOSTO QUE VICIOU A VINTADE NEGOCIAL DA AUTORA DIREITO DESTA À RESCISÃO DO CONTRATO COM RESTITUIÇÃO INTEGRAL DOS VALORES. DANO MORAL. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE SE REPUTA PROPORCIONAL À FRUSTRAÇÃO EXPERIMENTADA PELA AUTORA, NA REALIZAÇÃO DO SONHO DA CASA PRÓPRIA, EM RAZÃO DA MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PELA RÉ. DESPROVIMENTO DO RECURSO".