RESUMO
Os direitos humanos possuem uma dimensão histórica, o que significa que sua interpretação e aplicação podem variar conforme o contexto histórico. Essa variação é especialmente relevante quando se considera o impacto das novas tecnologias informáticas, que influenciam diretamente a compreensão e a ampliação dos direitos humanos e fundamentais. O objetivo deste trabalho é analisar como as novas tecnologias afetam a proteção dos direitos humanos, especialmente em relação à privacidade, segurança e liberdade de expressão. Examinaremos a evolução histórica do direito à liberdade de expressão, reconhecido nos ordenamentos jurídicos democráticos como um direito amplo, que envolve a liberdade de disseminar, expressar opiniões e ideias de todos os tipos, bem como a liberdade de buscar e receber informações de forma segura. Discutiremos também o papel crucial dos meios de comunicação na promoção da cidadania e na luta por uma sociedade mais inclusiva, dando voz aos grupos marginalizados. A pesquisa se fundamenta em uma revisão bibliográfica que destaca a complexidade do tema e a importância de um diálogo intercultural, especialmente diante das violações crescentes, como bloqueios, filtragens de conteúdo e a falta de proteção de dados pessoais e da privacidade pelos Estados. Dessa forma, torna-se essencial garantir meios de comunicação livres e seguros como uma ferramenta fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Palavras-chave: Proteção dos direitos humanos; novas tecnologias; privacidade; liberdade de expressão; segurança digital.
INTRODUÇÃO
O avanço contínuo das novas tecnologias exige uma análise cuidadosa dos impactos que essas inovações podem gerar na sociedade, particularmente no campo dos direitos humanos. Em relação aos direitos fundamentais, especialmente o direito à liberdade de expressão e à intimidade, as novas tecnologias podem trazer desafios que limitam ou até comprometem o pleno exercício desses direitos. Isso implica a necessidade de adaptação das normas existentes ou até a criação de novos direitos, com o objetivo de assegurar a proteção e o exercício pleno dos direitos humanos em um cenário digital.
As liberdades de expressar pensamentos e de se comunicar, que são consagradas em constituições de Estados democráticos, frequentemente com garantias contra a censura e proibição do anonimato, desempenham papel central na formação da consciência individual e coletiva. Estas liberdades são essenciais para a construção da democracia, pois garantem a pluralidade de ideias e o direito dos cidadãos à informação e à participação no debate público.
Este trabalho propõe uma reflexão sobre os desafios e impactos das novas tecnologias na proteção dos direitos humanos, com foco na liberdade de expressão e informação. Examina-se como o desenvolvimento tecnológico pode afetar a segurança humana, principalmente no que diz respeito à proteção de dados pessoais e ao direito à privacidade. A abordagem visa entender como as novas tecnologias exigem um novo olhar sobre a segurança e a proteção dos direitos fundamentais em um mundo cada vez mais digitalizado.
ASPECTOS RELATIVOS AO DIREITO FUNDAMENTAL A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
O ser humano é intrinsecamente social, e a comunicação com seus semelhantes faz parte de sua natureza. Por esse motivo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura a proteção do direito à liberdade de expressão e comunicação:
Artigo 19: Todo indivíduo tem o direito à liberdade de opinião e de expressão, o que inclui a liberdade de manter suas próprias opiniões sem interferência, bem como de buscar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de comunicação, sem considerar as fronteiras.2
Artigo 13, item três. Alertando que:
Não se pode limitar o direito à liberdade de expressão por meio de ações indiretas, como o abuso de controles oficiais ou privados sobre os meios de comunicação, frequências radioelétricas ou equipamentos utilizados na transmissão de informações, nem por qualquer outro método destinado a impedir a disseminação e o compartilhamento de ideias e opiniões.3
Assim, com base na legislação internacional sobre direitos humanos, a liberdade de expressão e comunicação é reconhecida como um direito fundamental nos países considerados democráticos. Esse direito abrange a liberdade de, sem qualquer interferência, ter opiniões, bem como de buscar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, sem restrições de fronteiras. (ALVES, 1997; BOBBIO, 2004)
A liberdade de expressão é um dos direitos civis e políticos fundamentais, estando presente em todos os instrumentos que visam a proteção dos direitos humanos e constituindo a base de todos os sistemas democráticos. Esse direito assegura a todos, não apenas aos cidadãos de um determinado Estado, a liberdade de expressar suas opiniões, inclusive para criticar o governo. O Estado, assim, busca demonstrar que reconhece e garante a liberdade moral e a autodeterminação individual, ou seja, que não pode impor restrições ao desenvolvimento do indivíduo. Pelo contrário, deve assegurar um espaço de autonomia e liberdade que possibilite o pleno desenvolvimento da personalidade de cada pessoa. (ARENDT, 1995; BRAVO, 2001)
Conforme lição de José Afonso da Silva:
"O conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade. (...). Vamos um pouco além, e propomos o conceito seguinte:
liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal. Nessa noção, encontramos todos os elementos objetivos e subjetivos necessários à ideia de liberdade; é poder de atuação sem deixar de ser resistência à opressão; não se dirige contra, mas em busca, em perseguição de alguma coisa, que é a felicidade pessoal, que é subjetiva e circunstancial, pondo a liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a consciência de cada um, com o interesse do agente. Tudo que impedir aquela possibilidade de coordenação dos meios é contrário à liberdade." (SILVA, 1997).
O avanço tecnológico trouxe novos desafios em relação à expressão individual de opiniões e à liberdade de acesso aos meios de informação. Muitos Estados, temendo que certos conteúdos ou ideias possam ser críticos das políticas nacionais ou contrários a valores religiosos e morais, tentam restringir o acesso a novas formas de comunicação. Contudo, surge uma grande questão: como equilibrar a liberdade de expressão com as restrições legítimas, diante das limitações impostas pelos Estados e da utilização desses direitos e tecnologias para propagar discursos de ódio, discriminação e violência entre os povos?
É evidente que os direitos fundamentais têm a função de proteger os cidadãos e estão diretamente ligados aos direitos econômicos, sociais e culturais. Dessa forma, fica claro que o exercício da liberdade de comunicação tem uma função social vital, promovendo o desenvolvimento efetivo da cidadania e constituindo um direito inalienável e essencial.
PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS E A PRIVACIDADE COMO REQUISITOS DE SEGURANÇA HUMANA
Os avanços tecnológicos têm, sem dúvida, proporcionado uma comunicação mais rápida entre os seres humanos, dinamizando os meios através dos quais se relacionam. No entanto, esse progresso também tem gerado abusos, pois, à medida que cresce o número de usuários na internet, em razão da democratização das novas tecnologias, aumenta-se também a probabilidade de invasões à privacidade das pessoas. Isso tem sido um desafio crescente, conforme apontado pelo relatório anual da ONU sobre Liberdade de Opinião e Expressão de 2011. O relator especial, Frank La Rue, focou nos desafios criados pela internet, destacando as violações, como o bloqueio e a filtragem de informações pelos Estados, a criminalização de expressões legítimas, o desconexão de usuários e a falta de proteção adequada dos dados e da privacidade (United Nations Special Rapporteur on the Promotion and Protection of the Right to Freedom of Opinion and Expression, 2011).
Vivemos em uma sociedade em rede, o que traz inúmeros benefícios, mas também levanta questões sobre a proteção e confidencialidade dos dados pessoais. Como afirma Vittorio Frosini, “o progresso tecnológico não deve ser considerado como um bem absoluto ao qual todos os outros valores são subordinados e sacrificados” (Frosini, 1996). Diante disso, é necessário adotar medidas de segurança eficazes para proteger os dados pessoais contra a difusão não autorizada, o uso indevido, a perda ou alteração por meios ilícitos. Essa proteção é essencial, por exemplo, para garantir que a “identidade” dos usuários da internet não seja roubada e que suas informações não sejam usadas para fins criminosos ou deliberadamente alteradas.
A melhoria na segurança e privacidade dos dados pessoais só é possível com a implementação de técnicas de solução mais robustas e sofisticadas. A não adoção de medidas de segurança atualizadas pode prejudicar a imagem e o valor das empresas, além de gerar penalidades conforme a legislação vigente. Quando se considera o impacto de tais falhas, percebe-se que o investimento no reforço e otimização dos controles de segurança e privacidade representa um custo relativamente baixo, frente aos benefícios a longo prazo. (ALVES, 1997; BOYLE, 2000)
Com o surgimento das redes de telecomunicação, especialmente a internet, surge a necessidade de remodelar as normas que regulam o direito à proteção dos dados pessoais. Cada vez mais, as pessoas perdem o controle sobre suas informações e têm seus dados revelados sem limitações, sob o pretexto de garantir a liberdade de expressão e informação. É urgente refletir sobre a segurança humana diante das novas tecnologias, pois as medidas atuais ainda são insuficientes para evitar a expansão de crimes cibernéticos e, consequentemente, as violações de direitos fundamentais. (ARENDT, 1995; BOBBIO, 2004; BRAVO, 2001)
A defesa dos direitos fundamentais também envolve a proteção da privacidade, um direito constitucional, que assegura a todos o direito à intimidade, à vida privada e à imagem. No entanto, é importante destacar que a liberdade e a justiça só podem ser verdadeiramente usufruídas em um ambiente seguro. Assim, as novas tecnologias de informação, que prometiam vantagens como liberdade e independência, correm o risco de levar a sociedade a um cenário oposto, no qual as pessoas preferem o silêncio, em detrimento da exposição de suas informações pessoais. (BOYLE, 2011; BOBBIO, 2004)
CONCLUSÃO
As transformações sociais impulsionadas pelas novas tecnologias trazem um paradoxo: de um lado, as facilidades e avanços, e, de outro, seus efeitos adversos, como o aumento das desigualdades. Para que uma sociedade seja considerada democrática, é fundamental que os meios de informação sejam livres e, ao mesmo tempo, pluralistas. No entanto, é essencial que os responsáveis por esses meios exerçam suas liberdades com responsabilidade, evitando a violação dos direitos humanos alheios. Em um ambiente digital, não podemos falar de liberdade sem associá-la à responsabilidade, pois uma liberdade sem limites pode levar a infrações de outros direitos fundamentais, como o direito à privacidade.
A liberdade de expressão é um pilar crucial para a manifestação do pensamento e a comunicação livre, especialmente na internet, onde se desenvolvem as sociedades democráticas. No entanto, à medida que os avanços tecnológicos progridem, a proteção dos dados pessoais se torna uma questão central. O controle sobre as informações pessoais tem sido cada vez mais comprometido, e os dados das pessoas são revelados sem qualquer restrição. Nesse contexto, é urgente reformular as normas que regulam o direito à proteção dos dados, garantindo que a liberdade de expressão e o direito à privacidade sejam equilibrados de forma a proteger os cidadãos.
Vivemos em uma sociedade em rede, onde o direito de estar e se manifestar na internet deve ser assegurado. Contudo, também é necessário investir em políticas públicas de educação digital, que permitam às pessoas compreender como usar as tecnologias de forma segura e responsável. Somente assim, a proteção do livre discurso e o acesso à internet como direitos fundamentais poderão garantir a preservação da dignidade humana nesse novo ambiente digital.
A proteção da privacidade, especialmente no que diz respeito aos dados pessoais, é um direito essencial. Hoje, a questão da privacidade está intimamente ligada ao controle da informação, e a defesa desse direito implica garantir o acesso e o controle sobre as próprias informações. A crescente transparência e o livre acesso aos dados online tornam a proteção de dados pessoais um desafio significativo, exigindo uma intervenção ativa do Estado para regulamentar e proteger essas informações.
A concretização do direito ao acesso às novas tecnologias e à liberdade de expressão na internet depende diretamente do papel do Estado em promover e proteger esses direitos. Em meio aos rápidos avanços tecnológicos e científicos, surgem questões complexas que precisam ser abordadas de forma ética e responsável, com um olhar atento à proteção dos direitos humanos, garantindo que a inovação tecnológica seja sempre uma ferramenta a favor da dignidade e dos direitos dos indivíduos.
REFERÊNCIAS
ALVES, Jose Augusto Lindgren. A Arquitetura Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo: FTD, 1997. Coleção Juristas da Atualidade/coordenação Helio Bicudo.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
. Igualdad y libertad. Barcelona: Paidós, 2004.
. O Futuro da Democracia: Uma Defesa das Regras do Jogo. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
BRAVO, Álvaro Sánchez. Internet y la Sociedad Europea de la Información: Implicaciones para los Ciudadanos. Universidad de Sevilla, 2001.
. A nova sociedade tecnológica: da inclusão ao controle social: a Europ@ é exemplo? Tradução Clovis Gorczevski. 1. ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2010.
BOYLE, Kevin. Restrictions on the Freedom of Expression. In: Asia-Europe Foundation (ASEF). The Third Informal ASEM Seminar on Human Rights. Singapore, 2000. pp. 27-37.
. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol. 1. A Sociedade em Rede. Tradução de Roneide Venancio Majer. 6. ed. 14. reimpressão. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM. Disponível em:
https://www.mj.gov.br. Acesso em: 30 nov. 2024.
FROSINI, Vittorio. Cibernética, derecho y sociedad. Trad. cast. de C. Salguero-Talavera e R. Soriano, com Prólogo de A. E. Pérez Luño. Madrid: Tecnos, 1982.
UNITED NATIONS SPECIAL RAPPORTEUR ON THE PROMOTION AND PROTECTION OF THE RIGHT TO FREEDOM OF OPINION AND EXPRESSION. The
Right to Freedom of Opinion and Expression. Annual Report by Frank La Rue with a focus on the Internet and freedom of expression. 2011. Disponível em: https://www.ohchr.org. Acesso em: 30 nov. 2024.