O direito do trabalho evoluiu muito ao longo da história, ao longo dos séculos, pois nos tempos mais remotos nem sequer existia esse ramo do direito. Quando o Estado percebeu que a relação empregador e empregado não poderia ser exclusivamente privada e que necessitava sim de uma intervenção estatal, que nasce o direito do trabalho.
Ora, se não tivesse o mínimo de direitos, possivelmente até os dias de hoje teríamos crianças trabalhando de forma legal, homens e mulheres trabalhando 18, ou 19 horas por dia, e assim por diante. Mas é evidente, que uma realidade nestes termos só tende a trazer prejuízos a toda uma sociedade, a começar pelos trabalhadores que terão uma expectativa de vida não muito além dos trinta anos de idade. Por isso, ao longo do tempo foram surgindo cada vez mais direitos trabalhistas ao redor do mundo e também no Brasil.
Antigamente a greve era considerada como crime, como bem lembra Sergio Pinto Martins ao afirmar que “no Direito romano e na Antiguidade a greve era considerada delito em relação aos trabalhadores livres, não se permitindo a reunião dos obreiros, nem sua associação”. (MARTINS, 2015, p. 943) Segundo o autor, é possível perceber que a greve iniciou sendo considerada como um delito, depois passou a ser liberdade, ou seja, o Estado não a considerada mais como algo tão grave e deixava que as próprias partes resolvessem o conflito, para finalmente a greve ser considerada como um direito, como é hoje no Brasil. (MARTINS, 2015, p. 943)
A Constituição Federal de 1988, assegura a greve como um direito. De acordo com o art. 9º “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Além disso, a greve está regulamentada pela Lei 7.783/89, que traz toda disciplina legal, mostrando quais são as atividades essenciais, quais os prazos legais, o conceito de greve, como deve ser o procedimento, etc.
A greve é, portanto, considerada como um direito, mas temos que ter ciência de que é um direito que deve obedecer alguns requisitos básicos, como está claro no art. 2º da Lei da greve que assim reza: “Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”. Nestes termos, para uma greve ser considerada legítima e não abusiva, ela deve ser coletiva, ou seja, ninguém entra em greve de forma individual, ou em pequenos grupos, a greve deve ser coletiva. Também deverá ser uma paralisação temporária, se fosse permanente seria um pedido de demissão coletivo, os contratos de trabalho estariam extintos. Pode ser total ou parcial, no sentido que a greve pode se dar apenas em alguns setores da empresa, e o mais importante, a greve deve ser pacífica, sem qualquer violência, sem ameaças, sem bombas, sem depredação, sem agressão a qualquer pessoa.
Segundo Vólia Bomfim Cassar “a greve é a exteriorização do conflito existente entre a classe trabalhadora e o patrão acerca das questões pendentes que, apesar das tentativas de negociação, persistem. Sua finalidade é a de pressionar o empregador para ceder em alguns pontos”. (CASSAR, 2016, p. 1298). Sabemos que muitos trabalhadores, de várias categorias, de várias empresas ganham um salário muito baixo e que em muitas vezes não lhes garante um mínimo de dignidade. Por outro lado, alguns trabalhadores trabalham muitas horas e querem diminuir sua carga horária. Enfim, quando um grupo de trabalhadores sentirem-se insatisfeitos com as condições de trabalho poderão pedir para negociar melhores condições e se isso não for possível terão o direito de entrar em greve.
Se por um lado a greve é um direito do trabalhador, por outro o lockout não é permitido para o empregador. O nosso ordenamento jurídico veda tal prática conforme previsão na referida lei que trata sobre a greve. Vejamos a redação do art. 17: “Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout)”. Portanto, o termo lockout ou para alguns “locaute” significa dizer que o empregador com a clara intenção de frustrar o movimento grevista decide, simplesmente, paralisar as atividades da empresa, por um determinado lapso temporal.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio é o entendimento de Mauricio Godinho Delgado quando se refere ao tema: “trata-se como se vê, de fechamento provisório, pelo empregador, da empresa, do estabelecimento, ou simplesmente de algum de seus setores, efetuado com o objetivo de provocar pressão arrefecedora de reivindicações operárias”. (DELGADO, 2019, p. 1308) Seria, uma forma de tentar acabar com a ideia dos grevistas de seguir adiante com a intenção de entrarem em greve, mas tal atitude do empregador, por ser vedada, traz consequências jurídicas para quem desrespeitar a regra.
Evidente que na prática, se a empresa fechar as portas, por um certo período, quando perceber que está se formando um movimento grevista poderá dizer que foi por qualquer outro motivo, como dificuldades financeiras, manutenção de equipamentos, eventual motivo de força maior, negociações com empresas estrangeiras, etc., e isso tudo dependerá de provas, para a aplicação das penalidades que deverão ser impostas ao empregador. No entanto, a primeira consequência prática do lockolt está na própria lei, no mesmo dispositivo, em seu parágrafo único e o empregador não terá saída independente do que venha a alegar para justificar a paralisação. Reza o parágrafo único do art. 17 da lei de greve que: “A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários, durante o período de paralisação”.
Significa dizer, que a medida do empregador de fechar a empresa para frustrar os grevistas terá como primeira consequência o pagamento dos salários, ou seja, trata-se de uma hipótese de interrupção do contrato de trabalho, onde o empregado não trabalha, mas continua recebendo seu salário normalmente pelo período não trabalhado e conta como tempo de serviço para todos os fins legais, ao contrário do que aconteceria se fosse considerado suspensão do contrato de trabalho, em que o empregado, não trabalha, não recebe e não conta como tempo de serviço, quando ocorre por exemplo em uma suspensão disciplinar quando o empregado comete uma falta grave.
Nesse mesmo sentido são as palavras de José Cairo Jr., quando afirma que “em caso de paralisação temporária dos serviços por iniciativa do empregador, as obrigações decorrentes do pacto laboral ficarão inalteradas, o que implica pagamento dos salários e demais direitos durante o período respectivo”. (CAIRO Jr, 2018, p. 1334) No entanto, essa não é a única consequência jurídica para a paralisação do empregador com a intenção de acabar com o movimento grevista.
Como bem lembra Carlos Henrique Bezerra Leite, tal paralisação autoriza, até mesmo, e de forma individual a rescisão indireta, que é a falta grave do empregador. Baseado principalmente no art. 483, alínea “d” da CLT em que diz que o empregado poderá considerar rescindido o contrato de trabalho quando o empregador não cumprir as obrigações do contrato, e no caso, se o empregador paralisar a empresa e impedir o empregador de trabalhar estaria cometendo a falta grave, ainda mais quando não paga o salário do empregado que já foi visto que deverá ser pago, por ser caso de interrupção do contrato de trabalho. (LEITE, 2022, p. 969)
Como se não bastassem essas consequências, até mesmo na CLT se encontram outras penalidades ao empregador. De acordo com a redação do art. 722 da CLT “Os empregadores, que individual ou coletivamente, suspenderem os trabalhos dos seus estabelecimentos, sem prévia autorização do Tribunal competente, ou que violarem, ou se recusarem a cumprir decisão proferida em dissídio coletivo incorrerão nas seguintes penalidades: a) multa de cinco mil cruzeiros a cinquenta mil cruzeiros; b) perda do cargo de representação profissional em cujo desempenho estiverem; c) suspensão pelo prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos do direito de serem eleitos para cargos de representação profissional”.
Assim, ainda é possível falar em multa administrativa que o empregador deverá pagar, bem como a perda de cargo de representação profissional e sua devida suspensão pelo prazo estabelecido caso queira concorrer. Tais cargos são para órgãos tripartites com representantes do governo, dos empregadores e dos empregados, como por exemplo o Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – CCFGTS.
O lockout, de fato, é algo grave que o empregador não poderá fazer, sob pena de receber todas essas consequências jurídicas. Assim, privar o trabalhador de trabalhar é um motivo mais do que suficiente para multas, extinção do contrato por iniciativa do empregado, baseado em falta grave do empregador e demais penalidades. (MARTINEZ, 2021, p. 1144)
Referências
CAIRO Jr., José. Curso de Direito do Trabalho: direito individual e coletivo do trabalho. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2019.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 14 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2015.
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.