Mesmo sem morarmos juntos a Justiça pode considerar que vivo em União Estável?

10/03/2025 às 11:30
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É possível afirmar com tranquilidade que há possibilidade da Justiça brasileira admitir o reconhecimento da união estável mesmo nos casos em que as partes não morem sob o mesmo teto e não possuam qualquer contrato escrito. Como sabemos, a União Estável é definida pelo artigo 1.723 do Código Civil como uma ENTIDADE FAMILIAR configurada pela convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. A coabitação, embora possa ser um notável elemento probatório, não pode ser considerada um requisito essencial para a configuração da união estável, conforme reiterado em diversas decisões judiciais. Reza o citado art. 1.723:

"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

É muito comum hoje em dia casais manterem relacionamento afetivo estando cada um em sua casa, importando apenas a eles dois esse tipo de ajuste sobre em qual casa ficarão e aí que pode "morar" o "problema" (ou a solução, a depender do ângulo em que se analisa a questão): a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que a ausência de coabitação não impede o reconhecimento da união estável, desde que estejam presentes os elementos que caracterizam a relação como pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família. O TJMG ( 0003964-18.2016.8.13.0417. J. em 24/08/2023), por exemplo, enfatizou que a convivência sob o mesmo teto NÃO É INDISPENSÁVEL, sendo necessário demonstrar a afetividade, estabilidade e ostentabilidade da relação. Da mesma forma, o TRF da 3ª Região reconheceu a união estável em um caso onde as partes possuíam endereços distintos, destacando que a coabitação NÃO É PREVISTA COMO REQUISITO no artigo 1.723 do Código Civil. Vale a citação da decisão que concedeu por conta do reconhecimento da União Estável a pensão por morte requerida pela companheira supérstite:

"TRF-3. 00009827720194036321. J. em: 14/10/2021. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. DESNECESSIDADE DE COABITAÇÃO. 1. Trata-se de recurso interposto em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de pensão por morte em favor da parte autora. 2. No caso concreto, a parte autora alega que conviveu em união estável com o falecido por mais de 30 anos, o que foi comprovado por prova documental e testemunhal. Alega que o fato do falecido possuir dois endereços, não afasta a união estável pretendida. 3. A coabitação não é requisito essencial para o reconhecimento da união estável, pois não prevista no art. 1.723, do CC. 4. A jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça afasta a necessidade de coabitação como requisito para o reconhecimento da união estável. 4. Recurso que se dá provimento, para o fim de implantar o benefício de pensão por morte em favor da parte autora".

Importa anotar que o STJ reforçou que a coabitação não constitui requisito necessário para a configuração da União Estável, sendo imprescindível a demonstração de outros elementos que evidenciem o intuito de constituir uma família ( AgRg no AREsp 649786/GO. J. em 04/08/2015). Essa interpretação é corroborada por decisões de tribunais estaduais, como o TJGO, que reconheceu a união estável mesmo sem convivência sob o mesmo teto, desde que comprovados os requisitos de estabilidade, publicidade e continuidade ( 5247597-69.2021.8.09.0021. J. em 05/05/2023.)

Relativamente às questões patrimoniais decorrentes da união estável que a muitos interessa, é preciso saber que o artigo 1.725 do Código Civil estabelece que, na ausência de contrato escrito entre os companheiros, aplica-se o regime de COMUNHÃO PARCIAL DE BENS, no que couber. Isso significa que os bens adquiridos de forma onerosa durante a convivência deverão ser partilhados de forma igualitária, independentemente de quem tenha contribuído financeiramente para sua aquisição. Jurisprudências como a do TJMS ( 1001598-24.2020.8.11.0087. J. em 02/05/2024) confirmam que a partilha deve ocorrer de forma igualitária, mesmo na ausência de formalização da união.

A presunção de esforço comum na aquisição de bens durante a união estável é amplamente aceita pela jurisprudência - e não poderia ser diferente. Essa presunção garante que os bens adquiridos na constância da união sejam partilhados igualmente, salvo prova em contrário. Ademais, o STJ já decidiu que a partilha pode incluir bens descobertos durante o processo de dissolução da união estável, reforçando a proteção patrimonial dos conviventes. Portanto, mesmo na ausência de coabitação e de contrato escrito, a Justiça pode reconhecer a União Estável e conferir direitos decorrentes dessa relação, incluindo a PARTILHA DE BENS. A análise do conjunto probatório, como documentos, testemunhos e outros elementos que demonstrem a convivência pública, contínua e duradoura, será essencial para o reconhecimento judicial da união estável. A jurisprudência e os dispositivos legais mencionados oferecem uma base sólida para a proteção dos direitos dos conviventes, assegurando que a ausência de formalização ou de moradia conjunta não seja um obstáculo para o reconhecimento da união estável e seus efeitos jurídicos.

Por fim, uma boa forma de evitar problemas no que tange à União Estável é não ignorar a possibilidade da sua ocorrência e reconhecimento (já que a Lei é clara sobre a possibilidade, como se viu, mesmo sem o casal morar juntos e mesmo sem terem contrato ou escritura de união estável), mas sim tratar a questão adequadamente: o artigo 1.725 do Código Civil permite que o casal estipule por CONTRATO ESCRITO (que pode ser contrato particular ou escritura pública declaratória de união estável, em qualquer Cartório de Notas - com ou sem assistência de um Advogado) ajustes inclusive relativos a questões patrimoniais (inclusive estipulando a SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS, por exemplo, dentre outras cláusulas importantes).

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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