Servidão Administrativa

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11 de fevereiro de 2025

Trata-se de estudo de caso da concessionária de serviço público, Central Eólica Jacarezinho, que ajuizou uma ação para constituir o instituto da servidão administrativa na propriedade de Maria de Jesus Sousa Santos. Localizada às margens da rodovia PI-142, a propriedade rural de 72 hectares produz frutas e detém plantação de mandioca.

A empresa baseou-se em declaração de utilidade pública e autorização, pela ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica, para instalar uma linha de transmissão de energia na propriedade. O Juiz de Direito da Comarca de Parnaíba - PI deferiu a imissão provisória na posse da faixa de terra, após a concessionária depositar R$ 200 mil. Na sentença, a servidão foi constituída, fixando indenização de R$ 250 mil, determinando o pagamento da diferença com juros e correção monetária.

O perito oficial do juízo apontou que 25% da propriedade foi afetada pelo caso, no entanto, boa parte da área afetada é de reserva legal, sem disponibilidade de uso tradicional do solo. Além disso, cerca de metade da plantação de mandioca foi afetada, sem que as frutas ou a área construída sofresse degradação pela passagem da linha de transmissão.

Quanto às questões processuais, Maria de Jesus Sousa Santos interpôs recurso alegando que apenas a ANEEL poderia propor a ação, e não a concessionária. Alegou que a utilidade pública do projeto é questionável, pois a região já tem energia suficiente. Nessa linha, argumentou que a servidão inviabilizou economicamente o imóvel, justificando indenização integral de R$ 800 mil e que o perito não considerou o valor da reserva legal.

A concessionária, por sua vez, argumentou que o valor da indenização foi excessivo, considerando a restrição parcial do uso do imóvel. Além disso, defendeu a ideia de que não deveriam incidir juros compensatórios.

Quanto ao primeiro argumento da ré, nota-se que ela argumenta que apenas a ANEEL poderia propor tal ação. Dito isso, vale citar que o Decreto-Lei nº 3.365/1941 (Desapropriação por Utilidade Pública), inclusive regulamenta a legitimidade de concessionários para fins de desapropriação (art. 3º, I). Além disso, fica evidente que a questão tratada concerne no espectro da utilidade pública, uma vez que:

“Art. 3º Poderão promover a desapropriação mediante autorização expressa constante de lei ou contrato:

I - Os concessionários, inclusive aqueles contratados nos termos da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 (Lei de Parceria Público-Privada), permissionários, autorizatários e arrendatários;

Art. 5o “Consideram-se casos de utilidade pública:

f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica.”

Não obstante, nota-se que a concessionária do serviço público está diretamente no local dos fatos, é real necessitada da servidão referida, assim como, no campo da melhoria da infraestrutura dos serviços elétricos, possui caráter público e abrange toda coletividade.

Nessa linha de pensamento, o Recurso Especial 581947/RO, de relatoria do ministro Eros Grau, aponta que:

“Às empresas prestadoras de serviço público incumbe o dever-poder de prestar o serviço público. Para tanto a elas é atribuído, pelo poder concedente, o também dever-poder de usar o domínio público necessário à execução do serviço, bem como de promover desapropriações e constituir servidões de áreas por ele, poder concedente, declaradas de utilidade pública.”

No que tange à argumentação de que a utilidade pública do projeto é questionável, é importante destacar que a infraestrutura de transmissão de energia elétrica é um investimento. Desse modo, apenas estudos técnicos de viabilidade e demanda são capazes de determinar se realmente há necessidade de reforçar a oferta. No entanto, é inegável que a energia elétrica é fundamental ao desenvolvimento da região, assim como o reforço de suas linhas.

Desse modo, a própria Constituição Federal de 1988 pontua o potencial de energia hidráulica como bem da união, em seu art. 20, além de conceder à mesma a competência de privativamente legislar acerca dos temas de energia. Assim, é nítido que o assunto é de interesse público e singular importância na carta magna.

A parte ré argumenta que a servidão teria inviabilizado o imóvel, requerendo uma indenização total. Tal pedido se mostra além da razoabilidade, uma vez que a mera transposição de equipamentos e cabos não é capaz de desconfigurar totalmente o que havia instalado na propriedade. Dessa maneira, cabe a indenização apenas do que for diretamente afetado, ou seja, a plantação de mandioca e eventuais prejuízos que a parte ré possa ter sofrido com a mudança ocorrida na área de mata.

Tal argumentação encontra fundamento no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial Nº 2093321/RJ, em que o relator, Ministro Paulo Sérgio Domingues, aponta que:

“No tocante à ofensa aos arts. 884, 944 e 945 do Código Civil (CC), a parte defendeu que a indenização devida não pode ser correspondente ao valor do imóvel, " pois o laudo determina o pagamento superior ao utilizado pela faixa de servidão administrativa, considerando um esvaziamento econômico jamais comprovado" (fl. 4.272). O Tribunal de origem concluiu que o valor da indenização pretendido pela ora agravada encontra-se amparado na prova técnica produzida em juízo, evidente quanto ao prejuízo suportado decorrente da instituição da servidão administrativa.”

Desse modo, vale citar que o STJ, em concordância com sua súmula Nº 7, que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial", referenda o perito do juízo como competente para apontar o prejuízo causado à parte. Desse modo, na decisão acima citada, não coube à parte ré recurso especial para tal pretensão.

Quanto à área de reserva legal, vale destacar que, na atualidade, novas modalidades de exploração do território emergiram. Assim, o turismo ecológico, fazendas verdes e a obtenção de “crédito de carbono” devem ressignificar a forma como a propriedade é vista.

Nessa linha de pensamento, há antiga jurisprudência do STF, Agravo regimental no agravo de instrumento 653.062/SP, em que o ministro Dias Toffoli aponta que:

“No tocante ao mérito, é certo que o acórdão recorrido divergiu da jurisprudência desta Suprema Corte, firmada no sentido de que as áreas referentes à cobertura vegetal e à preservação permanente devem ser indenizadas, não obstante a restrição ao direito de propriedade que possa incidir sobre todo o imóvel que venha a ser incluído em área de proteção ambiental.”

Ante as novas modalidades de exploração do solo, inclusive as áreas de preservação e reserva legal, é importante verificar qual a importância à propriedade e se tal área tinha algum uso para a parte ré, verificando assim possíveis prejuízos a ela.

Passando para a parte autora, alegou onerosidade excessiva na decisão do Juiz de Direito. Tomando como base apenas o prejuízo da área que sofreu a servidão administrativa na propriedade, e que a própria está avaliada em R$ 800 mil reais, o valor indenizável seria de R$ 200 mil reais. Acrescendo-se a perda de metade da produção de mandioca, somaram-se R$ 15 mil reais. De todo modo, não é vislumbrada onerosidade excessiva contra a indenização prevista. Ademais, a instituição da servidão administrativa está amparada nos seguintes institutos:

“Decreto-lei Nº 3.365 de 21 de junho de 1941:

Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública.

Art. 40. O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei.

Decreto Nº 35.851, de 16 de julho de 1954:

Regulamenta o art. 151, alínea c, do Código de Águas (Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934).

Art. 5º- Os proprietários das áreas sujeitas à servidão têm direito à indenização correspondente à justa reparação dos prejuízos a eles causados pelo uso público das mesmas e pelas restrições estabelecidas ao seu gozo.”

Quanto à fixação de juros compensatórios em sede de servidão administrativa, nota-se uma questão relevante. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aponta que são devidos, desde que comprovado real prejuízo na propriedade, conforme Embargos de Declaração no Agravo Interno no Recurso Especial Nº 2.022.563/PR (2022/0266781-4). Na decisão, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, o ilustre magistrado cita o excerto que o tribunal de origem anotou:

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“Da leitura dos documentos que instruem os autos, bem como em atenção ao direito aplicável, verifica-se que não assiste razão à apelante quanto à alegação de que os juros compensatórios são indevidos. Isso, porque, ao contrário do alegado pela SANEPAR, ficou constatado no laudo pericial (mov. 281.1) a perda de renda em razão da constituição da servidão no imóvel. Da leitura do laudo e dos documentos do imóvel serviente, nota-se que, embora a área seja de uso residencial, a servidão acabou por cingir o terreno, ficando uma pequena parte em forma de "triângulo", na qual não é plenamente possível o exercício da propriedade pelos expropriados. Além disso, a faixa serviente já possui restrições de uso, por se encontrar sobreposta a uma área de preservação permanente pré-existente, lindeira a um curso d'água (arroio Campo do Meio), sendo que a servidão acabou por limitar ainda mais o uso do imóvel.”

Na mesma linha de raciocínio, o mesmo Superior Tribunal de Justiça editou súmula referendando o instituto dos juros compensatórios em sede de servidão administrativa:

“Súmula nº 56:

Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade.”

No presente caso, no entanto, nota-se que:

“Concluiu, assim, a perícia que o imóvel serviente como um todo não sofreu grande desvalorização, haja vista que boa parte da linha de transmissão passa por área de reserva legal, que não pode ser utilizada economicamente pela proprietária.”

Com isso, o perito do juízo não vislumbrou significante perda por conta da servidão administrativa, ficando prejudicada a adoção dos juros compensatórios e não incidindo os pressupostos do julgado anteriormente citado e a aplicação da súmula nº 56. A plantação de mandioca, no entanto, fora prejudicada pela metade. Caso seja de relevante renda e necessidade para a parte ré, claramente há questão relevante, o que iria contra o explicitado pela perícia realizada.

Ademais, na jurisprudência acima citada (Embargos de Declaração no Agravo Interno no Recurso Especial Nº 2.022.563/PR), o ministro relator aponta a fixação dos juros compensatórios em 6%, conforme o art. 15-A (e seus parágrafos) do Decreto-Lei n° 3.365/41:

“Ante o exposto, acolho os Embargos de Declaração com efeitos infringentes para dar parcial provimento ao Recurso Especial, a fim de fixar a taxa de juros compensatórios em 6% (seis por cento) ao ano, nos termos da fundamentação supra.”

É indispensável, no entanto, apontar que a súmula 618 do STF orienta que na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano, divergente do que há enunciado no Decreto-Lei n° 3.365/41:

“Art. 15-A. No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou na desapropriação por interesse social prevista na Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, na hipótese de haver divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença, expressos em termos reais, poderão incidir juros compensatórios de até 6% a.a. (seis por cento ao ano) sobre o valor da diferença eventualmente apurada, contado da data de imissão na posse, vedada a aplicação de juros compostos.”

Conforme o STJ, a Medida Provisória 1.577/97, que reduziu a taxa dos juros compensatórios em desapropriação de 12% para 6% ao ano, tem validade apenas no período entre 11/06/1997 e 13/09/2001, quando foi publicada a decisão liminar do STF na ADI 2.332/DF, suspendendo a eficácia da expressão “de até seis por cento ao ano”, do caput do art. 15-A do Decreto-lei 3.365/41. No caso aqui analisado, a possível taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano, como prevê a súmula 618 do Supremo Tribunal Federal.

Portanto, nota-se que o pedido de servidão administrativa para a instalação de transmissores de energia elétrica é indispensável para a criação e manutenção de um sistema seguro, eficiente e moderno no Brasil. No entanto, os prejuízos causados ao proprietário da terra devem ser avaliados, não só exclusivamente no terreno afetado, mas também os impactos que a mudança promove em toda propriedade. De toda forma, a concessionária é parte interessada e válida no processo, assim como a parte ré detém seus direitos de propriedade, a ser vistos com atenção.

Por fim, a decisão judicial reconheceu a necessidade da implantação da linha de transmissão para o interesse coletivo, garantindo ao proprietário uma indenização proporcional aos prejuízos efetivos, sem que se equiparasse a servidão à desapropriação total do imóvel. Quanto aos juros compensatórios, o entendimento do STJ é de que se precisa avaliar o real prejuízo ao imóvel, o que, segundo a perícia, não se estende ao caso analisado. Assim, a solução do caso reflete o equilíbrio entre o interesse público na prestação do serviço essencial e o direito de justa compensação ao particular afetado.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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