O filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles, conquistou em 2025 o Oscar de Melhor Filme Internacional, sendo a primeira produção brasileira a vencer nessa categoria. Aclamado pela crítica, o longa-metragem retrata a luta de Eunice Paiva (1929-2018) para descobrir a verdade sobre o desaparecimento de seu marido, Rubens Paiva, ex-deputado cassado e morto em 1971 pela ditadura militar (1964-1985).
Neste artigo, defendo que a obra é um valioso recurso para uma Educação em Direitos Humanos da sociedade brasileira, ao abordar um dos capítulos mais trágicos da história do Brasil e levantar questões jurídicas importantes, como a impunidade dos crimes cometidos pelo regime militar, o alcance da aplicação da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) e a responsabilização do Estado, a qualquer tempo, por violações de Direitos Humanos.
Afinal, Rubens Paiva foi preso, torturado e morto por agentes do Estado. A Comissão Nacional da Verdade confirmou que Rubens Paiva foi assassinado por agentes do DOI-CODI no Rio de Janeiro e o Ministério Público Federal denunciou um general, dois coronéis e dois sargentos, pedindo a cassação das aposentadorias e a anulação de medalhas e condecorações conferidas a eles, por tais crimes: homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa, além de fraude processual para três deles.
A responsabilidade penal por esses crimes, portanto, deveria recair sobre os militares e agentes da repressão envolvidos, muitos dos quais nunca foram julgados devido à Lei da Anistia (motivo pelo qual o STF suspendeu o processo contra esses cinco agentes denunciados pelo MPF), aprovada durante a ditadura, que perdoou crimes cometidos tanto por opositores quanto por agentes do regime.
Tal lei, porém, tem sido questionada em tribunais nacionais como o Supremo Tribunal Federal (ADPF 153 e ADPF 320) e internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos (sentença CIDH de 24/11/2010), pois permitiu que torturadores e assassinos do período escapassem de punição.
O STF confirmou a validade da Lei da Anistia no julgamento da ADPF 153 de 2010 - ocasião em que a OAB contestara seu artigo 1º, defendendo melhor interpretação quanto ao que foi considerado como perdão aos crimes conexos "de qualquer natureza" -, mas a (CIDH) condenou o Brasil no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), afirmando que crimes de tortura e desaparecimento forçado não podem ser anistiados.
Isso porque a tortura e a execução de Rubens Paiva são considerados crimes contra a humanidade pelo Direito Público Internacional. E crimes contra a humanidade não prescrevem, podendo ser julgados a qualquer tempo. Por isso, há quem defenda, especialmente após a repercussão do filme, que o STF possa voltar a discutir a matéria, mudando seu entendimento, a partir da ADPF 320, apresentada em 2014 ao STF pelo PSOL, sob relatoria do Ministro Toffoli desde 2021, que pede a anulação da lei.
O caso de Rubens Paiva, como vemos, simboliza a impunidade dos crimes da ditadura militar brasileira e a luta das famílias por justiça. Ao levantar tantas questões, o fato é que o Oscar recebido pelo filme se trata de um Oscar que premia um possível veículo, para a sociedade brasileira, de uma Educação em Direitos Humanos.
A experiência de Eunice Paiva, aliás, a levou a concluir graduação em Direito aos 47 anos, se tornando advogada e, como jurista, uma defensora dos Direitos Humanos, atuando com firmeza em campanhas na defesa da abertura de arquivos referentes a vítimas da ditadura.
Eunice Paiva também se dedicou à defesa da causa que levou à promulgação da Lei 9.140/95, que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Com tal lei, em 1996, o Estado emitiria finalmente atestado de óbito de Rubens Paiva.
E ainda é digno de nota a defesa que Eunice Paiva fez da causa indígena, como advogada, em lides contra a violência e a expropriação de terras que vitimaram povos indígenas. Tudo isso levou Eunice Paiva a ser, inclusive, uma consultora da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição Federal Brasileira, nossa Constituição Cidadã de 1988.
Enfim, o filme "Ainda Estou Aqui", sua premiação como Melhor Filme Internacional no Oscar e sua repercussão global reforçam sua importância e - mais do que, sobretudo, um reconhecimento artístico - o longa oferece uma contribuição para a reflexão jurídica do público e uma Educação em Direitos Humanos da sociedade brasileira, ao reabrir debates sobre a impunidade dos crimes da ditadura, os limites da Lei da Anistia e a responsabilidade do Estado em casos de violações de Direitos Humanos.
Ao trazer esses temas à tona, o filme não apenas preserva a memória histórica, mas também estimula discussões tão necessárias sobre Justiça e Democracia no Brasil, representado uma oportunidade de uma discussão jurídica profunda por parte do público que puder conhecê-lo!