1. INTRODUÇÃO
O meio ambiente de trabalho equilibrado é um direito fundamental dos trabalhadores e um dever dos empregadores e terceiros que possam impactá-lo. Este artigo analisa a responsabilidade dos empregadores e de terceiros pela poluição laboral-ambiental, destacando a decisão do TST no julgamento do RR-603-48.2022.5.19.0002, que trata da degradação do meio ambiente de trabalho provocada por terceiros.
A análise considera a natureza jurídica do meio ambiente como bem uno e indivisível, com múltiplas dimensões interconectadas, cuja alteração em qualquer de suas dimensões repercute nas demais, fundamentando a responsabilidade civil ambiental em suas diversas modalidades.
2. NATUREZA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE: UNICIDADE, INDIVISIBILIDADE E MÚLTIPLAS DIMENSÕES
O meio ambiente constitui bem jurídico uno e indivisível, conforme estabelecido no art. 225. da Constituição Federal, possuindo, contudo, múltiplas dimensões que se inter-relacionam: natural, artificial, cultural e do trabalho. Esta característica fundamenta o entendimento de que qualquer alteração no meio ambiente natural impacta no meio ambiente do trabalho, dada a sua interdependência.
A concepção do meio ambiente como bem jurídico com múltiplas dimensões é essencial para compreender a extensão da responsabilidade civil ambiental. Quando eventos como queimadas e outros fenômenos climáticos extremos ocorrem, não apenas o meio ambiente natural é afetado, mas também o meio ambiente laboral, gerando repercussões diretas na saúde e segurança dos trabalhadores expostos a tais condições.
3. RESPONSABILIDADE PROPTER REM E A DEVIDA DILIGÊNCIA AMBIENTAL
O Tema Repetitivo n. 1204. do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou a responsabilidade propter rem em matéria ambiental, abrangendo tanto o poluidor direto quanto o indireto. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, na Apelação Cível n. 572623-0002480-11.2012.4.05.8000, firmou que o nexo de causalidade na responsabilidade ambiental baseia-se no dever de adoção de providências eficazes contra danos ambientais.
A Lei 14.944/24 e o Decreto 12.189/24 reforçam a necessidade de planejamento e gestão de riscos ambientais, especialmente em relação a incêndios, exigindo uma due diligence ambiental. Essa legislação evidencia a obrigação de prevenção e mitigação de riscos, sob pena de responsabilização reparatória e sancionável.
Esta responsabilidade é fundamentada também no Princípio 14 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que estabelece a solidariedade ambiental e o dever de cooperação entre os Estados para desestimular ou prevenir a realocação e transferência de atividades e substâncias que causem degradação ambiental grave ou sejam prejudiciais à saúde humana.
4. IMPACTO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
A frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como queimadas e secas, impactam diretamente as condições de trabalho e a saúde dos trabalhadores. A Resolução 3/2021 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos reconhece a necessidade de proteção especial aos trabalhadores rurais diante da crise climática.
4.1. Medidas Preventivas e de Enfrentamento
O enfrentamento do estresse térmico deve ser realizado através de medidas preventivas específicas, tais como:
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Pausas em local fresco e sombreado
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Uniformes com cores e tecidos adequados
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EPIs específicos, como máscaras para evitar inalação de substâncias tóxicas
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Norma coletiva com cláusulas específicas disciplinando medidas de proteção
As queimadas e outros eventos extremos afetam diretamente o meio ambiente de trabalho. Por isso, o empregador deve adotar medidas no plano de emergência/contingência para proteger os trabalhadores dos efeitos adversos, como a poluição do ar e as temperaturas elevadas.
4.2. Impacto nas Normas de Saúde e Segurança do Trabalho
As mudanças climáticas exigem adaptação das normas de saúde e segurança do trabalho:
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PGR/PGRTR e PCMSO devem considerar os novos riscos e os riscos agravados
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CIPA e SESMT devem permitir a participação democrática dos trabalhadores
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A escala de prioridade da NR 1 deve ser observada, estabelecendo o dever de adotar medidas eficientes e atualizadas, adequando-as continuamente (princípio da melhoria contínua)
Este Princípio da Melhoria Contínua associa a progressividade dos direitos socioambientais com a obrigação de garantir um ambiente com o menor risco possível, conforme estabelecido no art. 16. da Convenção 155 da OIT, art. 26. da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e art. 2. do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).
A Norma Regulamentadora nº 1 (NR 1) do MTE estabelece que o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) deve considerar perigos internos e externos, como a poluição do ar resultante de queimadas e a exposição a temperaturas extremas. A NR 31 também prevê a adoção de medidas preventivas contra riscos ambientais. Caso o empregador negligencie sua obrigação de fiscalizar ou mitigar esses impactos, ele pode ser responsabilizado.
5. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE TERCEIROS POR POLUIÇÃO LABOR-AMBIENTAL
A jurisprudência brasileira tem reconhecido a responsabilidade de terceiros quando suas atividades impactam o meio ambiente do trabalho. O TST, no RR-603-48.2022.5.19.0002, determinou que a degradação ambiental causada por terceiros deve ser reparada, garantindo a segurança e saúde dos trabalhadores afetados.
A degradação ambiental causada por terceiro à relação de trabalho merece reparo nas diversas esferas em que foram violadas, sendo uma dessas violações o meio ambiente de trabalho equilibrado. O empregador, por sua vez, tem a obrigação legal de adotar medidas de proteção contra a poluição do ar, conforme estabelecido na Convenção 148 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Neste contexto, configura-se a responsabilidade solidária do terceiro poluidor e do empregador, conforme preconizado pelo art. 14, § 1º da Lei 6.938/81 e art. 225, § 3º da Constituição Federal. A lei define poluição como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população, inclusive dos trabalhadores, e afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, incluído o do trabalho (art. 3º, III, "a" e "d" da Lei 6.938/81 c/c art. 200, VIII, da CRFB).
Esta responsabilização fundamenta-se também no Princípio da Internalização das externalidades negativas, que determina que os custos ambientais e sociais decorrentes da atividade econômica devem ser assumidos por aqueles que os geraram, impedindo a socialização dos prejuízos enquanto os lucros permanecem privatizados. Assim, tanto o terceiro causador da poluição quanto o empregador que não adotou medidas protetivas adequadas devem responder solidariamente pelos danos causados ao meio ambiente do trabalho e, consequentemente, à saúde dos trabalhadores.
6. RACISMO AMBIENTAL E PROTEÇÃO A GRUPOS VULNERÁVEIS
A questão do racismo ambiental emerge como elemento central na análise da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente do trabalho. Povos e Comunidades Tradicionais, bem como trabalhadores rurais (como cortadores de cana), frequentemente estão mais expostos aos impactos negativos de degradações ambientais, inclusive aquelas causadas por mudanças climáticas.
A responsabilidade civil nestes casos apresenta característica de imprescritibilidade, considerando o meio ambiente de trabalho como espécie de meio ambiente. Tal entendimento reforça a necessidade de elaboração de políticas públicas voltadas aos trabalhadores em situação de vulnerabilidade, como prevenção de doenças ocupacionais relacionadas à exposição ambiental.
7. CONCLUSÃO
A proteção ao meio ambiente do trabalho exige a adoção de medidas preventivas e corretivas por parte dos empregadores e também de terceiros cujas atividades impactem esse ambiente. A responsabilidade civil e ambiental desses agentes deve ser efetivamente aplicada para garantir condições laborais seguras e saudáveis.
A compreensão do meio ambiente como bem jurídico uno e indivisível, com múltiplas dimensões interdependentes, fundamenta juridicamente a responsabilização solidária por danos causados ao meio ambiente do trabalho, mesmo quando originados de alterações no meio ambiente natural. Esta concepção integrada é essencial para a efetiva proteção dos trabalhadores frente aos desafios ambientais contemporâneos, particularmente aqueles relacionados às mudanças climáticas e seus impactos nas condições laborais.
REFERÊNCIAS
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MIGALHAS. Queimadas e o dever de prevenção na regulação administrativa: due diligence nas propriedades rurais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/419682/queimadas-e-o-dever-de-prevencao-na-regulacao-administrativa. Acesso em: 18 mar. 2025.
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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Albrás pagará indenização de R$ 663 mil a bombeiro que sofreu queimaduras graves em acidente. Disponível em: https://tst.jus.br/-/albras-pagara-indenizacao-de-r-663-mil-a-bombeiro-que-sofreu-queimaduras-graves-em-acidente. Acesso em: 18 mar. 2025.
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CONJUR. Braskem deve assumir dívida trabalhista de hospital que foi afetado por desastre ambiental. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-out-15/braskem-deve-assumir-divida-trabalhista-de-hospital-que-foi-afetado-por-desastre-ambiental/. Acesso em: 18 mar. 2025.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Braskem deve responder por dívida trabalhista de hospital em crise após desastre ambiental. Disponível em: