A administração pública tem o dever de motivar seus atos, conforme disposto no artigo 50 da Lei 9.784/99. Esse dispositivo determina que, sempre que um ato administrativo negar, limitar ou afetar direitos e interesses, ou impuser ou agravar deveres, encargos ou sanções, ele deve ser devidamente motivado.
No âmbito da administração pública indireta, essa obrigação também se aplica. Em 2024, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) gerou controvérsia ao estabelecer que:
As empresas públicas e as sociedades de economia mista, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo. Tal motivação deve consistir em fundamento razoável, não se exigindo, porém, que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista. (Recurso Extraordinário 688.267)
Ao incluir “sejam elas prestadoras de serviço público”, esse entendimento pode ser estendido às fundações públicas de direito privado que prestam serviços sociais, como nas áreas de educação e saúde.
Essa decisão cria um precedente no qual essas entidades podem demitir empregados com uma justificativa formal, sem a necessidade de um processo administrativo disciplinar (PAD), e sem a exigência de enquadramento nas hipóteses de justa causa previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ou seja, permite-se a chamada demissão imotivada, sem a garantia do contraditório e da ampla defesa.
Cuidados Necessários para os Gestores Públicos
Apesar da aparente flexibilidade conferida aos gestores, alguns aspectos exigem atenção especial para evitar arbitrariedades. A exigência de motivação busca coibir demissões injustificadas e garantir transparência nos atos administrativos, protegendo os direitos dos empregados públicos e assegurando que as decisões sejam fundamentadas em razões objetivas e legítimas.
A decisão do STF estabelece que a demissão pode ser baseada em critérios administrativos, ou seja, sem necessidade de uma justificativa legal ou da capitulação de penalidades previstas em normas infralegais. Isso permite justificativas mais genéricas, sem a exigência de indicar falta grave ou desempenho insuficiente. No entanto, a administração deve ser capaz de apresentar uma razão plausível, como reestruturação, redução de custos ou mudanças estratégicas.
No conteúdo do recurso extraordinário, a essência da decisão se resume ao fato de que a justificativa deve ser administrativa. No entanto, um ponto de atenção relevante é a contratação de servidores comissionados. Se a demissão sem justificativa específica ocorre sob um pretexto administrativo, não seria contraditório e atentatório aos princípios da moralidade, impessoalidade e finalidade contratar comissionados para desempenhar as mesmas funções dos empregados públicos demitidos? Tal prática poderia configurar um desvio de finalidade e abrir margem para questionamentos judiciais.
Ainda que a motivação não precise ser detalhada da mesma forma que em um processo administrativo disciplinar, ela deve estar formalmente documentada para evitar questionamentos futuros. Caso um empregado público conteste sua demissão, o Poder Judiciário poderá avaliar se a motivação foi legítima ou se houve abuso de poder, mais precisamente um desvio de finalidade, garantindo um mínimo controle sobre os atos administrativos.
Por exemplo, se uma empresa estatal decide reduzir sua equipe por razões de reestruturação interna ou ajuste financeiro, ela pode demitir empregados públicos sem a necessidade de apontar falhas individuais. No entanto, a administração deve formalizar a decisão, demonstrando que a medida se baseia em critérios administrativos, sem necessariamente especificar razões disciplinares. Esse procedimento visa assegurar que a flexibilização das demissões não se transforme em instrumento de ingerência política ou de precarização das relações de trabalho no setor público.
Conclusão
A decisão do STF confere maior autonomia à administração pública indireta na gestão de seus empregados concursados, flexibilizando os critérios para demissão. No entanto, essa mudança também amplia o risco de judicialização, pois empregados podem questionar a legitimidade dos atos demissionários, especialmente diante da aparente quebra do princípio da simetria. Afinal, a exigência rigorosa para ingresso no serviço público contrasta com a possibilidade de desligamento por justificativas administrativas genéricas, configurando uma desproporcionalidade que pode comprometer a segurança jurídica dos servidores.
Essa flexibilização não enfraquece o próprio instituto do concurso público, garantido pela Constituição Federal como o mais democrático e inclusivo mecanismo de seleção no serviço público? Ao reduzir a estabilidade dos empregados, a decisão pode abrir espaço para ingerências políticas e subjetividades na gestão de pessoal, contrariando a lógica meritocrática do acesso ao serviço público.
Para evitar abusos e garantir segurança jurídica, é essencial que gestores públicos fundamentem suas decisões de maneira clara e objetiva, respeitando os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e transparência. O controle judicial e os mecanismos de accountability serão fundamentais para equilibrar a busca por uma gestão eficiente com a necessária proteção dos direitos dos servidores públicos, assegurando que a flexibilização dos critérios de demissão não seja utilizada como instrumento de enfraquecimento da administração pública profissionalizada e livre de interferências políticas.