Fraude à lei e mudança da nacionalidade no direito internacional privado: Um estudo sobre a aplicação legítima das regras de conexão

Resumo:


  • O Direito Internacional Privado regula as relações jurídicas transnacionais, utilizando regras de conexão como a nacionalidade.

  • A fraude à lei ocorre quando há intenção de evitar a aplicação de normas desfavoráveis por meio de artifícios jurídicos.

  • A mudança de nacionalidade pode ser legítima se estiver alinhada com a proteção dos direitos fundamentais, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Direito Internacional Privado tem por objetivo indicar a norma aplicável a relações jurídicas de caráter transnacional, utilizando-se de regras de conexão. A nacionalidade constitui um desses elementos e tem sido amplamente empregada na determinação da legislação aplicável ao estatuto pessoal. Contudo, a possibilidade de mudança da nacionalidade levanta questionamentos jurídicos relevantes, sobretudo quando a alteração ocorre com o propósito de evitar a aplicação de normas desfavoráveis. Esse fenômeno pode caracterizar a chamada fraude à lei, instituto que impede que mudanças artificiais prejudiquem a segurança jurídica.

A fraude à lei ocorre quando o indivíduo altera deliberadamente um elemento de conexão para evitar efeitos jurídicos indesejados. Para Rechsteiner (2012), três pressupostos caracterizam essa prática: a intenção de evitar a aplicação de uma norma específica, a adoção de um artifício jurídico para alcançar esse objetivo e a transferência de atividades para uma jurisdição mais favorável. A análise desses fatores cabe ao julgador, que deve distinguir mudanças legítimas de manobras fraudulentas.

O Direito Internacional Privado regula os conflitos de leis no espaço, nas relações privadas com conexão internacional, definindo a norma jurídica nacional aplicável. Sua peculiaridade reside na exceção ao princípio da territorialidade, permitindo a aplicação de uma lei estrangeira com a chancela do legislador pátrio e das autoridades competentes, inclusive judiciais. Esse processo ocorre no exercício do poder soberano do Estado que recebe a norma estrangeira, refletindo a complexidade das relações internacionais no âmbito do direito (Portela, 2017).

Diante desse contexto, o presente estudo busca analisar a aplicabilidade da fraude à lei nas mudanças de nacionalidade e sua compatibilidade com o respeito aos direitos fundamentais. A abordagem proposta pretende conciliar a necessidade de evitar fraudes jurídicas com a proteção dos indivíduos que buscam nova nacionalidade por razões legítimas.

A nacionalidade tem sido historicamente utilizada como critério determinante para a aplicação do Direito Internacional Privado. Para Dolinger (1997), a principal vantagem desse critério é a previsibilidade, uma vez que a nacionalidade é um vínculo jurídico estável e de fácil identificação. No entanto, a possibilidade de múltiplas nacionalidades e a crescente mobilidade internacional geram desafios à rigidez desse modelo.

A mudança intencional da nacionalidade pode ocorrer sem que haja fraude, desde que esteja alinhada à proteção dos direitos fundamentais do indivíduo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) assegura, em seu artigo 15, o direito de todo indivíduo à nacionalidade e à sua modificação. Dessa forma, mudanças motivadas por perseguições políticas ou ameaças à integridade pessoal não podem ser interpretadas como fraude à lei.

Mazzuoli (2017) explica que a fraude não decorre simplesmente da busca por uma legislação mais favorável, mas sim da intenção de fraudar normas cogentes por meio da alteração do elemento de conexão. Assim, a interpretação desse instituto deve ser cuidadosa para evitar restrições indevidas à liberdade individual.

A Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado estabelece que a fraude à lei ocorre quando há intenção deliberada de burlar os princípios fundamentais de um ordenamento jurídico estrangeiro (OEA, 1979). Nesse sentido, cabe ao julgador verificar se a mudança da nacionalidade foi motivada por necessidade legítima ou se constitui estratégia ilícita para evitar a aplicação de determinada norma.

O. Moll (2005) alerta para os riscos de uma interpretação excessivamente rígida das regras de conexão, que pode comprometer a justiça das decisões. A adoção de um modelo flexível e contextualizado permite que o magistrado avalie os casos com maior precisão, evitando que o conceito de fraude à lei seja utilizado para restringir direitos de maneira desproporcional.

Casos emblemáticos demonstram que a mudança de nacionalidade pode representar uma estratégia legítima de autoproteção. Indivíduos forçados a migrar devido a conflitos políticos ou perseguições frequentemente buscam nova nacionalidade como forma de garantir sua segurança e dignidade. Nessas circunstâncias, Dolinger (1997) sustenta que a análise da legalidade da mudança deve considerar a finalidade da norma em questão.

A mudança da nacionalidade como elemento de conexão no Direito Internacional Privado deve ser analisada com equilíbrio, respeitando tanto a integridade do sistema jurídico quanto os direitos individuais. A aplicação da fraude à lei não pode ser utilizada como obstáculo à proteção dos direitos fundamentais, tampouco como mecanismo para legitimar condutas abusivas.

O papel do julgador na identificação da fraude é essencial para evitar tanto abusos quanto injustiças. A interpretação flexível das regras de conexão permite decisões mais justas, alinhadas aos princípios de segurança jurídica e respeito à dignidade humana. Dessa forma, a abordagem do Direito Internacional Privado deve ser conduzida de maneira a assegurar que as regras de conexão sejam utilizadas de forma equitativa, sem restringir indevidamente o direito à nacionalidade.


Referências

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Organização das Nações Unidas (ONU), 1948. Disponível em: https://brasil.un.org/sites/default/files/2020-09/por.pdf.

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DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Privado. 2. ed. São Paulo: Forense, 2017.

MOLL, Leandro de O. A Justiça e as Normas de Sobredireito: o Lugar das Regras de Conexão em Direito Internacional Privado. Universitas. Relações Internacionais, v. 3, n. 2, 2005.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado. Montevidéu, 1979. Disponível em: https://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B-45.htm.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: Incluindo Noções de Direitos Humanos e Direito Comunitário. 9. ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Sobre o autor
Antonio Vital de Moraes Junior

Servidor Público. Mestrando em Estudos Jurídicos com Ênfase em Direito Internacional pela Must University. Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Metodologia do Ensino da Filosofia pela Universidade Gama Filho. Especialista em Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Público Contemporâneo pela Faculdade São Vicente. MBA em Administração e Gestão Pública pelo Centro Universitário Maurício de Nassau. Graduado em Licenciatura em Filosofia e Bacharelado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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