Com certa frequência somos consultados acerca da possibilidade da doação de bens imóveis de avós direto para netos, mesmo existindo filhos desses doadores ainda vivos. A intenção pode ser muito boa (como por exemplo evitar Inventários e seus custos elevados como impostos, registros etc) e alguns cuidados devem ser observados para se evitar que uma solução não acabe se tornando um problema. A doação de avós diretamente para netos não é proibida no ordenamento jurídico brasileiro, mas - doação que é - deve respeitar as regras do Código Civil que tratam tanto do contrato de Doação (art. 538 e seguintes) quanto com relação à questão da legítima (art. 1.846/1.847), regras de direitos sucessórios.
Chamamos de "herdeiros necessários" aqueles que têm direito a uma parte legítima da herança, que não pode ser disposta livremente pelo doador. São esses herdeiros os descendentes (filhos, netos), ascendentes (pais, avós) e o cônjuge (e também o companheiro de União Estável). A legítima corresponde a 50% do patrimônio do doador, que deve ser reservada para esses herdeiros. Dessa forma, ao realizar uma doação, os avós devem garantir que não estão prejudicando a legítima dos filhos, que são herdeiros necessários. Se a doação for feita prejudicando a legítima teremos o que se designa como "doação inoficiosa".
Para que a doação direta aos netos seja feita de forma segura e dentro da legalidade, é fundamental que os avós respeitem o limite disponível para doação, que é de até 50% do seu patrimônio, de forma a não comprometer a legítima dos necessários. Há quem considere que uma forma de tentar evitar disputas e garantir a validade da doação seria obtendo o consentimento expresso dos filhos, que são os herdeiros necessários - porém nem sempre esse consentimento poderá ser obtido e muitas vezes é justamente isso que se pretende evitar; os casos envolvendo transmissões patrimoniais entre FAMILIARES são sempre os mais complexos justamente por conta desses delicados detalhes. Outro ponto crucial a se considerar é que na doação o consentimento não é item a se reclamar, como acontece na venda de ascendente para descendentes.
É importante que a doação seja formalizada por Escritura Pública, observadas as regras legais (art. 541 c/c art. 108 do CCB). A Escritura Pública pode ser feita em qualquer Cartório de Notas e hoje em dia pode ser feita até mesmo de forma inteiramente on-line, sem a necessidade de comparecimento presencial ao Tabelionato, inclusive. Cumprindo a regra do art. 1.245 do CCB, também este tipo de doação deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis (RGI) para que tenha efeito perante terceiros:
"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis".
Por fim, é extremamente aconselhável que os avós consultem um Advogado Especializado para orientá-los sobre o processo de doação (que pode inclusiver incluir cláusulas muito importantes como REVERSÃO, INCOMUNICABILIDADE, INALIENABILIDADE entre outras) e assegurar que todos os aspectos legais sejam observados. O Advogado pode auxiliar na assessoria jurídica completa e alinhada com os interesses das partes, garantindo que a doação seja feita de forma válida e eficaz, respeitando os direitos de todos os envolvidos e evitando riscos de anulação futura - especialmente alertando sobre os riscos da PRESCRIÇÃO que podem acabar impedindo que a doação inoficiosa seja anulada, como exemplifica com acerto da decisão recente do TJAM que manteve a decisão do Juízo originário que reconheceu a ocorrência da PRESCRIÇÃO em relação ao pedido de declaração de nulidade de doações que já tinham expirado o prazo decenal (art. 205 do CCB):
"TJAM. 4003016-37.2022 .8.04.0000. J. em: 14/05/2024. AGRAVO DE INSTRUMENTO. (...) AÇÃO ANULATÓRIA DE DOAÇÃO INOFICIOSA. PRESCRIÇÃO DECENAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. TERMO INICIAL. REGISTRO DO ATO QUE SE PRETENDE ANULAR. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ já consolidou entendimento no sentido de que a ação de nulidade de doação inoficiosa se submete a prazo vintenário, se regida pelo CC/1916, ou decenal, se regida pelo CC/2002, razão pela qual descabe a tese de ausência de prazo, prescricional ou decadencial, para que se questione judicialmente a doação inoficiosa (REsp n . 1.933.685/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 31/3/2022). 2. No mesmo sentido, esclareceu o STJ que, no caso de ação anulatória de doação inoficiosa, o prazo prescricional, seja vintenário ou DECENAL, conta-se a partir do REGISTRO do ato jurídico que se pretende anular ( AgInt no AREsp n. 1.915.717/SC, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 19/10/2022), entendimento que está assentado em um dos principais pilares norteadores do sistema registral, qual seja, o princípio da publicidade, segundo o qual o registro por si só é capaz de gerar presunção de conhecimento por todos os interessados. 3. Recurso conhecido e não provido".