Introdução
A Lei de Improbidade Administrativa (LIA), reformada pela Lei 14.230/2021, trouxe alterações significativas na responsabilização de agentes públicos. Uma das principais mudanças foi a exclusão da improbidade culposa, estabelecendo que apenas condutas dolosas podem ser punidas na esfera administrativa.
No entanto, essa mudança gera questionamentos sobre a efetividade da responsabilização do agente e a recuperação de prejuízos ao erário. Diante desse novo cenário, o direito de regresso com base no Código Civil surge como uma alternativa para a preservação dos cofres públicos.
Este artigo explora as consequências dessa mudança e analisa as possíveis implicações práticas e administrativas.
Responsabilidade Civil do Estado e do Agente Público
O artigo 37, §6º, da Constituição Federal estabelece que a responsabilidade do Estado é objetiva, ou seja, basta a existência de um dano causado por um agente público no exercício de suas funções para que o Estado tenha o dever de indenizar terceiros prejudicados.
No entanto, o mesmo dispositivo assegura o direito de regresso contra o agente causador do dano, desde que seja comprovada sua culpa ou dolo.
Essa previsão constitucional é complementada pelo Código Civil, especialmente pelos artigos 927, parágrafo único, e 934. O primeiro artigo determina que a responsabilidade civil pode ser reconhecida mesmo nos casos de culpa grave, enquanto o segundo permite ao Estado cobrar do agente os valores pagos a título de indenização a terceiros prejudicados.
Exclusão da Culpa na Improbidade Administrativa e seus Reflexos
A reforma da LIA eliminou a improbidade culposa, exigindo dolo para que um agente seja responsabilizado. Essa mudança pode dificultar a recuperação de valores mal aplicados por negligência ou imperícia, pois, mesmo que um gestor tenha causado danos ao erário por imprudência, ele não poderá ser punido por improbidade.
Esse novo cenário pode gerar desafios significativos para a gestão pública, uma vez que erros administrativos graves podem deixar de ser sancionados com a mesma intensidade de antes.
Contudo, a responsabilidade civil continua existindo. O artigo 186 do Código Civil determina que todo aquele que causa dano a outrem, por ação ou omissão, com dolo ou culpa, comete ato ilícito. Dessa forma, mesmo que o agente seja absolvido na esfera administrativa, ele ainda pode ser responsabilizado civilmente pelos prejuízos causados.
Implicações Práticas e Administrativas
A retirada da improbidade culposa da LIA pode impactar diretamente a conduta dos servidores e a gestão dos recursos públicos nos seguintes aspectos:
O Possível relaxamento no zelo administrativo exigindo apenas o dolo pode gerar um sentimento de menor responsabilidade entre os agentes, especialmente em decisões de grande impacto financeiro.
Dificuldade de fiscalização pelos órgãos de controle, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério Público, podem encontrar dificuldades para responsabilizar agentes que, embora tenham causado prejuízos ao erário, não tenham agido com dolo comprovado.
Com a exclusão da improbidade culposa, a busca pelo ressarcimento dos cofres públicos pode migrar para a esfera cível, aumentando a pressão sobre o Judiciário para decidir sobre a aplicação do direito de regresso.
Diante desses desafios, algumas medidas podem mitigar os riscos decorrentes dessa mudança:
Primeiramente, o refinamento dos critérios para aplicação do direito de regresso, como por exemplo, regulamentações mais detalhadas podem definir quando e como a administração deve acionar seus agentes para reaver prejuízos.
Ademais, o fortalecimento dos mecanismos de compliance no setor público, junto a isso, desenvolvimento de políticas de governança e treinamento de servidores podem reduzir erros administrativos.
Por fim, a ampliação da cultura de responsabilização, embora a improbidade culposa tenha sido excluída, é possível reforçar a fiscalização interna e a responsabilidade civil dos agentes públicos.
Conclusão
A reforma da LIA trouxe maior segurança jurídica para agentes públicos, mas também aumentou o risco de impunidade em casos de negligência grave.
A responsabilização civil permanece como um importante instrumento para garantir a recuperação de valores desviados ou mal geridos. No entanto, sua efetividade dependerá de como o Estado utilizará o direito de regresso e de como os órgãos de controle se adaptarão a esse novo cenário.
Portanto, há um desafio para a Administração Pública e o Poder Judiciário na busca por um equilíbrio entre a proteção ao erário e a segurança jurídica dos servidores. No futuro, o debate sobre a responsabilização do agente público pode levar a novas interpretações jurisprudenciais e até mesmo a ajustes legislativos para corrigir eventuais lacunas deixadas pela reforma da LIA.