Poucos sabem, ou talvez ninguém, quanto já custou, e quanto custará, a aventura político-cultural de construir uma “nova” sede do Museu da Imagem e do Som (MIS) na Avenida Atlântica 1. Uma ideia de aparente brilho e estardalhaço político, porém sem qualquer planejamento, sem estudos técnicos 2, ou estofo financeiro. E, neste último item, o custo financeiro é a carga, ainda em aberto, deixada pelo governador da época para pagamento pelos fluminenses de todo o Estado.
Não foi possível descobrir o valor do projeto, pago a um escritório de arquitetura americano, vencedor de uma licitação relâmpago 3. Também não conseguimos apurar, até o momento, o custo da obra feita, nem quanto custará até ser finalizada, questão, inclusive, apontada pela grande mídia 4. E, para completar, não se sabe se será possível colocar no novo Museu da Imagem e do Som o acervo fonográfico do antigo MIS, por conta da maresia do local 5, fato este apontado pelo Conselho de Cultura à época, mas desprezado pelos deslumbrados administradores.
Passados quase 15 anos do início da “aventura”, a conta só aumenta, e curiosamente, em sede judicial, a questão do preço da desapropriação ainda está, pasmem (!), em aberto e em discussão. Vejamos a extensão deste poço sem fundo.
Em 2008, em plena euforia de preparação da Copa e das Olimpíadas, o Governo do Estado anunciou que iria desapropriar a boate Help, em plena Avenida Atlântica, na Zona Sul do Rio, para ali fazer a nova sede do MIS 6. À época, a mídia destacou que o valor do imenso imóvel (terreno com cerca de 1600 m2) estaria estimado em cerca de R$ 13 milhões 7, pelo seu domínio útil, já que o imóvel é foreiro à União Federal.
Contudo, qualquer administrador sabe que no caso de um imóvel especial como aquele, o valor é sempre uma incógnita, e qualquer proprietário certamente tiraria o máximo proveito daquela situação única. Portanto, como era de se esperar, o preço a ser pago pelo Estado se tornou uma discussão judicial, processada na 9ª Vara da Fazenda Pública 8, tendo como réu (dono do imóvel) um espólio de uma pessoa física.
Logo, no pedido, pelo Estado, de imissão na posse (2009) o valor prévio subiu para R$ 18.842.000,00, valor este que foi depositado, para que o Estado pudesse entrar no imóvel como se seu fosse (se imitir na posse), o que foi feito.
Passados 15 (quinze) anos, e muitas perícias, muito recentemente – em 11.11.2024, saiu a sentença de 1º grau (que poderá ser revista em 2º grau), fixando o valor total da desapropriação em R$ 39.488.073,00 em valores de 2014 9! Ou seja, este valor deverá ser corrigido, pelos valores da SELIC até 2024, ou até quando houver a sentença transitado em julgado, se houver recurso de 2º grau. A este valor deverá ser descontado o que já foi depositado pelo Estado (também corrigido), mas acrescido de juros compensatórios, e despesas processuais e honorários de advogado. Veja o que diz o Juízo na sentença:
“c) Condenar o expropriante a pagar o valor de R$ 39.488.073,00 (trinta e nove milhões, quatrocentos e oitenta e oito mil e setenta e três reais), a título de justa indenização, valor este encontrado pelo Perito Judicial para novembro de 2014 (pdf. 830) e que deverá ser corrigido monetariamente a partir da referida data, com juros a partir do trânsito em julgado da presente sentença, uma única vez, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente - vedada a incidência de juros compostos, bem como a incidência de qualquer outro índice;
d) Condenar o expropriante a pagar juros compensatórios desde 09/01/2010 (data da imissão na posse conforme termo de entrega do imóvel e imissão na posse de pdf 424), no percentual de 6% ao ano. A base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença entre o valor correspondente a 80% do preço ofertado e o valor fixado nesta sentença.
Condeno o expropriante ao pagamento das despesas processuais, devendo ser observada a isenção legal e de honorários advocatícios que fixo em 1% (um por cento) sobre o valor da diferença da indenização e do preço ofertado (§1o do artigo 27 do Decreto-Lei n° 3.365, de 21/06/41, com a redação dada pela Medida Provisória no 2.183-56, de 24.08.2001).”
Portanto, a história do custo da desapropriação ainda não terminou. A quanto subirá o preço desta desapropriação, com SELIC, juros, custas e honorários? Lembro que na nossa legislação não temos, como na Colômbia, a possibilidade de contenção do preço pelo chamado “anúncio de projeto”, dispositivo a que nos referimos no blog passado 10.
Terminou a gestão política de quem teve a ideia supostamente brilhante, e terminou também a responsabilidade administrativa e financeira do gestor público, autor desta ideia! Ficou a conta, a pagar, pelo povo fluminense que, a esta altura, nem poderá mais devolver o imóvel ao seu antigo proprietário para evitar arcar com esta fatura. Esta é a regra jurídica para a presente situação!
Talvez fique, ao menos, o nosso aprendizado, de não se iludir com anúncios de projetos supostamente maravilhosos, espetaculares ou mirabolantes, mas vazios de diagnósticos, vazios de estudos técnicos, vazios de planejamento e estofo financeiro que os custeie. Talvez, algo possa ser alterado na Lei de Responsabilidade Fiscal para que os gestores não deixem estas despesas futuras nas contas a pagar de futuras gerações.
O que este caso nos mostra é que os administradores passam e a conta fica. E, enquanto isso, os casarões do Rio histórico desabam; e, pelo visto, não por falta de dinheiro público.
Notas:
1 https://diariodorio.com/museu-da-imagem-e-do-som-vira-o-ainda-estou-aqui-de-copacabana/#goog_rewarded
2 https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=546828&pesq=%22museu%20da%20imagem%20e%20do%20som%22&pasta=ano%20200&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=2318
3 https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.122/3
4 https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/04/com-obra-atrasada-em-dez-anos-mis-do-rio-enferruja-antes-de-ser-inaugurado.shtml
5 https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/04/com-obra-atrasada-em-dez-anos-mis-do-rio-enferruja-antes-de-ser-inaugurado.shtml
6 e 7 https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3105200906.htm
8https://www.escavador.com/processos-judiciais/013xxxx-9520088190001-3044ce6956
9 Pela calculadora on line, o valor corrigido de 2014 a 2024, só de incidência da SELIC, sobre para muito mais do dobro do valor arbitrado. ]
10 Ver blog em https://diariodorio.com/sonia-rabello-o-cenario-do-vencedor-do-oscar-cabe-desapropriacao/