O Estatuto das Estatais (Lei nº 13.303/2016) caracteriza o sistema de registro de preços (SRP) como um procedimento auxiliar das licitações empreendidas por empresas públicas e sociedades de economia mista (art. 63, III).
O art. 66. da Lei nº 13.303/2016 estabelece que: o registro de preços deverá ser precedido de ampla pesquisa de mercado; a seleção do fornecedor dos bens e serviços contidos na ata de registro de preços (ARP) se dê de acordo com os procedimentos previstos em regulamento; as estatais adotem uma rotina obrigatória de controle e atualização periódicos dos preços registrados; que a validade do registro seja definida e haja a inclusão, na respectiva ata, do registro dos licitantes que aceitarem cotar os bens ou serviços com preços iguais ao do licitante vencedor na sequência da classificação do certame, assim como dos licitantes que mantiverem suas propostas originais.
Por fim, o art. 66. do marco legal das licitações e contratos das estatais ainda dispõe que a existência de preços registrados não obriga as empresas públicas e sociedades de economia mista a firmarem os contratos que deles poderão advir, sendo facultada a realização de licitação específica, assegurada ao licitante registrado preferência em igualdade de condições.
Já a Nova Lei Geral de Licitações e Contratos – NLGLC (ou Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA), no glossário do seu art. 6º, define o SRP como o “conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras” e a ARP como “documento vinculativo e obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, no qual são registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no edital da licitação, no aviso ou instrumento de contratação direta e nas propostas apresentadas”.
Tal glossário da Lei nº 14.133/2021 traz ainda outros conceitos caros ao funcionamento do SRP, a saber: órgão ou entidade gerenciadora (que é o órgão ou entidade da Administração Pública responsável pela condução do conjunto de procedimentos para registro de preços e pelo gerenciamento da ata de registro de preços dele decorrente); órgão ou entidade participante: (caracterizado como o órgão ou entidade da Administração Pública que participa dos procedimentos iniciais da contratação para registro de preços e integra a ata de registro de preços) e órgão ou entidade não participante (o “carona” foi definido como o órgão ou entidade da Administração Pública que não participa dos procedimentos iniciais da licitação para registro de preços e não integra a ata de registro de preços).
Tal como na Lei nº 13.303/2016, a NLLCA também caracteriza o SRP como um procedimento auxiliar das licitações (art. 78, IV).
Entretanto, o SRP dos demais órgãos e entidades da Administração Pública é, visivelmente, nos termos da NLLCA, muito mais detalhado que o SRP das empresas públicas e sociedades de economia mista.
Para tanto, basta dizer, por exemplo, que o SRP previsto na NLLCA exige que o órgão ou entidade gerenciadora realize procedimento público de intenção de registro de preços na fase preparatória do processo licitatório, algo que inocorre no SRP previsto no Estatuto das Estatais.
Mas, partindo da premissa que o fim do SRP não é o de simplesmente formar uma ARP e sim, por óbvio, o de viabilizar uma contratação, é preciso destacar que os contratos regidos pela Lei nº 14.133/2021 diferem dos contratos regidos pela Lei nº 13.303/2016.
Para não gastar muitas linhas com o tema, basta dizer que os contratos tutelados pela NLLCA permitem as seguintes condutas por parte do contratante: modificação/extinção unilateral; ocupação provisória de bens móveis e imóveis/utilização de pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato e aplicação da penalidade de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar, ao passo que os contratos submetidos ao regime do Estatuto das Estatais não permitem tais condutas por parte do contratante.
Mas, em que pesem as evidentes diferenças entre os SRPs e os próprios contratos, não é incomum o operador do direito administrativo se deparar com tentativas de: (i) empresas públicas e sociedades de economia mista aderirem à ARPs elaboradas por órgãos e entidades da administração direta e indireta sob o rito da Lei nº 14.133/2021 e (ii) órgãos e entidades da administração direta e indireta aderirem à ARPs elaboradas por estatais sob o rito da Lei nº 13.303/2016.
Nesse contexto, replicamos o questionamento do título: é possível a adesão de uma estatal, na condição de carona, à uma ARP elaborada por um órgão ou entidade da Administração Direta e Indireta e vice-versa?
Primeira corrente: Não é possível uma estatal aderir a uma ata de um órgão/entidade e vice-versa.
Como adiantado no intertítulo acima, para Ronny Charles, conforme se pode ver abaixo, a resposta ao questionamento do título é negativa:
“(...) De forma diversa do preconizado pela Lei nº 8.666/93, que estabelece uma relação contratual ‘verticalizada’, na qual a Administração Pública detém diversas prerrogativas extraordinárias ou extravagantes, na Lei das estatais (Lei nº 13.303/2016) a relação contratual sofre certa ‘horizontalização’, uma vez que boa parte das prerrogativas extraordinárias são suprimidas. Apesar de ser parecido com os demais, o SRP das empresas públicas e sociedades de economia mista (estatais) possui traços diferentes em relação ao SRP previsto na Lei 8.666/93 e não parece admissível permitir que um órgão submetido pelo ordenamento ao regime da Lei n. 8.666/93 firme contratações lastreadas no regime de contratação da Lei nº 13.303/2016. Da mesma forma não é admissível que um modelo de contratação lastreado na Lei nº 13.303/2016 seja subvertido, após a adesão, em um contrato regido pela Lei nº 8.666/93” (Torres, Ronny Charles Lopes de. Inviabilidade de adesão a Ata de Registro de Preços de Estatais por Órgãos da Administração Direta, Site do Professor Ronny Charles, 04 mai. 2023. ) 1
O entendimento do Professor Ronny Charles é o mesmo da Consultoria Jurídica da União (CJU/AGU), do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia e do Tribunal de Contas do Estado do Paraná:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS.LICITAÇÃO DE ESTATAL. ADESÃO SOLICITADA POR ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. DIVERGÊNCIA DE REGIMES JURÍDICOS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE.
I – Admitir a adesão a ata de estatais, lastreadas na Lei nº 13.303/2016, por órgãos da Administração Pública Direta, significaria dispor discricionariamente do regime jurídico definido pelo legislador para os contratos administrativos.
II – Não é admitida a adesão, por parte de órgãos públicos da Administração Direta Federal, a atas de registro de preços gerenciadas por empresas públicas e sociedades de economia mista, cujas contratações decorrentes sejam lastreadas na Lei nº 13.303/2016” (Parecer n.º 00002/2022/COORD/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU)
"Nos processos de contratações regidos pelo Sistema de Registro de Preços, desencadeados por sociedade de economia mista e empresa pública, apenas podem aderir/participar outras empresas estatais, assim como essas só estão autorizadas por lei a aderirem exclusivamente a atas de outras estatais. Tal entendimento origina-se do fato de que os órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional ao realizarem o processo de contratação mediante o Sistema de Registro de Preços, serão disciplinados pelas normas da Lei nº 8.666/93, conjugada com a Lei nº 10.520/02 e das demais normas gerais de citações e contratos. Já as empresas estatais (sociedade de economia mista e empresa pública), por força do mandamento constitucional previsto no art. 173,§1º, inciso III, da Constituição Federal, possuem regramento próprio, qual seja, Lei nº 13.303/2016, especificamente, o art. 66, §1º" (TCM/BA, Parecer nº 02307-19, Processo nº 16883e19)
“(...) as empresas estatais poderão adotar a regulamentação do Sistema de Registro de Preços realizada pelo Poder Executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios na condição de participantes (aquele que integra e faz parte desde logo da formação da ata) e não como aderente (aquele que adere posteriormente à ata – carona)” (TCE/PR, Acórdão nº 1656/23 - Tribunal Pleno, Processo nº: 35624/17 (Consulta), Relator: Conselheiro Jose Durval Mattos do Amaral)
Segunda corrente: É possível uma estatal aderir a uma ata de um órgão/entidade e vice-versa.
Por outro lado, o também professor José Anacleto Abduch Santos admite que estatais adiram à ARPs da Administração Direta e Indireta e vice-versa desde que o gerenciador promova uma configuração conjunta e compartilhada da ARP:
“Não há autorização legal expressa, portanto, para que haja adesão a uma ata de registro de preços editada por órgão ou entidade integrante da Administração direta, autárquica ou fundacional por parte de empresa estatal, e vice-versa. Além desta disposição normativa limitadora do alcance do instituto da adesão, deve ser considerada, também, a natureza jurídica dos contratos celebrados pelas empresas estatais em contraste com aqueles celebrados pelos órgãos e entidades integrantes da Administração direta. (...) Não obstante estas disposições normativas, tem sido editadas normas (decretos regulamentadores) e regulamentos internos dispondo expressamente sobre a possibilidade jurídica de adesão, por parte de empresas estatais a atas de registro de preços gerenciadas por órgão ou entidade integrante da Administração Direta e vice-versa. Em que a inexistência de autorização legal para a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade da Administração direta por parte de empresa estatal e vice-versa, é de se admitir a configuração conjunta e compartilhada de um registro de preços. Nesta hipótese, o gerenciador (empresa estatal ou órgão ou entidade integrante da Administração Direta) e participantes (igualmente empresa estatal ou órgão ou entidade integrante da Administração Direta), em conjunto, configuram o modelo conjunto de registro de preços. Esta configuração conjunta do registro de preços deverá contemplar e considerar (i) a diferença de regime jurídico aplicável; (ii) atender às exigências específicas de planejamento e da etapa preparatória para cada integrante do registro futuro; (iii) ajustar a etapa de seleção – licitação – a modelo que se ajuste às exigências legais recíprocas; (iv) a necessidade de instrumento convocatório, e de minuta de contrato ajustados à cada regime jurídico específico. Resultado desta peculiar formação de registro de preços é a celebração de duas atas de registro de preços distintas, uma aplicável para as empresas estatais participantes, e outra para os órgãos e entidades integrantes da Administração Direta” (Santos, José Anacleto Abduch. Sistema de Registro de Preços nas Empresas Estatais, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 06 jun. 2024. ) 2
Pelo menos com relação à adesão dos órgãos e entidades às ARPs das estatais, o entendimento de José Anacleto Abduch Santos é o mesmo do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco e da Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco:
"Nos pregões eletrônicos realizados com base na Lei nº 13.303/16 que permitam a participação de órgãos da Administração Direta e empresas estatais, as especificidades dos regimes jurídicos a que estão vinculados esses órgãos devem ser observados com a anexação de duas minutas contratuais distintas, uma com base na Lei nº 8.666/93 (ou na Lei nº 14.133/2021, observadas as regras de transição), e outra com fundamento na Lei nº 13.303/16" (TCE/PE, Acórdão nº 554/2023 - Segunda Câmara, Processo TCE-PE n° 21101097-2, Relator: Conselheiro Carlos Neves)
“(...) é vedada a adesão de órgão da administração direta, autárquica e fundacional a atas de registro de preços gerenciadas por empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham sido processadas de acordo com as regras da Lei nº 13.303/2016 dada a incompatibilidade do regime privatista e mais flexível adotado pelo estatuto das estatais com o regime contratual protetivo das Leis nº 8.666/93 e 14.133/2021. Situação diversa ocorre nas situações em que o procedimento licitatório realizado pela estatal segue as regras procedimentais da modalidade pregão instituída pela Lei Federal nº 10.520/2002, o edital admite a adesão à ata de registro de preços por órgãos e entidades públicas e conta, ainda, com minutas contratuais distintas destinadas à contratação de entidades regidas pelo regime publicista (Lei 8.666/93 e Lei 14.133/21) e pelo regime da Lei nº 13.303/2016. Referida possibilidade foi abordada no Parecer nº 352/2023, que, à luz dos preceitos da Lei Federal 14.133/2021 e dos Decretos Estaduais que regulamentam o registro de preços no Estado de Pernambuco (Decretos nº 42.530/2015 e 54.700/2023), concluiu inexistir barreiras legais e jurídicas para admissão da adesão de entidade da administração direta à ata gerenciada por empresa estatal quando preservados os preceitos públicos no processo de seleção do detentor da ata e no regime contratual posterior” (Boletim Informativo 06/2023 da Procuradoria Consultiva da PGE-PE)
Mas afinal, é possível a adesão de uma estatal, na condição de carona, à uma ARP elaborada por um órgão ou entidade da Administração Direta e Indireta e vice-versa?
Como tanto a Lei nº 13.303/2016 como a Lei nº 14.133/2021 impõem observância ao princípio da eficiência (arts. 31. e 5º), a segunda corrente exposta nesse texto (sobretudo no que diz respeito às lições de José Anacleto Abduch Santos) nos parece a mais correta, pois permite, a grosso modo e em última análise, que um único processo licitatório forme uma ARP que irá atender tanto os contratos a serem celebrados pelas estatais, quanto os contratos a serem celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta.
1 Disponível em: https://ronnycharles.com.br/inviabilidade-de-adesao-a-ata-de-registro-de-precos-de-estatais-por-orgaos-da-administracao-direta/. Acesso em: 18/03/2025
2Disponível em: https://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 18/03/2025