Regulamentação e governança
Conforme já dito acima, na atualidade os diversos governos internacionais encontram-se ainda em fase de implementação das regulamentações legais acerca das aplicações práticas e responsabilidades referentes as decisões tomadas pelos sistemas autônomos e inteligências artificiais, porém, devemos observar a existência de parâmetros pré-existentes que influenciam nestas regulamentações.
Conforme a Constituição Federal, nos deparamos com a previsão constitucional da proteção da automação, in verbis:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
Ocorre que mesmo após 35 anos de constituição o referido texto constitucional de eficácia limitada (sem aplicabilidade antes de sua regulamentação), ainda não foi regulamentada, o que impõe uma “nuvem negra” acerca das questões econômicas e futuras, já que a inteligência artificial possui um potencial absurdamente grande na substituição de mão de obra, inclusive, qualificada. Portanto, temos um desafio ético e econômico com os sistemas de IAs evoluindo rapidamente, impondo à Filosofia do Direito, os desafios na formulação das bases das regulamentações eficazes e justas para garantir um uso ético e seguro da tecnologia, inclusive no que se refere à economia e igualdade social.
Além das questões econômicos verificamos também as questões afetas aos direitos individuais e suas responsabilidades já que a tomada de decisões implica necessariamente em resultados, conforme nos explana Sichman (2021):
autonomia em relação às motivações: um agente autônomo é um agente que tem a liberdade de escolha para interagir socialmente. É a partir do conteúdo de seu estado mental que ele decide cooperar ou não, adotar objetivos de outros agentes ou não etc., como discutido em (Castelfranchi, 1990). Em outras palavras, o significado do termo significa que um agente não é necessariamente benevolente, podendo decidir atingir um objetivo ou não, cooperar com outros agentes ou não.
Neste norte, verificamos que a coleta maciça de dados pelas IAs levanta questões sobre privacidade e direitos individuais, além é claro, da responsabilidade civil pela prática de atos infringentes aos direitos dos cidadãos, conforme previsão do art. 927 do Código Civil: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Portanto, denota-se a existência de uma necessidade de regulamentação governamental das mais básicas questões éticas, tendo em vista que as inteligências artificiais se encontram em fase inicial de conhecimento acerca da “natureza humana” e portanto, é necessária treiná-las conforme parâmetros éticos, definindo suas responsabilidade na prática de atos que eventualmente venham a causar.
Conclusão
Conforme o que tudo exposto e do que se depreende da revisão bibliográfica realizada no presente estudo, os denominados sistemas autônomos e inteligências artificiais, são, sem sombra de dúvidas, uma nova realidade a ser abordada pela Filosofia do Direito, mormente diante das implicações éticas e morais de suas decisões.
Apesar do advento dos projetos de leis que regulamentam a atividade de tais novas tecnologias, é importante destacar que, tendo em vista ser uma discussão extremamente recente na História do Direito, existe uma necessidade constante e crescente de análise dos acadêmicos sobre as implicações filosóficas de tais tecnologias na sociedade, seja na criação de parâmetros para a construção de tais tecnologias (em suas implicações éticas e morais), mas também de suas responsabilidades.
Neste norte, demonstra-se que tais aplicações acima ditas não foge do crivo das filosofias tradicionais já enfrentadas pelo tempo, a exemplo dos ensinamentos aristotélicos, medievais e mesmo os contemporâneos, tendo em vista que foram eles os construtores dos atuais parâmetros éticos e morais da atualidade.
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