[04] abril 2025
Este texto tem como objetivo apresentar algumas reflexões a respeito do “relatório mensal das atividades do devedor” sob regime de recuperação judicial, comumente denominado de “RMA”.
Uma das responsabilidades do administrador judicial – que é órgão do processo e não administra, mas tão somente fiscaliza a atividade - é anexar mensalmente aos autos do processo o assim denominado “relatório mensal das atividades do devedor”, por força do art. 22, inc. I, letra “c”.
Cabe-lhe fiscalizar “a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor”, diz a lei.
A entidade recuperanda, por sua vez, deve apresentar as contas demonstrativas mensais ao administrador judicial (art. 52, inc. IV), sendo que tal documentação dará suporte ao aludido relatório2. Determina a lei que tal apresentação ocorra enquanto tramitar o processo de recuperação judicial (arts. 61. e 63), sob pena de destituição dos administradores da recuperanda3.
Destaque-se que a “destituição”, prevista na regra legal sob análise nada tem a ver com a excepcionalidade prevista no art. 64, que trata do afastamento dos gestores da empresa.
O agente econômico sob regime recuperatório judicial tem o dever, sob pena de destituição dos administradores, de apresentar as contas demonstrativas [informações contábeis, financeiras e operacionais] ao administrador judicial.
Este, por sua vez, elaborará relatório mensal das atividades do devedor e anexará aos autos do processo principal.
Escreve Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa acerca do relatório mensal as atividades do devedor e relatório acerca da execução do plano de reestruturação:
Trata-se de atribuição decorrente do direito de fiscalizar, a qual terá em vista, principalmente, as atividades comissivas e omissivas gerais do devedor, no primeiro caso, e daquelas especialmente ligadas ao cumprimento do plano de recuperação, no segundo 4
Um pequeno parênteses: a apresentação das contas demonstrativas e relatório mensal somente ocorrem em recuperação plenamente judicial, e não em recuperação extrajudicial, cujo regramento legal nada prevê a respeito.
Prosseguindo, consoante exposto, ao administrador judicial cabe, sob pena de responsabilização, fiscalizar a veracidade e conformidade das informações pelo recuperando apresentadas.
O administrador judicial não tem a função de auditar contas, mas cabe-lhe fiscalizar a atividade do devedor, conforme doutrina5.
Estabelece a lei que o relatório mensal deve ser juntado aos autos (art. 22, inc. II, letra “c”. A interpretação é de que a juntada há de ocorrer no processo de recuperação judicial.
Entrementes, quer-se crer que tal relatório deveria ser autuado em apartado, como “incidente” para não atravancar a marcha processual. Explica-se.
O relatório, elaborado com base na documentação disponibilizada pelo devedor, é apresentado em determinado dia do mês. Pode ser, em tese, que sejam necessárias informações, por parte do devedor (art. 22, inc. I, letra “d”).
A juntada da documentação aos autos do processo principal pode desencadear a necessidade de intimação da recuperanda para presentar esclarecimentos, inclusive pugnados pelo Ministério Público, bem como anexar documentos suplementares.
Ressalte-se que o processo de recuperação judicial deve observar os princípios da celeridade e da economia processual, de modo que eventuais inconsistências de informações, por exemplo, hão de ser perquiridas no incidente próprio, e não no âmbito do processo principal de recuperação.
Considerando que o relatório mensal da atividade econômica do devedor pode ensejar a necessidade de juntada de vários documentos, por parte do agente econômico recuperando, quer-se crer que o mais razoável seria a autuação em apartado de todos os relatórios mensais.
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A regra do art. 52, inc. IV é de que deverão ser apresentadas contas demonstrativas mensais, pelo devedor. A lei não esclarece a forma como serão tais contas, sendo que a doutrina é no sentido de que balancetes mensais devem ser encaminhados ao administrador judicial, bem como informações detalhadas e documentação correspondente [cabem informações operacionais, contábeis e financeiras].
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O art. 64. da Lei 11.101/05 estabelece determinadas situações concretas que podem determinar o afastamento dos gestores da empresa sob regime recuperatório. A regra é que os administradores permaneçam à frente da atividade do devedor, as exceções para afastamento constam do artigo legal em comento. Nessa esteira, entende Marlon Tomazette, discorrendo acerca do art. 52, inc. IV, que a menção a administradores aplica-se perfeitamente às sociedades empresária , mas não serve bem para o empresário individual. No caso destes, não vemos possiblidade de punição, porquanto não há como destituir o próprio devedor. Curso de direito empresarial, Volume 3: falência e recuperação de empresas. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 102. Acentua o mesmo autor, ao comentar o art. 64, que a não apresentação de contas mensais ensejará o afastamento dos administradores. Por outro lado, as contas com dados falsos também importará a destituição. Op. cit., p. 245. Acerca da destituição dos gestores da empresa: ABRÃO, Carlos H;. MARTINS, Lucilaine B. L. C.;CLARO, Carlos R. Destituição do devedor e remoção dos administradores e empresas em recuperação judicial. São Paulo: Quartier Latin, 2022.
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In – SOUZA JUNIOR, Francisco S.; PITOMBO, Antônio S.A. de M. (coordenação). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/05 – Artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 171,
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SACRAMONE, Marcelo B. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2022, p.176.