Introdução
O Direito Processual do Trabalho, embora fundamente-se nas regras gerais do processo civil, apresenta características próprias que visam assegurar maior efetividade na tutela dos direitos trabalhistas. Entre os pilares que sustentam sua estrutura normativa, destacam-se os princípios processuais, os quais orientam a atuação das partes e do magistrado ao longo do trâmite judicial. Os princípios dispositivo e inquisitivo assumem especial relevância no processo trabalhista, sobretudo em razão da incidência do princípio da proteção. O presente texto tem como objetivo examinar a aplicação e as exceções ao princípio da inércia no processo do trabalho, bem como a relevância e os limites da atuação judicial à luz do princípio inquisitivo, especialmente sob a ótica do princípio protecionista que rege o direito laboral.
O Princípio Dispositivo ou da Inércia no Processo do Trabalho
O princípio dispositivo, também denominado princípio da inércia da jurisdição, constitui um dos fundamentos estruturantes do ordenamento jurídico-processual. Conforme estabelece o art. 2º do Código de Processo Civil (CPC), o processo começa por iniciativa da parte. Dessa forma, como regra geral, a jurisdição deve permanecer inerte até que um sujeito legitimamente interessado provoque a atuação do Poder Judiciário, sendo vedado ao juiz instaurar demandas de ofício.
No âmbito do processo do trabalho, esse princípio também se aplica, de modo que o trabalhador, o empregador ou o Ministério Público do Trabalho (nas hipóteses legais) efetuam a iniciativa processual através da propositura da ação. Contudo, o princípio dispositivo sofre atenuações no direito processual laboral, em virtude de princípios específicos do processo do trabalho, notadamente o princípio da proteção. Com efeito, no Direito do Trabalho, as normas devem ser interpretadas de forma mais favorável ao empregado. Semelhantemente, o Direito Processual do Trabalho também orienta-se pelo princípio da proteção, que é implementada sob uma perspectiva instrumental, com o objetivo de assegurar a efetividade da tutela jurisdicional.
Exceções ao Princípio da Inércia no Processo do Trabalho
Um exemplo de mitigação do princípio dispositivo no processo trabalhista ocorre na fase de execução. Conforme o art. 878. da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o juiz ou o presidente do tribunal pode, de ofício, promover a execução de sentenças trabalhistas transitadas em julgado, desde que a parte interessada não esteja assistida por advogado. Tal prerrogativa justifica-se pelo interesse público na efetivação dos direitos sociais reconhecidos judicialmente. Ressalta-se, contudo, que, no caso da execução provisória, é necessário o requerimento da parte, conforme disposto no art. 520. do CPC, não podendo o magistrado iniciá-la de ofício.
Outro exemplo de atenuação do princípio da inércia é a reclamação trabalhista instaurada pelo juiz diante de ofício da Superintendência Regional do Trabalho (SRT), com base no art. 39. da CLT. Ocorre que, nessa hipótese, após a verificação de irregularidades nas anotações da Carteira de Trabalho e Previdência Social, a SRT encaminha o processo administrativo à Justiça do Trabalho, que deverá atuar quando se mostrar necessário o reconhecimento de vínculo empregatício ou o esclarecimento de outras questões trabalhistas.
O Princípio Inquisitivo no Processo do Trabalho
O princípio inquisitivo, ou do impulso oficial, contrapõe-se ao princípio dispositivo, conferindo ao juiz o dever de impulsionar o processo nos termos do art. 2º do CPC, que prevê que o processo, iniciado por provocação da parte, se desenvolve por impulso oficial.
No Direito Processual do Trabalho, o princípio inquisitivo também assume especial relevância, justamente em razão da aplicação do princípio da proteção.
Um exemplo a ser mencionado é o art. 765. da CLT, que confere ampla liberdade aos juízes e tribunais trabalhistas na condução do processo, autorizando-os a determinar diligências necessárias ao esclarecimento dos fatos e a garantir a celeridade processual. Esse dispositivo reforça o caráter instrumental protetivo do processo laboral, permitindo ao magistrado uma atuação mais ativa em prol da efetividade da jurisdição.
Outro momento de aplicação do princípio inquisitivo é na fase de instrução processual, quando o juiz deve conduzir o processo com liberdade para indicar as provas a serem produzidas, respeitando o ônus probatório de cada parte. Pode ainda limitar ou excluir as provas que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como apreciá-las considerando, de forma especial, as regras de experiência comum ou técnica, em conformidade com o art. 852-D da CLT. Tal disposição se harmoniza com o art. 370. do CPC, que estabelece ser competência do juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
Outrossim, os incisos II, III, IV, VI, VII, VIII, IX e X do art. 139. do CPC elencam medidas que operacionalizam o princípio inquisitivo na atuação judicial. Esses dispositivos autorizam, por exemplo, que o magistrado zele pela duração razoável do processo, reprima condutas abusivas, adote medidas coercitivas e indutivas, ajuste prazos processuais e ordene, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, entre outras providências. Tais normas são aplicáveis ao processo do trabalho nos termos do art. 769. da CLT e do art. 15. do CPC (ou seja, aplicam-se supletiva e subsidiariamente, pela existência de lacuna e pela ausência de incompatibilidade com a principiologia do processo laboral).
Conclusão
Embora o princípio da inércia processual prevaleça na fase inicial do processo do trabalho, a legislação processual trabalhista estabelece exceções relevantes. Essas flexibilizações decorrem do princípio da proteção do direito laboral, que impõe maior intervenção judicial com vistas a garantir a efetividade dos direitos trabalhistas e a proteção do trabalhador. Ademais, no Direito Processual do Trabalho, o princípio da proteção enseja uma aplicação peculiar do princípio inquisitivo, de modo a concretizar a concepção de que, no processo laboral, as partes são economicamente desiguais, exigindo do sistema jurídico uma proteção especial ao empregado.
BIBLIOGRAFIA:
MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 46ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 19ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.