A inconstitucionalidade da delação premiada na esfera do crime do colarinho branco

07/04/2025 às 14:44

Resumo:


  • O trabalho aborda a delação premiada e sua inconstitucionalidade no contexto do crime do colarinho branco.

  • Destaca-se a importância de discutir a presença da delação premiada na legislação brasileira e suas consequências.

  • O texto apresenta argumentos contrários à delação premiada, questionando sua ética e sua adequação aos princípios constitucionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O presente trabalho propõe fazer uma abordagem do instituto da delação premiada e sua inconstitucionalidade no que tange ao crime do colarinho branco. A escolha do tema deve-se ao interesse nas notícias relacionadas a crimes praticados por políticos e empresários nos jornais e televisão do Brasil. Tem-se como objetivo discorrer sobre o crime do colarinho branco, abordar a delação premiada e sua presença na legislação brasileira e apresentar as razões para que se defenda a sua inconstitucionalidade.

Palavras-chave: Crime do colarinho branco; Delação premiada; Inconstitucionalidade.

SUMÁRIO: Introdução. 1.O crime do colarinho branco. 2.A delação premiada . 3. A inconstitucionalidade da delação premiada . 4. Conclusão . 5.Referências bibliográficas


INTRODUÇÃO

As principais notícias dos jornais e televisão no Brasil estão relacionadas a crimes praticados por políticos e empresários, os quais, na área do direito penal, são chamados de crimes do colarinho branco (“White Collar Crime”). Os crimes do colarinho branco possuem forte influência sobre a moral social e sobre a estrutura econômica da sociedade, pois subtraem recursos destinados ao desenvolvimento social, como educação, saúde, moradia e cultura. Tais crimes causam prejuízos maiores do que os crimes considerados de criminalidade comum, pois há uma quebra de confiança depositada no agente, e como resultado, a vulnerabilidade do sistema econômico e, em muitos casos, a própria estrutura política do Estado. Considerando o que preceitua a Constituição Federal Brasileira de 1988, faz-se necessária uma análise da constitucionalidade do instituto da delação premiada para obtenção de provas, no que tange aos crimes do colarinho branco.


O Crime do Colarinho Branco

A expressão "white collar crime" foi usada pela primeira vez em 1940 por Edwin Sutherland, durante um discurso na American Sociological Association. Sutherland1 define o Crime do Colarinho Branco como um delito praticado por uma pessoa respeitada e com alto status social em sua ocupação. Dessa forma, o conceito do crime do colarinho branco tem relação com o dinheiro, a educação, o status, mas cada um deles em grau relativo, pois o fator essencial é o poder. Além disso, ele afirma que a noção de crime do colarinho branco está desassociada à pobreza, pois ocorre fora dela e das patologias sociais e biológicas associadas a ela. O estudo realizado por Sutherland aborda a dificuldade de se identificar a dimensão do dano causado pelo criminoso do colarinho branco, pois as consequências podem atingir uma sociedade inteira, mas de maneira indireta. Como exemplo, pode-se citar a falta de investimentos em políticas públicas em razão da prática de crimes de corrupção por agentes da administração pública.

Duas características são marcantes nos chamados "crimes do colarinho branco": a privilegiada posição social do autor e a estreita relação da atividade criminosa com sua profissão. O primeiro escândalo que veio à tona no noticiário brasileiro foi o “Mensalão”, um esquema ilegal de financiamento político organizado, principalmente, pelo Partido dos Trabalhadores (“PT”), para corromper parlamentares e garantir apoio ao governo de Luiz lnácio Lula da Silva (“Lula”), então Presidente da República, junto ao Congresso Nacional. O Supremo Tribunal Federal foi o órgão competente para julgar os delitos praticados por esses criminosos, por se tratarem de delitos praticados por políticos com foro privilegiado.

A operação Lava Jato, iniciada em 2009 e deflagrada em março de 2014, é considerada hoje a maior operação de combate à corrupção e lavagem de dinheiro já realizada no país. O “Petrolão” foi um esquema bilionário de corrupção na Petrobrás, ocorrido durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, envolvendo grandes empresas públicas e privadas do país e políticos de diversos partidos.

Segundo o Ministério Público Federal, o esquema fazia uso de fraudes em licitações, com grandes empresas organizadas em cartel, as quais pagavam propina a diretores e gerentes da empresa e a diversos agentes públicos. Segundo levantamentos da Petrobrás, eram realizadas negociações com dispensa de etapas relevantes, aditivos desnecessários e com valores excessivos, além do vazamento de informações sigilosas.

De acordo com os depoimentos dos envolvidos, a campanha de Dilma recebeu dinheiro roubado da Petrobrás para a sua eleição em 2010 e 2014. O doleiro Alberto Youssef afirma que Dilma e Lula conheciam o esquema de roubo da Petrobrás. A presidente Dilma participava do conselho da Petrobrás na época da compra da refinaria de Pasadena, a qual é investigada pela Lava Jato por ter sido adquirida por um preço muito acima do seu valor de mercado.

Outro famoso caso foi o da construtora Odebrecht, cujo presidente, Marcelo Odebrecht, foi preso preventivamente e depois condenado a 19 anos de prisão. A empresa tinha um departamento específico para o pagamento de propinas e utilizava apelidos para esconder a identidade dos beneficiários. De acordo com reportagem da revista Época, Lula também foi investigado pelo Ministério Público Federal por tráfico de influência internacional para favorecer contratos da Odebrecht no exterior e por facilitar empréstimos do BNDES para a mesma empreiteira.

Outros casos ficaram famosos no Brasil, entre eles, o do banqueiro Salvatore Cacciola responsável pelo escândalo do banco Marka, e que fugiu para a Itália, seu país natal, graças a um habeas corpus concedido pelo ministro do STF, Marco Aurélio de Mello. Outro caso é o do empresário Pedro Paulo de Souza, ex-proprietário da falida construtora Encol, que deixou 45 mil mutuários sem casa. A Operação Satiagraha, da Polícia Federal, objetivou combater crimes de colarinho branco.

Os criminosos do colarinho branco, portanto, não são delinquentes comuns, que podem ser encontrados principalmente nas classes menos favorecidas e, mais raramente, também nas camadas mais altas da sociedade. O criminoso de colarinho branco pode, eventualmente, praticar os mesmos delitos cometidos pelos homens das classes menos favorecidas, mas estes nunca podem praticar um crime de colarinho branco, haja vista sua própria definição.

A diferenciação da lei quanto aos crimes de colarinho branco se dá por três fatores, “o status de homem de negócios, a tendência normal de estar longe de punições, e a pouca expressividade da comoção pública contra os crimes de colarinho branco”. Para os criminosos de colarinho branco a lei é vista de tal forma:

A lei é como uma teia de aranha: é feita para mosquitos e insetos pequenos, por assim dizer, mas deixa o grande zangão passar direto. Quando deparo com o tecnicismo da lei no meu caminho, sempre sou capaz de removê-los facilmente. (SUTHERLAND, 2015, p.101)

David O. Friedrichs também diferenciou os criminosos do colarinho branco dos outros criminosos, quanto aos seus perfis. Ele estuda a natureza jurídica do crime do colarinho branco e o que diferencia o criminoso do colarinho branco de outras pessoas não criminosas com o mesmo status social, concluindo, resumidamente, que as pessoas se relacionam de forma diferente com a oportunidade de delinquir (FRIEDRICHS, 2010).

Em outras palavras, durante o curso de uma atividade em que participa, o criminoso do colarinho branco analisa uma oportunidade de praticar um crime por meio de questões como a dimensão do ganho, a dimensão do risco, a compatibilidade com seus ideais e valores e a comparação com outras oportunidades legítimas e ilegítimas.

Apesar de já existir legislação que regula e sanciona esses tipos de delitos, ainda há dificuldade na identificação desses criminosos, por ser muito difícil arrecadar provas suficientes para um decreto condenatório e questionamentos sobre as penas atualmente aplicadas.

A Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/1998), aprimorada pela Lei nº 12.683/2012, prevê, em seu art. 1º, § 5º, a redução da pena de um a dois terços e a possibilidade de ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la (perdão judicial) ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

A atual Lei de Organizações Criminosas diversificou e ampliou o benefício concedido ao delator, que pode ter como prêmio, dependendo dos efeitos do ato, a isenção de pena pelo perdão judicial ou até mesmo a exclusão do processo. Sua aplicação ganhou notoriedade graças aos escândalos do “Mensalão” e da “Operação Lava Jato”.

O ordenamento jurídico brasileiro contempla um amplo número de leis que tratam do tema corrupção, em seu sentido lato como, por exemplo: O Código Penal nos seus artigos 317 e 333 quando tratam da corrupção passiva e ativa, respectivamente; a própria Lei dos crimes Colarinho Branco, sob o número 7.492/86; a Lei que transforma o CADE em autarquia (Lei nº 8.884/94); a Lei de Criação do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Lei nº 9.613/98); Lei que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei 9.605/99), entre outras.

Além dessas, surgiram duas Leis com promessa de rigor ao crime de corrupção, a Lei Complementar 135/2010, a Lei da “Ficha Limpa” e a Lei nº 12.527/11, a Lei da Transparência. A primeira incluiu causas de inelegibilidade relacionadas à condenação criminal, cassação de mandato, rejeição de contas, quebra de decoro parlamentar, aposentadoria compulsória, prática de abuso de poder político, econômico ou dos meios de comunicação, expulsão de conselhos profissionais, demissão do serviço público, improbidade administrativa e realização de doações ilegais. Já a Lei da Transparência regulamenta o direito constitucional dos cidadãos de terem acesso às informações públicas que não sejam sigilosas. De acordo com essa lei, uma série de dados deve ser disponibilizada à população, mesmo que não haja requerimento expresso no sentido de obtenção destes dados (BRÜGGEMANN, 2013. p. 113).

O Brasil possui leis contra a corrupção, entretanto sua aplicação fica prejudicada na prática, tendo em vista a existência de lacunas que as tornam impraticáveis. Isso se deve ao desinteresse e ausência de vontade política de promover mudanças para alteração dessas práticas.

O Senador Pedro Simon, um homem de “colarinho branco”, publicou uma obra pelo Senado Federal intitulada “A impunidade veste colarinho branco”, em que relata que a impunidade é a grande vilã que alimenta a crescente prática desse crime.

Eu tenho absoluta certeza de que, finda a impunidade, teremos outro país. Exatamente o país que queremos. O dinheiro da corrupção tem mais dígitos à direita do que o necessário para alavancar o nosso desenvolvimento com distribuição de renda. Condições não nos faltam. Temos os recursos naturais mais importantes do planeta. Os minerais mais estratégicos, o maior rio, a maior floresta, todos os microclimas. [...] A impunidade é a principal avalista da corrupção. A mesma corrupção responsável pela falta de recursos nas filas dos hospitais, pela escuridão do analfabetismo, pelo martírio da fome e pela guerra civil não declarada da violência. Tivessem corruptores e corruptos sido alcançados como manda a lei, seria outra a realidade brasileira, sem tantas mazelas sociais, sem tamanhos contrastes, estampados nas estatísticas que nos colocam no rodapé dos índices de distribuição de renda em todo o planeta. (SIMON, 2010, p. 10-12).

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Hoje em dia o meio corporativo busca estabelecer códigos de ética empresarial dentro de suas empresas, na tentativa de modificar seus valores e criar uma nova cultura, como forma de incentivar seus funcionários a não praticarem crimes do colarinho branco. Apesar de ser difícil identificar a diferença entre um ato ético e não ético, existem alguns termos globais que são considerados éticos para todos e podem ser aplicados em qualquer lugar do mundo.


A delação premiada

A delação premiada (mais precisamente colaboração premiada) é um benefício legal concedido a um investigado, a um réu, ou mesmo a um condenado numa ação penal que aceite colaborar na investigação criminal, podendo delatar seus comparsas, o que pode lhe render em contrapartida um lenimento da pena. Esse benefício é previsto em diversas leis brasileiras.

Segundo Andreucci (2018) a colaboração premiada é utilizada para apontar a delação ou a incriminação realizada pelos integrantes que colaboram na conduta delituosa, expondo a infidelidade referente aos associados. De outra forma, o indivíduo que nunca tenha colaborado com o ato infracional será meramente um atestador.

A delação premiada, cuja conduta ética do delator causa polêmicas, chegando a ser questionada e até criticada, tem suas origens, no direito brasileiro, desde as Ordenações Filipinas. Em função de sua ética questionável, tal procedimento acabou sendo abandonado pelo ordenamento pátrio, ressurgindo em época mais recente, em 1.990, com a Lei de Crimes Hediondos. A partir de 1.990, com a previsão do instituto da delação premiada na Lei de Crimes hediondos, vários outros diplomas passaram a prevê-lo, tais como: a antiga Lei de Crime Organizado (Lei 9.034/95), Código Penal (no crime de extorsão mediante sequestro), Lei de lavagem de Capitais (Lei 9.613/98), Lei de Proteção às Vítimas e testemunhas (Lei 9.807/99) e Lei de Drogas (Lei 11.343/06).

No Brasil, a primeira lei que disciplinou de forma expressa o instituto da delação premiada foi a Lei nº 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos), que, em seu art. 8º, parágrafo único, estabelecia que o participante que denunciasse à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, teria pena reduzida de um a dois terços.

A recente Lei 12.850/13 se propôs a definir organização criminosa, dispondo, também, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado nos casos. Dentre os meios de obtenção de prova consagrados nesta Lei está a delação premiada. Assunto recorrente nos noticiários nacionais, este instituto penal tem se mostrado um instrumento eficaz no enfrentamento ao crime organizado, sobretudo em relação a crimes contra a ordem econômico-financeira nacional.

Segundo o parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 12.850/13:

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Renato Brasileiro de Lima (2015, p.524) define a colaboração premiada,

Espécie do direito premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.

Rieger imputa que a delação premiada se trata de instituto antiético e imoral: A maioria dos juristas reconhece, contudo, que a delação sempre mostra ausência de freios éticos. Apesar disso, alguns aceitam sua aplicação, pois a consideram um mal necessário. Em suma, a delação premiada é um instituto polêmico. É inegavelmente antiético e imoral e não se coaduna com os princípios consagrados na Constituição da República. Deveria, portanto, ser expurgado do Ordenamento Jurídico brasileiro (RIEGER, 2008, p. 10).

Há uma grande discricionariedade no ordenamento jurídico brasileiro no que tange à delação premiada, visto que não existe um diploma legal que trate especificamente de tal instituto, definindo competências e impondo limites tanto para o que pode ser feito, como também para o que não pode. “Após quatro anos de vigência da Lei 12.850/2013, é preciso fazer uma avaliação da sua eficácia, impacto e, principalmente, das distorções práticas” (LOPES JR. e MORAIS).


A inconstitucionalidade da delação premiada

Falcão Júnior defende a constitucionalidade da delação premiada, pois em sua visão, “a delação premiada seria mais um instrumento posto para servir à construção cênica do processo, empenhando-se o legislador em criar novo mecanismo para resguardar os bens jurídicos penais” (FALCÃO JÚNIOR, 2011, p.19).

A delação premiada, se feita corretamente, poderia ser de grande valor para as investigações criminais, por levar à destruição de organizações criminosas, além da recuperação de bens que de outra forma dificilmente seriam encontrados.

Entretanto, uma das grandes discussões gira em torno da inconstitucionalidade dos acordos assinados, pelas ofensas aos direitos e garantias fundamentais que conteriam. Ao analisarmos o artigo 4º da Lei 12.850/13, verificamos as inúmeras irregularidades na formulação dos acordos de delação que compõem a lei, visto que os dispositivos preveem a renúncia aos direitos e garantias constitucionais, em especial, como descrito em seu parágrafo 14: nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso de dizer a verdade (BRASIL, 2013).

Neste sentido, muitos doutrinadores fazem uma forte crítica quanto ao uso do instituto da delação premiada, por entenderem que sua aplicação violaria a Constituição Federal. Argumentam que a delação premiada seria um meio de formalizar a traição e criticam essa institucionalização, pois o Estado estaria incentivando o comportamento antiético e imoral do delator, que de alguma forma trai seus comparsas para em troca receber benefícios legais pela concessão das informações prestadas (MIRANDA, 2017).

Inconstitucional também exigir que um investigado seja obrigado a dizer a verdade. Num acordo de colaboração premiada, ao assumir o compromisso legal de dizer a verdade, se o julgador entender que a confissão do acusado não foi válida, este terá produzido provas contra sua própria pessoa, o que lhe seria prejudicial, além de incorrer em crime de falso testemunho.

No processo penal não existe qualquer amparo constitucional a premissas consideradas verdadeiras, assim, todas as declarações devem ser submetidas ao contraditório e ampla defesa, até que se tornem provas (FILOMENO, 2017).

A esse respeito, surge interessante posição contrária à delação premiada, sustentada em sua inconstitucionalidade, de nomes como Jacinto Nelson de M. Coutinho2, o qual sustenta que tal instituto ofende a Constituição da República nos seus princípios básicos, tais como devido processo legal, moralidade pública, ampla defesa e contraditório e proibição de provas ilícitas.

Não se pode abrir mão de direitos fundamentais. A tentativa de implantar um instrumento nos moldes atuais é incompatível com o direito brasileiro. A própria Constituição dispõe sobre a impossibilidade, por exemplo, de reformas que tenham o objetivo de suprimir direitos e garantias fundamentais (Art. 60, 4º, IV, da CF/88).

O instituto da delação premiada deve ser submetido aos dispositivos constitucionais, adequando-se aos princípios fundamentais do Estado de Direito, sendo vedado qualquer tipo de vantagem que não esteja prevista em lei. “É terminantemente proibida a promessa e/ou a concessão de vantagens desprovidas de expressa base legal” (CANOTILHO e BRANDÃO (2017, p. 147).

O Estado, visando privilegiar um direito penal mínimo e garantista, preservando as garantias individuais postas na Constituição Federal, não pode incentivar, premiar condutas que ofendam a ética, ainda que ao final a sociedade se beneficie dessa violação. Em outras palavras, num Estado que proclame pelos ideais da democracia, os fins jamais poderão justificar os meios, mas justamente são estes que emprestam legitimidade àqueles (BAPTISTA, 2018).

Na grande maioria dos acordos celebrados, as autoridades responsáveis pela investigação e acusação se valem das promessas de prêmios para obterem as provas que precisam, e condicionam a liberdade do indivíduo à delação que se obtiver dele.


CONCLUSÃO

Embora a delação premiada venha sendo muito utilizada no Brasil, sob o argumento de combate à criminalidade, sua aplicabilidade ainda é muito questionada, haja vista que seus acordos são maculados pela inconstitucionalidade em alguns aspectos.

O modo com que o atual sistema penal brasileiro lida com os crimes de colarinho branco é imoral e afrontoso para a sociedade, haja vista que este mesmo sistema trata com muito mais rigor os autores de crimes comuns.

As garantias constitucionais não podem ser renunciadas, especialmente em se tratando de delação premiada. O Estado deve buscar maneiras de combater a criminalidade, sem ofender as garantias previstas na Constituição, as quais devem ser respeitadas e observadas a todo momento.

Concluindo, a delação premiada é um instituto jurídico inconstitucional, por ir de encontro aos ideais que permeiam o ordenamento jurídico brasileiro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAPTISTA, Bruno de Souza Martins. A inconstitucionalidade da delação premiada no Brasil. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14848/a-inconstitucionalidade-da- delacao-premiada-nobrasil. Acesso em 10 de novembro de 2018.

BRAGA, Rômulo Rhemo Palitot. Fenômeno da lavagem de dinheiro e bem jurídico protegido. Curitiba: Juruá, 2010.

BRASIL, Lei 12.850 de 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil

BRÜGGEMANN, Henrique Gualberto. O espetáculo da corrupção: o corrupto como produto. Florianópolis: UFSC, 2013. 193. f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. Programa de Pós-Graduação em Direito.

CANOTILHO, J. J. Gomes; BRANDÃO, Nuno. Colaboração premiada: reflexões críticas sobre os acordos fundantes da Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 133, ano 25, p. 133-171. São Paulo: Ed. RT, jul. 2017.

COUTINHO, Jacinto Nelson. Delação Premiada: posição contrária. In Carta Forense, São Paulo: maio de 2014.

FALCÃO JÚNIOR, Alfredo Carlos Gonzaga. Delação premiada: constitucionalidade e valor probatório. Revista Custos Legis - Ministério Público Federal, vol. 3, ano 2011.

FILOMENO, Bruna Weiss. Colaboração Premiada no crime organizado: uma análise sobre sua (in)constitucionalidade. 1ª. ed. Florianópolis: Habitus, 2017.

FRIEDRICHS, David O. Trusted Criminals: White Collar Crime in Contemporary Society, 4th Edition, 2010.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Atual, 2014.

LOPES JR., Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. LIMITE PENAL. Qual é a proposta indecente que torna viável a delação premiada? Consultor Jurídico, 03 fev. 2017.

MIRANDA, Lury Mayra Amorim. A leitura ética da colaboração premiada como instrumento probatório na credibilidade processualística penal. dez 2017.

SIMON, Pedro. A impunidade veste colarinho branco. Brasília : Senado Federal, 2010.

SUTHERLAND, E. H. Crime de Colarinho Branco: versão sem cortes. Trad. Clécio Lemos. Rio de Janeiro: Revan, 2015 (Pensar Criminológico).


01 SUTHERLAND, Edwin H. Crime de colarinho branco: versão sem cortes. Rio de Janeiro: Revan, 2015. p. 34

02 Delação premiada: posição contrária. Texto de Jacinto Nelson de M. Coutinho, extraído do Jornal Carta Forense de maio de 2014, visualizado em www.cartaforense.com.br/conteúdo/artigos/delação- premiada-posiçãocontrária/13613 visualizado em 10/09/2021.


ABSTRACT

The present work proposes to approach the institute of the awarded whistleblower and its unconstitutionality regarding the white collar crime. The choice of theme is due to the interest in news related to crimes committed by politicians and businessmen in newspapers and television in Brazil. The aim is to discuss the crime of white collar, address the awarded denunciation and its presence in Brazilian legislation an present the reasons for defending its unconstitutionality.

Key words : White-collar crime, Winning Statement, Unconstitutionality.

Sobre o autor
Edward Müller Pickler

Bacharel em Direito. Escritor de obras jurídicas em Direito Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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