A Ordem dos Advogados do Brasil, entidade de classe incumbida da fiscalização e regulação do exercício da advocacia no país, encontra-se hoje no centro de um intenso debate. Longe de ser apenas uma instituição representativa da classe, a OAB assumiu, ao longo do século XXI, um papel ambíguo e, para muitos, prejudicial à própria profissão que deveria proteger. Este artigo analisa os principais fatores do declínio da advocacia brasileira, resultado direto de políticas institucionais equivocadas, omissas ou corruptas implementadas pela própria Ordem.
1. A Proliferação Desenfreada de Cursos de Direito e a Degradação da Formação Jurídica
A primeira e talvez mais grave falha da OAB neste século foi sua inércia em relação à proliferação de cursos de Direito no Brasil. Embora a Lei nº 8.906/94 — o Estatuto da Advocacia — tenha conferido à OAB um papel relevante na avaliação da qualidade do ensino jurídico, a entidade se manteve passiva diante da abertura desenfreada de faculdades.
Hoje, o Brasil abriga mais de 1.800 cursos de Direito, concentrando mais da metade dos cursos jurídicos do planeta. A OAB, ainda que promovesse o Exame de Ordem como suposto filtro de qualidade, não se opôs de forma contundente à abertura indiscriminada de instituições privadas voltadas mais à arrecadação do que à formação acadêmica. A consequência foi a precarização do ensino, formando milhares de bacharéis sem a mínima estrutura para o exercício da advocacia.
2. Ausência de Representatividade Legislativa
Outro ponto nevrálgico está na omissão da OAB no Congresso Nacional. Em vez de mobilizar sua expressiva base e influência política para pressionar por projetos de lei que garantissem maior dignidade à profissão, a instituição optou por um papel figurativo. A advocacia segue desprovida de prerrogativas eficazes e de proteção legal condizente com sua função essencial à Justiça.
Enquanto outras categorias profissionais, como médicos, engenheiros e policiais, obtiveram significativos avanços legislativos, a advocacia permaneceu à margem, sem qualquer política pública voltada à valorização da carreira. Não há política de remuneração mínima, não há piso nacional, tampouco qualquer regulação que coíba a mercantilização dos serviços jurídicos.
3. A Política do Lucro: Arrecadação em Detrimento da Qualidade
A OAB, ao longo dos anos, priorizou o aumento do número de inscritos em detrimento da qualidade da profissão e do mercado. O foco passou a ser a arrecadação de anuidades e taxas de inscrição, transformando a entidade em um verdadeiro órgão paraestatal, com estruturas luxuosas, sedes monumentais e gastos que não se refletem em benefício concreto aos advogados, e mais se assemelham ao próprio Estado.
A advocacia brasileira tornou-se, então, um mercado hiperinflacionado de profissionais, disputando clientes à margem da dignidade, muitas vezes com honorários aviltantes, sem qualquer suporte institucional real da OAB, mas apenas figurativo e midiático. A lógica de crescimento ilimitado da base de inscritos serviu apenas para inflar os cofres da instituição, não para fortalecer a classe.
4. Politização e Subserviência ao Judiciário
Um dos aspectos mais sensíveis da crítica à OAB reside em sua crescente politização e alinhamento ao Poder Judiciário. Em vez de se firmar como defensora autônoma e intransigente dos advogados e da Constituição, a entidade se tornou, em muitos casos, um apêndice político dos tribunais em esfera estadual e federal.
Dirigentes da Ordem, ao buscarem aproximação com o Judiciário, muitas vezes agem em benefício de seus próprios escritórios ou de grupos de interesse. Casos de favorecimento em processos judiciais, trocas de favores e perseguição a advogados combativos e éticos têm sido denunciados por profissionais em todo o país, sem que a OAB tome qualquer providência efetiva.
Essa promiscuidade institucional mina a confiança da advocacia e coloca em risco o próprio Estado Democrático de Direito, uma vez que a defesa independente de cidadãos contra arbitrariedades judiciais passa a ser obstaculizada por interesses corporativos, não à toa, assistimos horrorizados os festivais de abusos e arbitrariedades cometidos pelo STF.
5. Falta de Controle Quantitativo e de Políticas de Sustentabilidade da Profissão
Por fim, destaca-se a total ausência de uma política institucional voltada à regulação do mercado e à melhoria das condições de vida do advogado. Não há qualquer medida de contenção da super oferta de profissionais, nem iniciativas que assegurem um mínimo de estabilidade ou dignidade àqueles que já militam há décadas.
O resultado é um cenário de precarização generalizada, onde milhares de advogados enfrentam desemprego, inadimplência, e perda de credibilidade, abdicando da profissão e seu aprimoramento para se dedicarem à profissões mais rentáveis, transformando a advocacia em uma profissão de "castas" elegível e plena à poucos privilegiados da elite que contam com bons contatos no Judiciário, arremessando a meritocracia e boa capacidade técnica de profissionais mais novos e humildes no lixo (que contudo, também pagam anuidade). A profissão, que já foi símbolo de prestígio e respeito social, hoje é vista por muitos como um caminho incerto e desgastante, diante da concorrência predatória e da completa falta de apoio institucional.
Conclusão
A OAB, por ação ou omissão, abandonou sua missão histórica de defesa da advocacia. Optou por uma postura arrecadatória, politizada e conivente com os interesses do poder, em prejuízo direto da base que a sustenta: os advogados.
Se a advocacia brasileira enfrenta hoje um dos piores períodos de sua história, é em grande parte por responsabilidade de sua própria entidade representativa. A Ordem, em vez de proteger a profissão, contribuiu decisivamente para o seu enfraquecimento.
Reverter esse quadro exigirá mais do que reformas administrativas. Será necessário reconstruir a OAB desde suas bases, resgatando seus princípios fundacionais de independência, ética e defesa intransigente da classe. Caso contrário, o risco de um colapso definitivo da advocacia brasileira se tornará uma triste realidade.