Resumo
O presente artigo tem por objetivo examinar, sob a perspectiva do Direito Educacional, as reiteradas prorrogações promovidas pelo Ministério da Educação (MEC) no tocante à implementação do novo marco regulatório da educação a distância (EaD). Parte-se da análise dos fundamentos jurídicos e princípios constitucionais da Administração Pública, notadamente os da eficiência, da legalidade e da segurança jurídica, além do princípio da confiança legítima. Também se discutem os impactos institucionais nas Instituições de Ensino Superior (IES), sobretudo em termos de planejamento acadêmico e financeiro, e os riscos advindos da indefinição normativa para a oferta regular de cursos. Por fim, explora-se a existência ou ausência de normas específicas que regulem o atraso na publicação de atos infralegais no âmbito federal.
Palavras-chave: Educação a distância. Marco regulatório. Prorrogação. Direito educacional. Segurança jurídica.
INTRODUÇÃO
A educação a distância (EaD) no Brasil consolidou-se como uma estratégia de ampliação do acesso ao ensino superior, atingindo números expressivos de matrículas. Diante desse crescimento, tornou-se imprescindível uma revisão normativa mais atualizada, a ser conduzida pelo Ministério da Educação (MEC), de modo a garantir padrões de qualidade, credenciamento adequado e equilíbrio entre inovação e regulação.
No entanto, desde 2024, o MEC tem reiteradamente prorrogado o prazo para a divulgação do novo marco regulatório da EaD. Essa indefinição normativa vem gerando instabilidade jurídica e administrativa para as instituições educacionais, que continuam operando com base em normativas anteriores, enquanto aguardam por diretrizes que impactarão significativamente sua estrutura e funcionamento.
HISTÓRICO DAS PRORROGAÇÕES
A primeira previsão oficial de divulgação do novo marco constava da Portaria MEC nº 528/2024, publicada em 6 de junho de 2024, estabelecendo o prazo final de 31 de dezembro de 2024. Tal prazo foi prorrogado pela Portaria MEC nº 195/2025, de 7 de março de 2025, que o estendeu até 10 de abril de 2025 ou até a publicação da regulamentação.
Mais recentemente, a Portaria MEC publicada em 8 de abril de 2025 ampliou esse prazo para 10 de maio de 2025. Tais prorrogações somam ao menos três atos formais em menos de um ano, sem que se tenha, até o momento, a publicação definitiva da nova regulamentação.
IMPACTOS SOBRE AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO
As Instituições de Ensino Superior (IES) têm mantido sua operação com base na Portaria Normativa MEC nº 11/2017 e nos referenciais de qualidade ainda vigentes. No entanto, a constante prorrogação do novo marco tem gerado:
• Incerteza quanto à continuidade dos cursos já ofertados;
• Dificuldade de planejamento acadêmico, especialmente sobre a estrutura curricular e o papel dos polos de apoio presencial;
• Dúvidas sobre a necessidade de investimentos urgentes em infraestrutura, tecnologia e capacitação docente;
• Risco de inadimplemento futuro, caso novas exigências sejam impostas com pouca antecedência.
A previsibilidade normativa é condição fundamental para a governança educacional. Conforme Covac (2019), a segurança jurídica na regulação educacional não se restringe à existência de normas, mas à sua publicidade, clareza e aplicabilidade.
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A LEGALIDADE DAS PRORROGAÇÕES
O caput do artigo 37 da Constituição Federal estabelece como princípios da Administração Pública, entre outros, a legalidade, a eficiência e a publicidade. A postergação indefinida da regulamentação da EaD suscita violação especialmente ao princípio da eficiência, ao se constatar a morosidade administrativa na entrega de uma política pública essencial.
Além disso, a ausência de definição normativa vulnera o princípio da segurança jurídica e o da proteção da confiança legítima. Segundo Garcia (2012), a confiança do administrado na estabilidade das normas administrativas é um elemento estruturante do Estado Democrático de Direito.
AUSÊNCIA DE REGRA ESPECÍFICA SOBRE ATRASO NORMATIVO
A legislação brasileira não dispõe de norma específica que puna o atraso na edição de atos normativos por parte do Executivo. Todavia, o Decreto nº 9.191/2017 impõe diretrizes de racionalidade e agilidade à elaboração de normas federais. A Lei Complementar nº 95/1998, ao regulamentar a redação das leis, impõe que sua vigência seja prevista com razoabilidade, justamente para que os destinatários possam se preparar para seu cumprimento.
Quando a Administração se omite de modo reiterado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário para compelir o Executivo a regulamentar matérias de sua competência (ADI 2347, Rel. Min. Gilmar Mendes).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As sucessivas prorrogações do prazo para publicação do novo marco regulatório da EaD indicam uma omissão que, embora formalmente legitimada por portarias, desestabiliza o sistema de ensino superior privado e compromete o princípio da confiança. A regulação da EaD não pode ser concebida como um processo discricionário e indeterminado, mas como um dever público, regido pela legalidade, eficiência e transparência.
A previsibilidade da ação estatal é fundamental não apenas para a conformidade legal, mas para a viabilidade operacional de centenas de IES, que precisam se organizar com segurança quanto ao futuro dos cursos e à sustentabilidade de seus projetos educacionais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 09 abr. 2025.
BRASIL. Decreto nº 9.191, de 1º de novembro de 2017. Estabelece as normas para elaboração e tramitação de atos normativos no âmbito da Administração Pública federal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 09 abr. 2025.
BRASIL. Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 09 abr. 2025.
COVAC, José Roberto. Segurança jurídica na regulação educacional. São Paulo: Fórum, 2019.
GARCIA, Maria. Direito Educacional: temas e debates. São Paulo: Saraiva, 2012.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2347. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ 26/09/2003.