Capa da publicação “Não é frescura, é sagrado”: igreja e futebol
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“Não é frescura, é sagrado”: a igreja e a proteção jurídico-penal contra manifestações discriminatórias

14/04/2025 às 15:42
Leia nesta página:

O discurso simbólico viola a liberdade religiosa e a dignidade dos fiéis. Árbitro de futebol pode ser punido por crime de intolerância religiosa?

Resumo: O presente artigo analisa a infeliz declaração de um árbitro de futebol, transmitida em rede nacional, que relaciona a Igreja a uma atitude de “frescura”, evidenciando conteúdo discriminatório e desrespeitoso. A fala do árbitro não apenas desqualifica um espaço de culto e devoção, mas também atinge diretamente a comunidade cristã, violando o direito à liberdade religiosa e a dignidade de seus fiéis. À luz do ordenamento jurídico brasileiro, investiga-se a possibilidade de enquadramento penal por injúria qualificada e ofensa ao sentimento religioso. O texto propõe uma reflexão crítica sobre os limites da liberdade de expressão no contexto do respeito às instituições sagradas e religiosas.

Palavras-chave: Liberdade religiosa; Injúria qualificada; Discriminação; Direito penal; Igreja; Sentimento religioso.


1. INTRODUÇÃO

Em 6 de abril de 2025, durante a 2ª rodada do Campeonato Brasileiro no estádio Beira-Rio, o árbitro de uma partida entre Internacional e Cruzeiro foi flagrado em uma conversa pré-jogo com jogadores, momento em que proferiu a frase: “é futebol, não igreja; então, sem frescura”. A fala, captada por um canal de televisão e veiculada em rede nacional, foi amplamente criticada por setores religiosos e sociais por seu caráter discriminatório e ofensivo.

A presente análise busca interpretar juridicamente a gravidade da manifestação, demonstrando que não se trata apenas de uma opinião infeliz, mas de uma possível violação ao ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo em relação à proteção penal da liberdade religiosa e da honra dos fiéis.


2. FUNDAMENTOS JURÍDICOS

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 140, § 3º, trata da injúria qualificada quando motivada por elementos discriminatórios, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou com deficiência. A redação é clara:

“§ 3º - Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes religião ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.”

Além disso, o artigo 208 do Código Penal também pode ser invocado:

“Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.”

A fala do árbitro configura uma agressão simbólica ao templo sagrado da Igreja, violando princípios constitucionais como o da liberdade religiosa (art. 5º, VI, da Constituição Federal), além de ferir o respeito devido aos símbolos e práticas de fé da comunidade cristã.


3. ANÁLISE CRÍTICA

A afirmação proferida pelo árbitro de futebol transcende o limite da liberdade de expressão e adentra o campo da agressão simbólica e do discurso de ódio. Ao desqualificar a Igreja como espaço de “frescura”, o agente não apenas rebaixa um ambiente sagrado, mas também incide negativamente sobre todos os que professam sua fé naquele espaço.

Trata-se de um gesto de desprezo à religiosidade alheia, proferido por figura de autoridade esportiva, em ambiente de grande visibilidade, e, portanto, com poder de reverberação social. Em tempos de acirramentos ideológicos e intolerâncias crescentes, a naturalização de discursos como esse é perigosa e contrária aos pilares da convivência democrática.

É preciso reconhecer que a Igreja, como templo de oração e comunhão com o divino, possui papel essencial na estrutura social, espiritual e cultural de milhões de brasileiros. O desprezo a essa instituição é desprezo à própria pluralidade religiosa que marca o Estado laico brasileiro.


4. CONCLUSÃO

À luz do ordenamento jurídico vigente, e com base na hermenêutica constitucional, é inegável que a declaração do árbitro configura grave agressão ao templo sagrado da Igreja, local de reunião dos cristãos para falar com Deus, espaço de fé, esperança e consolo espiritual. Não se trata apenas de uma estrutura física, mas de uma representação simbólica que transcende o visível e materializa a presença do sagrado na Terra.

A declaração infeliz, ofensiva e preconceituosa, divulgada em rede nacional, extrapola o campo da informalidade e da crítica e adentra o domínio penal, podendo configurar o crime de injúria qualificada e ofensa ao sentimento religioso, ambos previstos no Código Penal. A fala atinge não só a edificação física da Igreja, mas também a honra subjetiva dos fiéis, cuja dignidade e devoção foram ridicularizadas em espaço de ampla visibilidade.

É imperativo frisar: igreja não é frescura. É lugar sagrado. É templo de fé. É casa de Deus. E por isso, merece o mais absoluto respeito jurídico, social e humano. A desqualificação desse espaço constitui não apenas ato de intolerância, mas verdadeira violência simbólica contra toda a comunidade cristã. O Direito, enquanto instrumento de justiça e proteção dos bens jurídicos mais valiosos, não pode se omitir diante de tamanha afronta.

Diante da gravidade do episódio protagonizado por um árbitro de futebol impõe-se uma reflexão profunda sobre os limites da liberdade de expressão, o dever de respeito às instituições e a responsabilidade de quem ocupa posições públicas de influência. A igreja, enquanto espaço sagrado, não pode jamais ser tratada com desdém, ironia ou escárnio. Desqualificá-la publicamente, ainda que sob o pretexto de uma analogia infeliz, não é apenas um ato de desrespeito — é um atentado contra a fé, contra a identidade de milhões de brasileiros e contra os pilares civilizatórios que sustentam nossa convivência.

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Em uma sociedade que almeja justiça, inclusão e paz, não há espaço para manifestações que desonrem o sagrado e estimulem a intolerância. É no culto, na liturgia e na fé que muitos encontram consolo, direção e dignidade. Reduzir esse universo a um símbolo de fraqueza ou de “frescura” é não apenas um ultraje — é uma injúria que deve ser exemplarmente punida. Pois se o futebol é paixão, a igreja é salvação. Se o gramado inspira o grito da torcida, o altar inspira o silêncio da alma em oração.

E que se saiba: o altar não é palco de escárnio. É terra santa. E quem o profana, mesmo com palavras, deve enfrentar o juízo da lei e da consciência coletiva. Porque onde houver desrespeito à fé, haverá resistência. Onde houver preconceito, haverá luta. E onde houver injúria, haverá justiça.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2023.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: abr. 2025.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: abr. 2025.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2022.

O presente texto passou por ajustes estruturais e terminológicos para fins de adequação técnica e argumentativa. Fonte: ChatGPT.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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