Violência doméstica e o porte de arma: Retrocesso legislativo e a fragilidade do estado na proteção da vítima

14/04/2025 às 21:42
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Resumo :

O presente artigo analisa criticamente o Projeto de Lei nº 3272/2024, que propõe a autorização do porte de arma de fogo para mulheres sob medida protetiva de urgência. A proposta legislativa, embora alegadamente voltada à proteção da mulher, evidencia a falência do Estado na garantia de sua segurança, transferindo-lhe o dever de autodefesa com o uso de armamento letal. O texto discute os riscos e limitações dessa abordagem, destacando que o enfrentamento da violência doméstica requer políticas públicas efetivas, estruturadas em mecanismos de proteção reais e sustentáveis, e não em soluções paliativas e perigosas. A conclusão sustenta que armar a vítima representa uma omissão do poder público e um atentado à dignidade humana.

Palavras-chave:

Violência doméstica; Porte de arma; Medida protetiva; Direito das mulheres; Ineficácia estatal; Estatuto do Desarmamento.


INTRODUÇÃO:

A violência doméstica no Brasil permanece como uma das formas mais cruéis de violação dos direitos humanos, afetando mulheres de todas as idades e classes sociais. Diante da escalada de feminicídios e agressões no ambiente familiar, o Estado tem sido reiteradamente cobrado por sua inércia. Em resposta a essa pressão, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 3272/2024, que propõe a concessão de porte de arma de fogo para mulheres sob medida protetiva de urgência.

Apesar de parecer uma solução emergencial de proteção, a proposta escancara a ineficácia estatal em garantir a segurança da mulher, transferindo para a vítima a responsabilidade de sua própria defesa. Este artigo visa examinar os aspectos jurídicos, sociais e humanos da proposta, com ênfase nas implicações negativas de tal medida.


FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:

O PL nº 3272/2024 propõe a alteração da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), ao permitir o porte de arma de fogo para mulheres sob medida protetiva. O art. 6º do Estatuto estabelece restrições rígidas à concessão de porte, reservado a determinadas categorias profissionais. A redação do PL, ao inserir as vítimas de violência doméstica no mesmo patamar de agentes estatais armados, revela descompasso técnico e normativo.

É possível reconhecer a necessidade de proteção dessas mulheres, especialmente frente ao elevado índice de feminicídios, mas o legislador deveria buscar alternativas alinhadas ao ordenamento jurídico vigente e à doutrina dos direitos humanos, conforme preceitua a Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil. A alteração sugerida — transferir o dispositivo para o art. 10. do Estatuto — ainda que corrija tecnicamente a proposta, não elimina a questão de fundo: a tentativa de substituir o aparato estatal por uma política armamentista individualizada.

Além disso, a flexibilização da idade mínima para o porte de arma contraria o princípio da razoabilidade e coloca em risco a integridade física e emocional da mulher. Dados indicam que a maior vulnerabilidade à violência está justamente entre os 18 e 29 anos. Contudo, conceder a jovens emocionalmente abaladas o direito de portar armas representa uma potencial tragédia anunciada, considerando a falta de preparo psicológico, técnico e financeiro.


CONCLUSÃO:

A concessão de porte de arma para mulheres sob medida protetiva, embora revestida de um discurso de proteção, revela-se uma política pública perigosa, frágil e tecnicamente equivocada. O Estado brasileiro, ao propor tal medida, assume sua incapacidade de proteger as vítimas e delega-lhes a tarefa de garantir a própria sobrevivência, colocando uma arma em mãos já marcadas pelo trauma da violência.

Portar arma de fogo exige equilíbrio emocional, treinamento técnico e responsabilidade — elementos ausentes em contextos de violência doméstica, onde o medo, a insegurança e o abalo psicológico são constantes. Ao invés de fortalecer as redes de apoio, a legislação proposta aposta em uma perigosa transferência de responsabilidade.

Trata-se, portanto, de uma inequívoca demonstração da fraqueza do Estado em sua função constitucional de garantir segurança, integridade e dignidade à mulher. A medida em análise não apenas ignora as reais necessidades das vítimas, como também escancara o colapso das políticas públicas de proteção. O enfrentamento à violência contra a mulher deve ser feito com políticas efetivas de prevenção, amparo, fiscalização e punição dos agressores — e não com o incentivo ao armamento de quem mais precisa de acolhimento e proteção.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm e define crimes. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2003.

BRASIL. Projeto de Lei nº 3272, de 2024. Altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para permitir o porte de arma de fogo a mulheres sob medida protetiva de urgência.

BRASIL. O presente texto passou por ajustes estruturais e terminológicos para fins de adequação técnica e argumentativa. Fonte: ChatGPT. Acesso em 13 de abril de 2025

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Atlas da Violência 2023.

ONU MULHERES BRASIL. Violência contra a mulher: causas, consequências e formas de enfrentamento. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará, 1994.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

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