Resumo :
O presente artigo analisa criticamente o Projeto de Lei nº 3272/2024, que propõe a autorização do porte de arma de fogo para mulheres sob medida protetiva de urgência. A proposta legislativa, embora alegadamente voltada à proteção da mulher, evidencia a falência do Estado na garantia de sua segurança, transferindo-lhe o dever de autodefesa com o uso de armamento letal. O texto discute os riscos e limitações dessa abordagem, destacando que o enfrentamento da violência doméstica requer políticas públicas efetivas, estruturadas em mecanismos de proteção reais e sustentáveis, e não em soluções paliativas e perigosas. A conclusão sustenta que armar a vítima representa uma omissão do poder público e um atentado à dignidade humana.
Palavras-chave:
Violência doméstica; Porte de arma; Medida protetiva; Direito das mulheres; Ineficácia estatal; Estatuto do Desarmamento.
INTRODUÇÃO:
A violência doméstica no Brasil permanece como uma das formas mais cruéis de violação dos direitos humanos, afetando mulheres de todas as idades e classes sociais. Diante da escalada de feminicídios e agressões no ambiente familiar, o Estado tem sido reiteradamente cobrado por sua inércia. Em resposta a essa pressão, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 3272/2024, que propõe a concessão de porte de arma de fogo para mulheres sob medida protetiva de urgência.
Apesar de parecer uma solução emergencial de proteção, a proposta escancara a ineficácia estatal em garantir a segurança da mulher, transferindo para a vítima a responsabilidade de sua própria defesa. Este artigo visa examinar os aspectos jurídicos, sociais e humanos da proposta, com ênfase nas implicações negativas de tal medida.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
O PL nº 3272/2024 propõe a alteração da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), ao permitir o porte de arma de fogo para mulheres sob medida protetiva. O art. 6º do Estatuto estabelece restrições rígidas à concessão de porte, reservado a determinadas categorias profissionais. A redação do PL, ao inserir as vítimas de violência doméstica no mesmo patamar de agentes estatais armados, revela descompasso técnico e normativo.
É possível reconhecer a necessidade de proteção dessas mulheres, especialmente frente ao elevado índice de feminicídios, mas o legislador deveria buscar alternativas alinhadas ao ordenamento jurídico vigente e à doutrina dos direitos humanos, conforme preceitua a Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil. A alteração sugerida — transferir o dispositivo para o art. 10. do Estatuto — ainda que corrija tecnicamente a proposta, não elimina a questão de fundo: a tentativa de substituir o aparato estatal por uma política armamentista individualizada.
Além disso, a flexibilização da idade mínima para o porte de arma contraria o princípio da razoabilidade e coloca em risco a integridade física e emocional da mulher. Dados indicam que a maior vulnerabilidade à violência está justamente entre os 18 e 29 anos. Contudo, conceder a jovens emocionalmente abaladas o direito de portar armas representa uma potencial tragédia anunciada, considerando a falta de preparo psicológico, técnico e financeiro.
CONCLUSÃO:
A concessão de porte de arma para mulheres sob medida protetiva, embora revestida de um discurso de proteção, revela-se uma política pública perigosa, frágil e tecnicamente equivocada. O Estado brasileiro, ao propor tal medida, assume sua incapacidade de proteger as vítimas e delega-lhes a tarefa de garantir a própria sobrevivência, colocando uma arma em mãos já marcadas pelo trauma da violência.
Portar arma de fogo exige equilíbrio emocional, treinamento técnico e responsabilidade — elementos ausentes em contextos de violência doméstica, onde o medo, a insegurança e o abalo psicológico são constantes. Ao invés de fortalecer as redes de apoio, a legislação proposta aposta em uma perigosa transferência de responsabilidade.
Trata-se, portanto, de uma inequívoca demonstração da fraqueza do Estado em sua função constitucional de garantir segurança, integridade e dignidade à mulher. A medida em análise não apenas ignora as reais necessidades das vítimas, como também escancara o colapso das políticas públicas de proteção. O enfrentamento à violência contra a mulher deve ser feito com políticas efetivas de prevenção, amparo, fiscalização e punição dos agressores — e não com o incentivo ao armamento de quem mais precisa de acolhimento e proteção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm e define crimes. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2003.
BRASIL. Projeto de Lei nº 3272, de 2024. Altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para permitir o porte de arma de fogo a mulheres sob medida protetiva de urgência.
BRASIL. O presente texto passou por ajustes estruturais e terminológicos para fins de adequação técnica e argumentativa. Fonte: ChatGPT. Acesso em 13 de abril de 2025
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Atlas da Violência 2023.
ONU MULHERES BRASIL. Violência contra a mulher: causas, consequências e formas de enfrentamento. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará, 1994.