1. Introdução
A magistratura é uma das funções mais nobres da República. Carrega o dever de julgar com imparcialidade, mas também com responsabilidade e humanidade. Contudo, decisões judiciais cada vez mais padronizadas, genéricas e desconectadas do caso concreto têm corroído o papel essencial do Poder Judiciário: o de garantir o acesso efetivo à Justiça.
Mais do que decidir, o juiz é convocado a entregar prestação jurisdicional concreta e útil. Como já alertava Francesco Carnelutti, “o juiz é o médico da sociedade” — e como tal, não pode tratar os sintomas sem examinar o paciente.
2. Formalismo excessivo e decisões genéricas
O avanço da informatização processual não pode ser confundido com automatização da jurisdição. O que se observa com frequência é o uso de decisões repetitivas que se limitam a negar justiça gratuita, indeferir iniciais por ausência de documentos irrelevantes ao mérito (como comprovante de residência), ou indeferir liminares com fundamentos abstratos e genéricos.
Essas práticas não configuram “entendimentos” do magistrado — são, na verdade, formas disfarçadas de arbitrariedade, violando o dever de fundamentação previsto no art. 93, IX, da Constituição Federal.
“É nula a decisão judicial que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.”
(STF, RE 594.015/SP, Rel. Min. Cezar Peluso)
Além disso, o indeferimento de tutela provisória de urgência com fundamento genérico (“ausência de perigo de dano”) sem análise dos fatos e documentos fere os artigos 300 e 489 do CPC, prejudicando o direito de ação e criando verdadeiro cerceamento da jurisdição.
3. Embargos de Declaração como ferramenta de aprimoramento
Outro problema recorrente é o tratamento mecânico aos embargos de declaração. Muitos magistrados repetem o argumento de que o recurso “visa rediscutir o mérito”, ignorando o pedido de esclarecimento e não enfrentando omissões evidentes.
Entretanto, os arts. 1.022. e 489, §1º do CPC/2015 exigem do juiz a análise fundamentada de todos os pontos relevantes, inclusive com possibilidade de efeitos infringentes quando há erro material ou contradição insanável.
“Os embargos de declaração são cabíveis para suprir omissão, esclarecer obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material. O indeferimento imotivado desse instrumento fragiliza o direito à ampla defesa.”
(STJ, AgRg no REsp 1.359.222/MG, Rel. Min. Humberto Martins)
Embargos não são incômodos — são oportunidades de qualificar a prestação jurisdicional. Corrigir não é sinal de fragilidade. É sinal de grandeza.
4. A responsabilidade da advocacia
Também é necessário reconhecer a responsabilidade da advocacia. Há excessos: embargos protelatórios, pedidos de justiça gratuita injustificáveis, liminares requeridas sem base plausível. Esse comportamento compromete a credibilidade dos instrumentos processuais e, por vezes, cria resistências institucionais injustas.
O amadurecimento processual passa por todos os atores: juízes, advogados e partes. Responsabilidade compartilhada gera confiança mútua.
5. O juiz que inspira — e não o que arquiva
O ideal de magistrado não é aquele que mais decide por hora, mas o que melhor fundamenta, escuta e convence. Mesmo em decisões negativas, é possível produzir respostas que respeitem o jurisdicionado e sustentem a confiança na jurisdição.
“O processo é o caminho. A Justiça é o destino. E quem sonhou em ser juiz… sonhou em fazer Justiça.”
(autoral - Lopes Pires de Souza, 2025)
6. Conclusão
É hora de lembrarmos que a toga não é escudo. A caneta não é muro. O Judiciário existe para garantir acesso, não para bloquear caminhos. A Justiça, se não for humana, acessível e viva — não é Justiça.
Por isso, que sejamos lembrados por construir pontes, e não muros.
Referências
-
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
-
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
-
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Tradução de Adrián Sotero De Witt Batista. Campinas: Servanda, 2009.
-
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 594.015/SP. Relator: Ministro Cezar Peluso. Brasília, DF, 3 set. 2009. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=3625813. Acesso em: 16 abr. 2025.
-
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.359.222/MG. Relator: Ministro Humberto Martins. Brasília, DF, 11 dez. 2013. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/106358755. Acesso em: 16 abr. 2025