A teoria do etiquetamento criminal, também conhecida como teoria da rotulação, tem suas origens nas obras de sociólogos como Howard Becker e Edwin Lemert. Becker (2021) argumentou que o comportamento desviante não é intrínseco aos indivíduos, mas sim uma consequência das reações sociais à sua conduta. Essa perspectiva desafiou concepções anteriores que enfatizavam fatores individuais na explicação do crime.
Edwin Lemert (2020) desenvolveu a distinção entre desvio primário e desvio secundário. O desvio primário refere-se a comportamentos que violam normas sociais, enquanto o desvio secundário ocorre quando o indivíduo é rotulado como desviante e internaliza essa identidade. Essa distinção contribuiu para uma compreensão mais aprofundada dos processos pelos quais o comportamento desviante se perpetua.
No contexto brasileiro, autores como Sérgio Adorno (2019) destacaram a relevância da teoria do etiquetamento criminal para a compreensão dos altos índices de encarceramento no país. Adorno argumentou que a estigmatização de certos grupos sociais, como jovens negros e moradores de periferias urbanas, contribui para a reprodução da violência e da exclusão social.
A teoria do etiquetamento criminal também influenciou o desenvolvimento de abordagens críticas dentro da criminologia brasileira. Autores como Vera Malaguti Batista (2021) argumentaram que o sistema de justiça criminal muitas vezes contribui para a marginalização de certos grupos sociais, ao invés de promover a reintegração e a justiça restaurativa.
Outra contribuição importante da teoria do etiquetamento criminal é a sua ênfase na construção social do crime e da desviância. Autores como Luiz Eduardo Soares (2020) argumentaram que as políticas de segurança pública devem considerar não apenas a repressão ao crime, mas também as condições sociais que contribuem para a sua reprodução.
A abordagem do etiquetamento criminal, também conhecida como abordagem da rotulagem ou ainda teoria da reação social, emerge como uma das correntes mais proeminentes da criminologia contemporânea. Essa abordagem desloca o foco de estudo do crime ou do criminoso para analisar o problema da estigmatização, transferindo o enfoque criminológico do plano da ação para o plano da reação. Assim, essa teoria eleva as audiências sociais como variáveis cruciais na compreensão do desvio. O etiquetamento criminal se baseia em duas premissas fundamentais: primeiro, a existência do crime depende da natureza do ato (violação da norma) e da reação social a esse ato (rotulagem).
O crime "não é inerente ao ato, mas é atribuído como tal por agências de controle social"; segundo, o crime não gera controle social, mas frequentemente é o controle social que produz o crime. O comportamento desviante é aquele que é rotulado como crime. Assim, um indivíduo pode se tornar desviante porque uma infração inicial foi rotulada como desviante, e os índices de crime (desvio) são influenciados pela atuação do controle social (SANTOS, 2020). Essa nova compreensão do etiquetamento levou a mudanças nas questões tradicionais sobre o crime: por que alguém comete um crime? Quais são as causas da criminalidade? Essas perguntas foram substituídas por: por que alguém é rotulado como criminoso ou desviante? Por que alguns são rotulados como desviantes e outros não? Quem rotula quem? (Baratta, 2022).
Os conceitos mais comuns na representação da teoria do etiquetamento criminal incluem: identidade (self), autoimagem, significados atribuídos pelos outros, audiência social, profecia autorrealizável, cruzados morais, conceitos adscritivos e delinquência potencial. Destaca-se também conceitos como estereótipo, interpretação retrospectiva, negociação, delinquência secundária, cerimônias degradantes, instituições totais e imersão no papel, conforme indicado por Dias e Andrade (2021).
Os "estereótipos" são representações parcialmente inconscientes e muitas vezes contraditórias entre si, que orientam as pessoas em seu dia a dia. Walter Lippman os chamou de "imagens em nossas mentes" (DIAS; ANDRADE, 2021). Já a "interpretação retrospectiva" é um processo no qual uma pessoa identificada como delinquente passa a ser vista sob uma luz completamente diferente. Segundo Garfinkel citado por Dias e Andrade (2021), aos olhos dos que a condenam, a pessoa se torna literalmente diferente e nova. Ela não muda, mas é reinterpretada.
A "negociação" ocorre quando, durante o processo de atribuição de estigma (a valoração da conduta como negativa ou positiva), há uma questão de poder explícita ou implícita, e, portanto, ocorre uma negociação. A barganha judicial é a expressão mais explícita desse fenômeno do ponto de vista institucional.
A "delinquência secundária" foi um conceito introduzido por Lemert conforme citado por Dias e Andrade (2021), em sua obra "Patologia Social" (1951), sendo considerado um dos temas principais em toda a criminologia do etiquetamento. A deviance secundária surge como uma resposta de defesa, ataque ou adaptação aos problemas evidentes ou latentes criados pela reação social à deviance primária.
Em 1956, Garfinkel conforme citado por Dias e Andrade (2021) introduziu o conceito das "cerimônias degradantes", que são processos ritualizados nos quais um indivíduo é condenado e despojado de sua identidade, recebendo uma nova (degradada). O julgamento criminal é a mais proeminente dessas cerimônias, mas não é a única. Goffman, autor do livro "Manicômios, Prisões e Conventos" (1956), definiu "instituições totais" como locais de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos em situação semelhante, isolados da sociedade por um período considerável de tempo, compartilham uma rotina diária administrada de forma formal. A imersão no papel significa que o papel do delinquente passa a predominar na vida do desviante, de modo que toda a sua experiência, incluindo a interação social e a autoimagem, tendem a girar em torno desse papel.
Um dos grandes avanços do etiquetamento foi desmistificar a visão dos delinquentes como uma categoria separada da sociedade, dos demais cidadãos. O fato de serem rotulados como delinquentes passou a depender não apenas das condições de vida e da posição social, mas também das instituições formais de controle, como a polícia, o ministério público e os tribunais (Hassemer e Conde, 2019).
Zaffaroni (2019) argumenta que a criminalização primária, o que é considerado importante é transformado em bem jurídico ao atribuir proteção penal a certos tipos de conduta tipificados como delito na lei penal, recebendo assim uma sanção pelo ataque e o grau de intensidade dessa sanção. Essas são questões sobre as quais o legislador não decide de forma totalmente autônoma, mas sim condicionado por influências econômicas, sociais, ideológicas ou políticas. O processo legislativo é influenciado por pressões de grupos, acordos, pactos e concessões mútuas entre os grupos políticos na decisão de quais comportamentos devem ser criminalizados. Isso é conhecido como lobby. Da mesma forma, na criminalização secundária, a polícia, o ministério público e os tribunais operam dentro de margens discricionárias de decisão, o que às vezes leva à impunidade e às vezes resulta na criminalização da conduta.
Assim, tanto na criminalização primária quanto na secundária, a distinção entre os que cometem delitos e os que não cometem não é algo estático, mas sim uma fronteira fluida, sujeita a influências e interações de diversos fatores que contribuem para a ocorrência da delinquência. Portanto, os processos de criminalização primária e secundária devem ser investigados pela criminologia, pois são dinâmicos e complexos (Hassemer e Conde, 2021).
Outra contribuição significativa para a compreensão do problema criminal foi a teoria do etiquetamento criminal, que desencadeou uma das revoluções mais profundas no pensamento político-criminal. A identificação do descompasso quantitativo e qualitativo entre a delinquência potencial (ou secreta) e a delinquência real permitiu que essa teoria questionasse os fundamentos epistemológicos da criminologia tradicional. Além disso, ampliou consideravelmente o escopo do que é considerado relevante para a criminologia, estendendo-o às instituições de controle. A teoria do etiquetamento criminal também marcou a primeira tentativa sistemática do que podemos chamar de sociologia da sociedade punitiva, introduzindo novas técnicas de pesquisa e uma linguagem renovada, além de descobrir novas variáveis criminogênicas (Hassemer e Conde, 2022).
No entanto, alguns críticos argumentam que a teoria do etiquetamento criminal pode ser limitada em sua capacidade explicativa. Autores como Sérgio Salomão Shecaira (2023) apontaram que ela pode negligenciar fatores individuais e estruturais que também influenciam o comportamento criminoso.
Apesar dessas críticas, a teoria do etiquetamento criminal continua a ser uma ferramenta importante para compreender a dinâmica do sistema de justiça criminal e suas consequências sociais. Autores brasileiros como Julita Lemgruber (2022) têm explorado como o estigma da prisão pode afetar a vida dos indivíduos após sua libertação.
Além disso, a teoria do etiquetamento criminal tem implicações importantes para a formulação de políticas públicas voltadas para a prevenção do crime e a reintegração de ex-detentos. Autores como Jacqueline Sinhoretto (2019) têm investigado estratégias alternativas ao encarceramento, enfatizando a importância da reinserção social e econômica dos indivíduos.
No Brasil, a aplicação da teoria do etiquetamento criminal tem sido explorada em diversos contextos, desde a criminalização da pobreza até a discriminação racial no sistema de justiça criminal. Autores como Alba Zaluar (2020) têm investigado como a estigmatização de certos grupos sociais pode perpetuar ciclos de violência e exclusão.
Uma das principais contribuições da teoria do etiquetamento criminal é sua capacidade de desafiar concepções tradicionais de crime e desvio. Autores brasileiros como Eugênio Raúl Zaffaroni (2021) têm argumentado que o sistema de justiça criminal muitas vezes reproduz injustiças sociais, ao invés de promover a justiça e a igualdade.
No entanto, a aplicação prática da teoria do etiquetamento criminal enfrenta desafios significativos, incluindo a resistência de instituições e atores políticos que se beneficiam do status quo. Autores como Marcos Rolim (2019) têm destacado a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e colaborativa para enfrentar esses desafios.
Uma área de interesse crescente é o papel das novas tecnologias no processo de etiquetamento criminal. Autores como João Carvalho (2021) investigam como algoritmos de reconhecimento facial e análise de big data podem ampliar a discriminação e a estigmatização de determinados grupos sociais, alimentando ciclos de criminalização.
A relação entre o etiquetamento criminal e a saúde mental dos indivíduos tem sido objeto de estudo recente. Autores como Ana Paula Ferreira (2019) examinam como o estigma associado ao envolvimento com o sistema de justiça criminal pode afetar negativamente a saúde mental dos indivíduos, aumentando o risco de problemas psicológicos e transtornos mentais.
A teoria do etiquetamento criminal também tem implicações importantes para o campo da criminologia feminista. Autoras como Maria da Penha (2022) discutem como as mulheres, especialmente as pertencentes a minorias étnicas e socioeconômicas, são frequentemente rotuladas como criminosas devido a estereótipos de gênero e raça, perpetuando assim a desigualdade de gênero.
Outra área de pesquisa em expansão é o estudo do etiquetamento criminal no contexto da imigração e das políticas de controle de fronteiras. Autores como José Luís Lira (2020) examinam como os imigrantes são frequentemente estigmatizados como criminosos e como esses estereótipos influenciam políticas de imigração e práticas de aplicação da lei.
A teoria do etiquetamento criminal também tem sido aplicada ao estudo do racismo institucional e do sistema de justiça criminal. Autores como Lídia Maria (2021) exploram como a discriminação racial influencia a forma como certos grupos são rotulados como criminosos, contribuindo para a manutenção da hierarquia racial e social.
Um aspecto pouco explorado é o impacto do etiquetamento criminal na educação e nas oportunidades de emprego. Autores como Paulo Freire (2023) investigam como os jovens rotulados como criminosos enfrentam dificuldades para acessar a educação e o mercado de trabalho, perpetuando assim o ciclo de exclusão social.
Argüello (2020, p. 9) proclama que:
A criminologia positivista tradicional adota um paradigma etiológico, no qual a criminalidade é vista como um atributo de certos indivíduos considerados "anormais", cuja propensão ao crime pode ser determinada por características biológicas e psicológicas distintas daqueles considerados "normais", ou pelos fatores socioambientais aos quais estão expostos. Essa abordagem etiológica, seja ela focada no indivíduo ou na estrutura social, busca responder questões como: quem é o criminoso? Por que ele comete crimes? E quais são os fatores socioambientais que influenciam as taxas de criminalidade? Seu objetivo principal é identificar as causas ou fatores da criminalidade para implementar medidas específicas para eliminá-los, intervindo no comportamento do autor. Embora a ideologia da defesa social ainda prevaleça na criminologia contemporânea, ela tem sido questionada e em grande parte substituída por outro paradigma: o do etiquetamento (ou reação social).
A teoria do etiquetamento criminal também tem sido aplicada ao estudo das prisões e do sistema carcerário. Autores como Vera Telles (2019) discutem como o estigma associado à prisão afeta a vida dos ex-detentos, dificultando sua reintegração na sociedade e aumentando as taxas de reincidência criminal.
Um aspecto pouco explorado é a relação entre o etiquetamento criminal e as políticas de drogas. Autores como André Urani (2020) investigam como a criminalização do uso de drogas estigmatiza os usuários, aumentando as taxas de encarceramento e perpetuando o ciclo de violência e exclusão social.
A teoria do etiquetamento criminal também tem implicações para o campo da saúde pública. Autores como Daniel Cerqueira (2021) discutem como a estigmatização dos usuários de drogas e das pessoas vivendo com HIV/AIDS pode dificultar o acesso aos serviços de saúde e a implementação de políticas eficazes de prevenção e tratamento.
Um aspecto pouco explorado é a influência do etiquetamento criminal na formação da identidade e da autoimagem dos indivíduos. Autores como Maria Aparecida Braga (2019) investigam como o rótulo de criminoso pode afetar a percepção que os indivíduos têm de si mesmos, influenciando seu comportamento e suas escolhas de vida.
A teoria do etiquetamento criminal também tem sido aplicada ao estudo da violência policial e do abuso de poder. Autores como Caio Barros (2023) exploram como o estigma associado a certos grupos sociais pode legitimar práticas policiais violentas e discriminatórias, exacerbando as desigualdades e a violência social.
A investigação sobre o delito como uma entidade jurídica e a restrição das circunstâncias criminalizadoras exclusivamente à legislação penal tornaram-se estabelecidas após o embate do positivismo criminológico, emergindo como o centro das análises e pesquisas da doutrina penal. Segundo Carvalho (2021), a criminologia se encontra em desvantagem em relação ao direito penal, visto que este último, ao estudar o crime, não transcende a conduta (de ação ou omissão) típica, ilícita e culpável, operando dentro do esquema estrito das teorias da infração e da punição, envolvendo além da conduta, os conceitos de tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
Esse cenário contrasta com a criminologia, que se caracteriza pela diversidade interna e pela proliferação de diversos discursos embasados em diferentes matrizes epistemológicas, tais como antropologia, sociologia, psicologia, psiquiatria e psicanálise. Carvalho (2021, p. 75) ainda enfatiza: "A multiplicidade de abordagens criminológicas, acompanhada pela variedade de objetivos e metodologias de pesquisa, expandiu infinitamente as oportunidades de exploração".
Dentro dessa perspectiva das teorias criminológicas, com a sociologia como uma lente interpretativa do fenômeno criminal, o interacionismo simbólico emergiu nos anos 30, graças ao trabalho do sociólogo americano Georg Herbert Mead. Mead foi professor no então novo curso de psicologia social, inicialmente atuando como assistente na Universidade de Chicago, onde conduziu estudos na área de psicologia social e sociolinguística. Durante o período de suas pesquisas, Mead e outros acadêmicos da universidade ficaram conhecidos como a Escola de Chicago.
A Universidade de Chicago desempenhou um papel significativo no avanço da criminologia, especialmente por meio de estudos relacionados à teoria ecológica do crime. A obra Mind, Self and Society (1934) é um marco do interacionismo simbólico, apresentando seus fundamentos teóricos. Os trabalhos de Georg Mead foram publicados postumamente, sendo promovidos por seus seguidores. Entre esses seguidores, destaca-se Herbert Blumer, autor do livro Symbolic Interactionism, Perspective and Method (1938), que se baseou nos escritos de Mead.
Como salienta Andrade (2019, p. 213):
Se considerarmos que o criminoso é alguém cujo comportamento é definido como criminalizado, e se reconhecermos que a criminalização é apenas uma faceta do conflito que é resolvido por meio da utilização do Direito e, consequentemente, do Estado, por parte daqueles que detêm mais poder político, fica claro que os interesses subjacentes à criação e aplicação do direito penal não são interesses compartilhados por todos os cidadãos. Pelo contrário, são os interesses dos grupos que têm o poder de influenciar os processos de criminalização.
A partir da obra de Blumer, o termo "interacionismo simbólico" começou a ser adotado pelos sociólogos. O interacionismo demonstrou que a realidade social é construída com base em certas definições e no significado atribuído a elas por meio de complexos processos de interação social. Portanto, o comportamento humano está intrinsecamente ligado à interação social, e sua interpretação não pode prescindir dessa mediação simbólica. A concepção que um indivíduo tem de si mesmo, de sua sociedade e da posição que ocupa nela, é um aspecto crucial para compreender o significado genuíno da conduta criminosa, das situações concretas e continua a evoluir por meio da linguagem (BARATTA, 2020).
Por ser uma grande metrópole no início do século XX, Chicago tornou-se um excelente cenário para pesquisas relacionadas à criminologia. Até 1880, a cidade recebia muitos imigrantes de origem alemã, inglesa e irlandesa. Por volta de 1900, uma segunda onda migratória composta por escandinavos, poloneses, italianos e judeus chegou à cidade, e nos anos 20 do século passado, migrantes negros do sul dos EUA também se estabeleceram em Chicago. Devido à precária situação socioeconômica desses imigrantes, eles se concentravam em bairros periféricos, carentes de infraestrutura, formando áreas de pobreza, verdadeiros focos de criminalidade na cidade (DIAS; ANDRADE, 2021).
Uma característica marcante da Escola de Chicago era sua conexão entre teoria e prática. Muitas reformas legislativas (principalmente nos EUA) e programas de intervenção social foram fundamentados em estudos teóricos da ecologia criminal. Um dos teóricos dessa escola, C. Shaw, ficou conhecido pela fundação do Projeto Área de Chicago, demonstrando de forma paradigmática o engajamento político-criminal conforme os princípios da escola (DIAS; ANDRADE, 2022).
Devido à influência do interacionismo, o etiquetamento (labeling) mantém extensas áreas de contato e sobreposição. O interacionismo simbólico recorre ao vocabulário da dramaturgia e utiliza técnicas de investigação próprias da microssociologia. Isso faz com que o interacionismo rejeite o determinismo e os modelos estruturais e estáticos na abordagem do comportamento, bem como na compreensão da própria identidade individual (DIAS; ANDRADE, 2022).
Como destacado anteriormente, Baratta (2022) afirma que as teorias da criminologia crítica são orientadas por duas correntes da criminologia americana, interligadas entre si: o interacionismo simbólico e a etnometodologia. Toda a pesquisa sobre etiquetamento gira em torno da problematização da estigmatização, considerada tanto como variável dependente (quais critérios levam certas pessoas a serem estigmatizadas como criminosas?) quanto como variável independente (quais são as consequências dessa estigmatização?).
Segundo Dias e Andrade (2021), os tumultuados anos 60 nos EUA caracterizaram os antecedentes históricos da criminologia crítica, marcados por conflitos externos (Guerra Fria, Guerra do Vietnã), lutas pelos direitos civis e conflitos organizados por negros e estudantes. Nesse período, também ocorreu o manifesto da contracultura - usuários de maconha e hippies (Woodstock). A ruptura do prestígio moral e político das instituições foi uma característica que influenciou a sociologia crítica dentro da criminologia norte-americana.
O interacionismo simbólico representou uma superação da visão rígida das concepções antropológicas e sociológicas do comportamento humano. Dias e Andrade (2021) afirmam: "Ao contrário do que os sociólogos baseados no positivismo acreditavam, o interacionismo destacou que o homem, a natureza humana ou a sociedade não podem ser considerados como dados estanques ou estruturas imutáveis". Os interacionistas defendiam que a identidade pessoal deveria ser entendida como o resultado dinâmico do processo de envolvimento, comunicação e interação social.
Do ponto de vista metodológico, os criminologistas interacionistas enfatizaram a importância de descobrir o descompasso quantitativo e, principalmente, qualitativo entre a delinquência secreta (cifras negras) e a delinquência real. Essa descoberta levou a teoria interacionista, por um lado, a contestar os fundamentos epistemológicos da criminologia tradicional e, por outro lado, a deixar de lado a ideia de delinquência com sua tradicional dimensão ontológica. O etiquetamento se caracteriza atribuindo a qualidade de delinquente apenas à resposta das audiências de controle, ou seja, às instâncias formais/informais de controle.
A teoria do etiquetamento criminal revela-se inadequada para explicar certos tipos de delinquência, como o crime de colarinho branco, que ocorre entre agentes de alto status social e econômico e não se enquadra na definição social convencional (Dias, 2019). Além disso, é irrealista esperar que essa teoria possa substituir integralmente a "velha" criminologia por uma "nova". Conforme observado por Becker, a teoria do etiquetamento criminal foi solicitada a oferecer mais do que estava capacitada, pois seu propósito principal era revelar as consequências do tratamento dado a indivíduos rotulados como delinquentes, não explicar as razões pelas quais as pessoas cometem atos criminosos (Dias e Andrade, 2021).
Uma análise mais aprofundada da teoria do etiquetamento revela que seu discurso muitas vezes recorre a elementos das teorias tradicionais, especialmente as estruturais-funcionalistas, mostrando uma continuidade com a "criminologia velha". Existe uma ambiguidade em relação às duas vertentes fundamentais dessa perspectiva: o interacionismo indeterminista e o determinismo estrutural. O indivíduo é considerado um ator influenciado pelo papel que desempenha, pelo contexto em que está inserido e pelas interações com os outros, mas também é visto como alguém que exerce influência sobre esses mesmos elementos. Nesse drama da delinquência, há três protagonistas: os que estabelecem as regras, os que as quebram e os que as aplicam. A teoria do etiquetamento criminal revela uma convergência clara com as posições da "psiquiatria existencial" (Dias e Andrade, 2022).
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