Compras públicas: Análise de legalidade envolvendo a plataforma contrata + Brasil

22/04/2025 às 12:02
Leia nesta página:

Introdução

A Plataforma Contrata + Brasil, lançada pelo Governo Federal, representa um marco na modernização das contratações públicas, com o objetivo de conectar compradores públicos (União, estados e municípios) a fornecedores, inicialmente microempreendedores individuais (MEIs), de forma ágil e simplificada. A plataforma busca ampliar as oportunidades de negócios locais e otimizar o processo de compras públicas, funcionando como um “e-commerce” das contratações governamentais. No entanto, a implementação dessa inovadora ferramenta levanta importantes questões jurídicas que merecem uma análise aprofundada.

Para os fornecedores, a plataforma é uma ótima ferramenta para ficar atendo, se credenciar, se possível, e acompanhar as oportunidades, não há nenhum elemento que descredencie o fornecedor a participar, o acesso e as participações são gratuitos.

Já para o Poder Público, o cenário se modifica, pois, é sempre importante lembrar que o princípio da legalidade [art. 37,caput, da CF] persiste em todos atos públicos, e a mera existência da plataforma, não significa a sua perfeita harmonia ou regularidade com as normas vigente.

Pensando nisso, serão destacados os: Pontos de Atenção e Inconsistências – Para órgãos públicos tomarem cautela – no uso da Plataforma Contrata + Brasil:

  1. Fracionamento Indevido de Despesas: A plataforma exige que o controle do fracionamento de despesas seja realizado pelo órgão comprador, uma vez que a plataforma atua como meio operacional das compras. Essa dinâmica impõe aos órgãos compradores a responsabilidade de gerir seus limites e realizar um planejamento adequado, considerando o plano de contratações anual. A ausência de mecanismos de controle robustos na plataforma pode facilitar o fracionamento indevido, prática que contraria os princípios da legalidade e da economicidade na administração pública.

  2. Vinculação aos Requisitos de Habilitação: Os órgãos compradores estão vinculados aos requisitos de habilitação estabelecidos pela União, sendo proibidos de exigir documentação adicional para verificar as condições da empresa. Essa restrição pode limitar a capacidade dos órgãos compradores de garantir a qualificação dos fornecedores, aumentando o risco de contratações inadequadas.

  3. Legalidade das Formas de Pagamento: A Instrução Normativa n. 52/2025 e o funcionamento da plataforma impõem regras específicas aos órgãos compradores em relação às formas de pagamento, que podem divergir dos regulamentos e rotinas internas de cada órgão. A priorização do pagamento via PIX ou cartão de pagamento, embora possa trazer agilidade, deve ser analisada à luz das normas financeiras e orçamentárias de cada ente federativo.

  4. Arranjo Jurídico da Plataforma e “Caronas” em Credenciamento: A plataforma se baseia na hipótese de credenciamento para mercados fluídos, conforme o art. 79, III, da Lei nº 14.133/2021. No entanto, muitos dos mercados cadastrados não se caracterizam como fluídos, o que questiona a fundamentação jurídica utilizada. Embora o PARECER nº 00023/2025/CGAQ-BSB/SCGP/CGU/AGU tenha se posicionado pela legalidade da plataforma, a questão ainda demanda cautela e acompanhamento. Além disso, a carona em credenciamento é um movimento preocupante, pois não há tal previsão em lei e nem mesmo no regulamento federal.

  5. Restrição aos MEIs: A plataforma, em sua fase inicial, restringe a participação nas contratações aos MEIs, o que pode ser questionado à luz da Lei Complementar nº 123/2006, que garante benefícios licitatórios a microempresas e empresas de pequeno porte em geral. A exclusão de outras formatações empresariais pode limitar a competitividade e a eficiência das contratações.

  6. Preferência Regional: A plataforma cria uma preferência regional, permitindo que os fornecedores participem apenas nas regiões em que se cadastrarem. Embora a Lei Complementar nº 123/2006 autorize a preferência para empresas regionais, a forma como a plataforma implementa essa preferência é discutível, especialmente considerando a vinculação dos órgãos contratantes às delimitações da plataforma.

  7. Nível de Adesão dos Fornecedores: A atratividade da plataforma para os órgãos compradores depende do nível de adesão dos fornecedores. A divulgação da plataforma e o fomento ao credenciamento são cruciais para ampliar a rede de prestadores de serviços interessados e garantir a competitividade das contratações.

  8. Incertezas Jurisprudenciais: Ainda não há um panorama consolidado da interpretação que os tribunais adotarão em relação à regularidade e aos limites de uso da plataforma. Questões como os limites de uso, objetos passíveis de contratação e legalidade da adesão ainda carecem de definição jurisprudencial, o que exige cautela por parte dos usuários da plataforma.


Governo Federal precisa ajustar o seu regulamento

Uma das formas de caminhar para a regularização da plataforma, é que o Governo Federal inclua em seu regulamento de credenciamento, no Decreto Federal nº 11.878/2024, a previsão expressão sobre o formato de edital que tem sido adotado pela Plataforma, e, previsão, também, sobre a possibilidade de ingresso dos demais órgãos na rede credenciada [uma espécie de carona no credenciamento]. Isso, ao menos ao nível de interpretação, asseguraria contornos operacionais à plataforma.

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Recomendações e Conclusão

Diante dos pontos de atenção e inconsistências jurídicas apontados, recomenda-se que os órgãos e entidades públicas avaliem cuidadosamente os procedimentos de uso da plataforma Contrata + Brasil, garantindo a conformidade com as normativas vigentes e a segurança jurídica necessária. É fundamental que os usuários da plataforma adotem uma postura de cautela, utilizando a ferramenta de forma racional e sem se eximir dos meios de controle e dos regimes de controle de despesas já usuais em suas rotinas.

A Plataforma Contrata + Brasil representa um avanço promissor na modernização das compras públicas, mas sua implementação exige uma análise jurídica criteriosa e um acompanhamento constante por parte dos órgãos de controle e da comunidade jurídica.

O cenário ideal, é que o regulamento federal ou a própria Lei de Licitações, sejam lapidados para abrigarem a existência da plataforma, que, apesar do ímpeto inovador e da vontade geral de existência, ainda não está perfeitamente alinhada com o regime licitatório vigente, esbarrando em inconsistências, muito embora seu uso já esteja liberado.

Sobre o autor
Leonardo Vieira de Souza

Advogado e Consultor em Gestão Pública. Pós-graduado em Direito Administrativo, Constitucional, Eleitoral e Gestão Pública com ênfase em Licitações.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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