A advocacia como pilar da democracia: O lacre dos celulares de advogados imposto pelo STF

23/04/2025 às 12:37
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O presente artigo analisa criticamente a medida adotada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que no julgamento realizado em 22 de abril de 2025 determinou o lacre obrigatório dos celulares de todas as pessoas presentes à sessão, incluindo advogados. A decisão foi justificada como forma de impedir registros não autorizados durante a análise do chamado "núcleo 2" da suposta tentativa de golpe investigada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). No entanto, a imposição do lacre — mesmo sem acesso ao conteúdo dos aparelhos — suscita sérias preocupações jurídicas quanto à sua compatibilidade com os princípios constitucionais da inviolabilidade das comunicações, do contraditório, da ampla defesa e, especialmente, das prerrogativas da advocacia. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura a inviolabilidade dos dados e comunicações, exceto por decisão judicial motivada. O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) reforça que os instrumentos de trabalho do advogado, inclusive eletrônicos, não podem ser violados no exercício da profissão. O artigo sustenta que, embora medidas de segurança sejam legítimas, elas não podem ser absolutizadas em detrimento de garantias essenciais ao devido processo legal. Ao analisar doutrina especializada e precedentes do próprio STF, conclui-se que a medida, embora não configurando busca e apreensão, pode representar uma violação indireta às prerrogativas legais da defesa. O caso em questão levanta debates urgentes sobre o equilíbrio entre segurança institucional e respeito às garantias constitucionais no exercício da jurisdição.

Palavras-chave:

Prerrogativas da Advocacia. STF. Julgamento de 22 de abril de 2025. Lacre de Celulares. Inviolabilidade. Sigilo Profissional. Devido Processo Legal. Segurança Institucional. Estado Democrático de Direito.


I. Introdução

A preservação do Estado Democrático de Direito exige, entre outros pilares fundamentais, o respeito irrestrito às garantias constitucionais, especialmente quando envolvem o exercício profissional da advocacia. O advogado, como parte essencial da administração da justiça, não atua em nome próprio, mas como defensor de direitos fundamentais de seus constituintes. Nesse sentido, qualquer medida que restrinja suas prerrogativas profissionais — mesmo que de forma indireta ou temporária — deve ser cuidadosamente analisada sob o prisma do devido processo legal e da proporcionalidade. O presente artigo nasce a partir de um episódio ocorrido no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), mais precisamente no julgamento realizado em 22 de abril de 2025, no qual foi determinado o lacre obrigatório de aparelhos celulares de todos os presentes à sessão, inclusive os dos advogados. A justificativa formal da medida residiu na necessidade de evitar gravações indevidas e garantir a segurança institucional da Corte no julgamento de um caso de extrema sensibilidade política: a suposta trama golpista que envolvia integrantes do chamado “núcleo 2”.

No entanto, a adoção desse tipo de medida, ainda que voltada à preservação da ordem e da lisura do julgamento, demanda rigorosa reflexão crítica. A Constituição Federal de 1988 consagra, entre outros direitos, a inviolabilidade das comunicações e a proteção do sigilo profissional. O Estatuto da Advocacia reforça tais garantias ao determinar que os instrumentos de trabalho do advogado — inclusive os meios eletrônicos — não podem ser objeto de intervenção estatal sem autorização judicial específica e fundamentada. O ponto central da análise reside, portanto, em saber se o simples lacre físico dos celulares, sem acesso a seu conteúdo, mas com a consequente limitação de seu uso durante a sessão, configura ou não uma violação às prerrogativas profissionais dos advogados ali presentes.

Adicionalmente, a reflexão proposta pelo artigo busca contextualizar essa medida no cenário atual de crescente judicialização da política e de tensões entre os poderes da República. A segurança institucional, embora necessária, não pode ser argumento absoluto que justifique o cerceamento de direitos assegurados pela Constituição, sob pena de legitimar práticas autoritárias disfarçadas de legalidade. Dessa forma, a introdução do presente estudo se propõe a demonstrar que, mais do que uma questão pontual de protocolo em julgamento sensível, a medida adotada pelo STF levanta discussões relevantes sobre os limites da atuação do Judiciário, o equilíbrio entre poderes e a efetividade das garantias profissionais da advocacia. O artigo, portanto, busca oferecer uma análise técnico-jurídica da decisão, com base na doutrina, na jurisprudência e nos princípios constitucionais, a fim de contribuir para o debate democrático e jurídico em torno da proteção das liberdades públicas no Brasil contemporâneo.


II. A Medida de Segurança Adotada pelo STF: Contexto Fático e Implicações Jurídicas

A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida no julgamento ocorrido em 22 de abril de 2025, instituiu uma medida atípica no contexto processual brasileiro: o lacre obrigatório de aparelhos celulares de todos os presentes na sessão, incluindo advogados atuantes na causa. Embora apresentada como uma medida preventiva voltada à garantia da segurança institucional e à preservação do sigilo das deliberações, tal decisão gerou controvérsia no meio jurídico, não apenas por sua excepcionalidade, mas principalmente pelos impactos concretos que provocou sobre direitos fundamentais e prerrogativas profissionais assegurados pela Constituição Federal e por normas infraconstitucionais.

Ao se analisar o episódio sob um prisma técnico-jurídico, é possível identificar que o cerne da controvérsia não reside no conteúdo da medida em si — já que não houve acesso aos dados contidos nos celulares —, mas sim no alcance simbólico e funcional da sua imposição, especialmente sobre os advogados presentes. O ato de lacrar os celulares, ainda que temporário e limitado à duração da sessão, interfere de forma direta no exercício da profissão, uma vez que restringe o acesso a ferramentas indispensáveis à atuação técnica, como consulta a jurisprudência, contato com clientes e acesso a provas ou documentos digitais.

Além disso, o fato de a medida ter sido adotada de forma generalizada e indistinta, sem a individualização de condutas suspeitas ou fundamentação específica dirigida aos profissionais da advocacia, reforça a percepção de desproporcionalidade. A ausência de critérios objetivos e o caráter preventivo e genérico da decisão judicial criam um precedente perigoso, em que o princípio da legalidade cede espaço para medidas de exceção justificadas por razões de conveniência administrativa. Tal tendência merece especial atenção em tempos de intensificação das tensões políticas e institucionais.

2.1 Justificativa institucional da medida: segurança ou restrição indevida?

A justificativa apresentada pela Corte — evitar gravações não autorizadas durante julgamento de alta complexidade política e jurídica — deve ser compreendida à luz da proteção da integridade da função jurisdicional. De fato, o STF, como órgão de cúpula do Judiciário, possui a responsabilidade de preservar o regular funcionamento dos seus atos e decisões. No entanto, a segurança institucional não pode ser interpretada como fundamento absoluto que autorize restrições a direitos essenciais, notadamente aqueles vinculados ao exercício da ampla defesa e do contraditório.

O lacre de celulares, nesse contexto, se aproxima de medidas de censura ou de contenção administrativa de condutas potenciais, e não de sanções decorrentes de atos concretamente verificados. O Direito Processual Penal e o Direito Constitucional não admitem presunções de culpa ou de má-fé — muito menos sobre advogados no pleno exercício de sua função essencial à justiça. Ao adotar medidas com base em riscos genéricos, o STF rompe com a lógica da legalidade estrita e da excepcionalidade das restrições aos direitos fundamentais.

2.2 Advogados como sujeitos de garantias e não de restrições presumidas

Outro ponto central reside na figura do advogado como sujeito protegido por garantias específicas, e não como indivíduo sujeito a restrições coletivas sem fundamento individualizado. O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), em seu artigo 7º, assegura ao profissional da advocacia o direito de utilizar livremente os instrumentos indispensáveis ao exercício da profissão, inclusive aparelhos eletrônicos, desde que não haja previsão legal ou judicial específica em contrário. O STF, ao impor o lacre dos celulares de forma indistinta, parece ter ignorado esse preceito legal, equiparando advogados a meros espectadores ou agentes passivos do processo judicial.

Essa equiparação desconsidera a função constitucional do advogado, prevista no artigo 133 da Constituição Federal, segundo o qual o advogado é "indispensável à administração da justiça". Tal função exige liberdade de atuação, comunicação e acesso pleno aos meios técnicos, inclusive digitais. A restrição generalizada e prévia à utilização dos aparelhos configura uma inversão dos princípios do devido processo legal e da presunção de legitimidade no exercício da defesa.

Além disso, medidas dessa natureza podem abrir um perigoso precedente para outras instâncias do Judiciário ou do Ministério Público, autorizando práticas que banalizem o controle e a limitação do trabalho dos advogados. Ainda que se alegue que a medida visou apenas a manutenção da ordem, o impacto prático e simbólico sobre a liberdade profissional deve ser avaliado com seriedade e rigor.


III. Fundamentos Constitucionais e Legais em Tensão: A Inviolabilidade e as Prerrogativas da Advocacia

A Constituição Federal de 1988, no contexto de um Estado Democrático de Direito, estabelece uma sólida estrutura de garantias individuais, institucionais e profissionais que devem nortear toda a atuação do Poder Público, incluindo o Poder Judiciário. Entre esses fundamentos estão a inviolabilidade das comunicações, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa e as prerrogativas da advocacia como função essencial à justiça. A medida adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de 22 de abril de 2025, ao impor o lacre de celulares de todos os presentes, inclusive advogados, sem decisão judicial individualizada, levanta sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com esse arcabouço normativo.

Não se trata apenas de questionar a legalidade de um ato administrativo do Judiciário, mas de analisar como tal medida se insere — ou não — no sistema de pesos e contrapesos constitucionais que delimitam a atuação dos poderes estatais, especialmente quando envolvem direitos fundamentais. A Constituição impõe limites às autoridades estatais mesmo nos contextos mais sensíveis, exatamente para impedir abusos ou arbitrariedades, ainda que bem-intencionadas. Assim, torna-se imprescindível examinar os dispositivos legais e constitucionais diretamente afetados pela imposição do lacre de celulares e a sua repercussão prática sobre o exercício da advocacia.

3.1 A inviolabilidade das comunicações e o sigilo profissional

O artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, é claro ao estabelecer que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”. Essa garantia não se restringe à interceptação direta de conteúdo, mas também abrange formas indiretas de controle que inviabilizem ou dificultem o uso livre desses meios, como o lacre físico de dispositivos.

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Ainda que o STF tenha justificado a medida como um protocolo de segurança e não tenha acessado os conteúdos dos aparelhos, a restrição genérica imposta, especialmente aos advogados, pode ser compreendida como um cerceamento indireto do direito à comunicação livre e à manutenção do sigilo profissional. Na prática, ao lacrar o aparelho de um advogado, impede-se que ele se comunique com seu cliente, consulte informações confidenciais ou atualize peças processuais — o que atinge diretamente sua atuação e sua autonomia técnica.

Tal medida, mesmo que temporária, esbarra em garantias que não admitem suspensão senão em estados de exceção formalmente declarados, o que não era o caso. Assim, o ato configura não apenas uma decisão administrativa questionável, mas uma interferência potencialmente inconstitucional no exercício profissional amparado por cláusulas pétreas.

3.2 O devido processo legal e as prerrogativas da advocacia

Outro ponto crucial está na colisão da medida com o artigo 133 da Constituição, que afirma que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), especialmente em seus artigos 6º e 7º, regulamenta esse princípio e garante ao advogado condições plenas para exercer seu ofício, inclusive a utilização de meios tecnológicos e digitais.

O devido processo legal, por sua vez, compreende não apenas o respeito a trâmites formais, mas também a preservação de garantias mínimas durante toda a marcha processual. Ao impor uma limitação coletiva, sem prévia oitiva dos atingidos, o STF pode ter ultrapassado os limites da razoabilidade e da legalidade estrita que se espera de decisões judiciais — ainda que adotadas sob a forma de medidas cautelares ou administrativas internas.

A ampla defesa e o contraditório exigem que o advogado tenha acesso pleno aos meios técnicos e materiais necessários para exercer sua função. A imposição do lacre, especialmente sem que haja elementos concretos de desvio de conduta ou abuso por parte dos advogados presentes, compromete a paridade de armas no processo penal, favorecendo, ainda que involuntariamente, uma assimetria entre acusação e defesa.

Além disso, o precedente estabelecido com essa decisão pode dar margem a futuras restrições semelhantes, com base em justificativas genéricas de segurança, que abalem o núcleo duro das garantias constitucionais. Tal relativização fragiliza o papel do advogado e fere o modelo de processo democrático e dialógico desenhado pela Constituição.


IV. Consequências Sistêmicas e Precedentes Perigosos: O Risco da Normalização de Medidas de Exceção

A adoção de medidas de exceção em ambientes institucionalmente sensíveis, como o Supremo Tribunal Federal, deve sempre ser analisada com extremo rigor. Embora o lacre de celulares tenha sido apresentado como uma resposta pontual a um contexto específico — o julgamento de acusados de participação em uma suposta trama golpista —, os efeitos estruturais desse tipo de medida ultrapassam os limites do caso concreto. A naturalização de práticas restritivas, mesmo que inicialmente justificadas como exceções, pode comprometer os fundamentos do Estado Democrático de Direito e colocar em xeque garantias fundamentais que sustentam o sistema de justiça.

Ao extrapolar seus efeitos para além da sala de julgamento, a decisão do STF inaugura um perigoso precedente institucional: o da legitimação de restrições preventivas e generalizadas com base em riscos abstratos e não individualizados. Isso pode comprometer não apenas o livre exercício da advocacia, mas também a confiança na imparcialidade e abertura do processo judicial, pilares essenciais de qualquer democracia constitucional. A medida transmite a ideia de que o exercício do direito de defesa pode ser condicionado à conveniência institucional, invertendo a lógica do sistema acusatório e transformando o advogado em potencial suspeito.

4.1 Risco de replicação nas instâncias inferiores e banalização do controle

Uma das principais preocupações que emergem a partir da decisão do STF é a sua eventual replicação automática por magistrados das instâncias inferiores. Se o órgão de cúpula do Poder Judiciário adota uma medida restritiva contra advogados sem decisão fundamentada, amparando-se exclusivamente em razões de segurança e ordem, é possível que tribunais estaduais e federais passem a adotar medidas semelhantes, com menor rigor técnico e sem o mesmo grau de escrutínio público.

A consequência direta disso é a banalização do controle institucional sobre o exercício da advocacia. O uso de celulares, tablets e demais dispositivos eletrônicos se tornou uma ferramenta indispensável à atuação jurídica moderna. Medidas que impeçam ou restrinjam seu uso, mesmo que temporariamente, podem comprometer o andamento de causas urgentes, a realização de audiências, a sustentação oral e o acesso a informações em tempo real.

Além disso, essa lógica de prevenção pode abrir espaço para abusos, especialmente em contextos locais marcados por conflitos entre magistrados e advogados. A falta de critérios objetivos e de controle jurisdicional prévio favorece uma ampliação da margem de discricionariedade dos juízes, com impacto direto sobre as garantias da defesa.

4.2 Erosão da confiança institucional e ameaça ao princípio da legalidade

Outro efeito nocivo da medida é o que se poderia chamar de erosão simbólica da confiança institucional. A relação entre magistratura, advocacia e sociedade civil é sustentada pela previsibilidade e pela segurança jurídica. Quando medidas excepcionais são tomadas de forma abrupta, sem debate prévio ou fundamentação individualizada, instala-se um ambiente de instabilidade, em que os limites do poder judicial parecem flutuar ao sabor das circunstâncias.

Essa erosão impacta diretamente o princípio da legalidade, pois sugere que garantias fundamentais podem ser relativizadas a depender do contexto político ou do perfil dos envolvidos no processo. A advocacia, enquanto função essencial à justiça, torna-se refém de normas não escritas, sujeita a medidas casuísticas que colocam em risco sua autonomia e dignidade profissional.

Além disso, há uma dimensão pedagógica perigosa: a de que o Estado pode — mesmo em sua instância máxima — violar direitos com base em justificativas amplas, sem necessidade de contraditório, individualização ou controle externo. Essa lógica contraria os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente aqueles voltados à proteção de defensores de direitos e do sistema de garantias fundamentais.

No médio e longo prazo, a repetição de medidas desse tipo pode transformar exceções em regra, substituindo o Estado de Direito por um Estado de controle e suspeição generalizada. A história constitucional brasileira — marcada por períodos de autoritarismo — alerta para os riscos da tolerância institucional com práticas restritivas, mesmo que travestidas de legalidade.


V. O Papel das Entidades de Classe e da Sociedade Civil na Defesa das Garantias Constitucionais

Diante da crescente judicialização da política e da intensificação das tensões institucionais no Brasil contemporâneo, especialmente após os episódios envolvendo o julgamento de 22 de abril de 2025 pelo Supremo Tribunal Federal, torna-se imperativo refletir sobre o papel estratégico das entidades de classe — especialmente a OAB — e da sociedade civil organizada na contenção de medidas excepcionais e na proteção das liberdades fundamentais. A defesa da ordem constitucional não pode ser monopólio dos tribunais; ela depende da atuação firme, técnica e constante de atores externos ao sistema de justiça.

Mais do que nunca, há uma demanda pública por maior accountability institucional. A advocacia, a imprensa livre, os centros de pesquisa jurídica e as organizações de direitos humanos possuem um papel vital na monitoria, denúncia e mobilização diante de violações de prerrogativas ou de medidas que relativizem garantias — ainda que sob o pretexto de segurança ou estabilidade. É nessa interlocução entre os Poderes e a sociedade que se fortalece a cultura democrática e se impede a consolidação de um estado policialesco.

5.1 A atuação da OAB e os limites da autocontenção institucional

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), enquanto entidade com previsão constitucional expressa no art. 133. da CF/88, não pode se furtar ao dever institucional de agir quando há risco concreto ao livre exercício da profissão ou às prerrogativas da classe. O silêncio ou a morosidade da entidade diante de fatos como a imposição do lacre de celulares — especialmente quando adotada pelo próprio STF — corre o risco de ser interpretado como anuência ou naturalização da medida, enfraquecendo sua autoridade e sua função institucional.

A atuação da OAB deve ir além de notas públicas. É necessário acionar mecanismos jurídicos e políticos, como o ingresso com medidas judiciais, requerimentos de providências e articulações com organismos internacionais, quando houver risco à advocacia ou ao Estado de Direito. Além disso, é urgente que a entidade promova ações educativas e normativas que fortaleçam a compreensão, por parte dos próprios advogados, de seus direitos e deveres frente a medidas excepcionais.

A autocontenção institucional do STF, por outro lado, tem se mostrado seletiva. Embora seja legítimo que a Corte busque preservar sua integridade e autoridade, isso não pode ocorrer em detrimento de direitos fundamentais. A crítica institucional deve ser compreendida como parte do jogo democrático e não como ataque à Corte. Portanto, é essencial que a OAB e outras entidades mantenham um posicionamento crítico, técnico e respeitoso, mas firme, frente aos abusos.

5.2 Mobilização da sociedade civil e o papel da imprensa na vigilância democrática

Em paralelo à atuação da advocacia institucionalizada, cabe à sociedade civil, por meio de organizações não governamentais, universidades, coletivos jurídicos e cidadãos engajados, exercer vigilância ativa sobre os poderes públicos, especialmente em momentos de ruptura ou exceção. A mobilização da opinião pública e o uso estratégico das redes sociais podem servir como barreiras contra práticas autoritárias e como espaços de denúncia e conscientização.

A imprensa, enquanto quarto poder informal, também desempenha papel fundamental ao garantir a transparência e divulgar abusos de autoridade, inclusive dentro do sistema de justiça. O controle social da jurisdição constitucional — ainda que seja um tema sensível — precisa ser naturalizado como parte da democracia madura. A crítica fundamentada, baseada em dados e princípios, é saudável e contribui para o aprimoramento institucional.

Se a narrativa de segurança nacional ou estabilidade institucional começar a se sobrepor sistematicamente às garantias constitucionais, a sociedade deve reagir de forma democrática, firme e legalista. A omissão diante do avanço de medidas de exceção tende a abrir espaço para retrocessos maiores, como já demonstrado pela história republicana brasileira.


VI. Conclusão: Reflexões Finais sobre o Julgamento e seus Efeitos Jurídicos, Institucionais e Sociais

O julgamento realizado em 22 de abril de 2025 pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou o lacre obrigatório de celulares de todos os presentes na sessão, incluindo advogados, representou não apenas uma medida específica contra a suposta trama golpista investigada pela Procuradoria-Geral da República, mas também uma decisão de caráter mais amplo que toca profundamente nas garantias constitucionais do Brasil. Este julgamento coloca em evidência a necessidade de um debate contínuo sobre as tensões entre segurança institucional e os direitos fundamentais, especialmente os direitos da advocacia e as prerrogativas profissionais.

A medida tomada pelo STF, embora justificada pelo contexto de segurança e pela proteção do sigilo das informações durante o processo, levanta uma série de questionamentos sobre o uso de medidas excepcionais, que podem abrir caminho para abusos e para a relativização de direitos garantidos pela Constituição Federal. A adoção de uma medida de exceção, como o lacre de celulares, sem uma justificativa individualizada e sem observância de critérios específicos de necessidade e proporcionalidade, pode enfraquecer a estrutura jurídica do Estado Democrático de Direito, criando um precedente perigoso para futuras ações de controle e restrição de direitos.

A atuação da advocacia, uma das funções essenciais à justiça, foi diretamente afetada, pois o lacre dos celulares impede que advogados exerçam plenamente suas funções, comprometendo a comunicação com os clientes, o acesso a informações e a utilização de ferramentas tecnológicas essenciais no exercício do direito de defesa. A Constituição de 1988 e o Estatuto da Advocacia garantem ao advogado a inviolabilidade de seus atos no exercício da profissão, e qualquer medida que interfira nesse direito deve ser cuidadosamente examinada sob o ponto de vista da razoabilidade e da legalidade.

Em um cenário mais amplo, o julgamento trouxe à tona o papel fundamental das entidades de classe e da sociedade civil na defesa das garantias constitucionais e da independência das funções essenciais ao processo. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), junto a outras entidades de defesa dos direitos fundamentais, deve desempenhar um papel vigilante, promovendo a educação, a mobilização e a atuação direta diante de possíveis abusos ou excessos cometidos pelos poderes públicos.

O risco de uma banalização das medidas de exceção, como o lacre de celulares, não deve ser subestimado. O uso de justificativas amplas, como segurança institucional e ordem pública, sem uma análise criteriosa de sua real necessidade e proporcionalidade, abre precedente para que outras medidas restritivas sejam adotadas sem o devido escrutínio, comprometendo o equilíbrio entre os poderes e enfraquecendo a confiança da sociedade no sistema judicial.

Por fim, o julgamento de 22 de abril de 2025 é um marco que exige reflexões aprofundadas sobre o futuro do sistema judiciário brasileiro, a proteção das garantias constitucionais e o papel da advocacia na salvaguarda da democracia. As tensões geradas por essa decisão não devem ser desconsideradas, pois ela representa um ponto de inflexão que pode alterar o relacionamento entre a Justiça e as liberdades individuais, com impactos diretos na atuação dos advogados e na confiança da população nas instituições jurídicas do país.


VII. Referências

  1. Constituição Federal de 1988. Brasil.

  2. BRASIL, Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e da OAB.

Sobre o autor
Silvio Moreira Alves Júnior

Advogado; Especialista em Direito Digital pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal pela Faculminas; Especialista em Compliance pela Faculminas; Especialista em Direito Civil pela Faculminas; Especialista em Direito Público pela Faculminas. Doutorando em Direito pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales – UCES

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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