O jurista

24/04/2025 às 12:36
Leia nesta página:

Dia 24 de abril de 2025

Em data particularmente muito especial para mim, de indisfarçável alegria, entendi que deveria escrever algumas linhas a respeito do jurista no Brasil.

Os tempos são pós-modernos, onde reiteradamente não se vê diferença entre advogado e jurista [de fato, no mundo virtual há muitos que escrevem sobre tudo relacionado ao Direito] - o que se traduz em equívoco -, é importante esclarecer, uma vez mais, que os termos, definitivamente, se não confundem. A atuação de cada profissional tem suas peculiaridades muito bem definidas no âmbito jurídico. Nem todo advogado é jurista, é bem de ver. Aliás, não cabe aqui gastar tinta para dizer que no Brasil há muitos juristas de ponta, nas várias áreas de especialização do Direito. O jurista cria, por assim dizer, novos modelos conceituais a respeito do Direito, nas palavras de Fábio Konder Comparato, a seguir citado.

Inicia-se pela definição de jurista nos dicionários [os velhos dicionários, que não raro ficavam sobre a mesa, prontos para sanar dúvidas].

Conforme Dicionário Houaiss: aquele que é especializado na ciência do direito 1. Por sua vez, no Dicionário Aurélio, o termo jurista é ligado a jurisconsulto. Este significa homem versado na ciência do direito e que faz profissão de dar pareceres acerca de questões jurídicas; jurisperito, jurisprudente, jurista 2. Com base em tais definições, já é possível perceber que há muitas diferenças entre jurista e advogado.

Está na Constituição Federal que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei [art. 133]. A regra do art. 2º, da Lei 8.906/1994: o advogado é indispensável à administração da justiça. O seu parágrafo primeiro tem a seguinte redação: No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. Portanto, o[a] advogado[a] presta serviço público de caráter relevante e exerce efetiva função social. Dito de outra forma, o[a] advogado[a] há de exercer a nobre profissão com dignidade e ética3, observado o princípio constitucional da função social [defesa dos direitos e garantias do cidadão, bem como efetiva atuação ativa em prol da sociedade, em última análise]. O advogado deve contribuir, na justa medida do possível, para que ocorra a paz na sociedade, praticando todos os atos necessários à boa, rápida e correta resolução do processo judicial, por exemplo. Há de fazer com que o devido processo legal substantivo seja colocado em prática, a bem do esclarecimento da verdade, concedendo-se, ao final, a cada um o que realmente é seu. O advogado tem o dever de sempre agir juridicamente em prol do seu constituinte [a lealdade se impõe - Eduardo Couture]; há de defendê-lo de forma ética, honesta e de boa-fé objetiva (CPC, art. 5º); a atuação profissional há de ser com lealdade, jamais abrindo mão dos preceitos éticos e morais4. Demais, cabe-lhe cumprir rigorosamente as determinações contidas no art. 77. do CPC, bem como jamais descuidar da regra do art. 78, do mesmo Código5. O advogado atua de forma parcial, defende seu constituinte e, para tanto, há de se valer de todas as razões e fundamentos jurídicos para buscar êxito na sua atuação, sempre visando os direitos do seu cliente. É atividade nobre, diária, exaustiva6. O estudo há de ser diário; cabe atualização acerca da legislação e das decisões dos tribunais.

Transformar linguagem verbal em linguagem escrita é uma arte, não há dúvida.

O jurista Ives Gandra da Silva Martins ensina:

Aliás, esse é um conselho que dou: nos primeiros tempos do exercício da advocacia, pode haver até alguma perda em relação àqueles profissionais menos éticos, mas com o tempo, eles serão conhecidos por não serem éticos, enquanto que os que o são também serão reconhecidos e, pelo seu próprio conhecimento, serão gradativamente mais valorizados

[...]

Eu sempre disse para os meus alunos — atuei no magistério desde 1964 e fui professor universitário durante 60 anos —,como aqueles que crescem na vida podem não ter crescido tão rapidamente quanto os desonestos no início, mas, com o tempo, os desonestos são ultrapassados com uma velocidade extraordinária 7

Passo a tratar especificamente do jurista, neste ponto. O Doutor Fábio Konder Comparato escreve a respeito do que é ser jurista:

Os juristas de hoje somente justificarão sua utilidade social, quando souberem, de um lado, desenvolver novos padrões exegéticos de realização da justiça, sem desrespeito ao princípio da supremacia da lei sobre a vontade individual do intérprete; de outro lado, quando souberem atuar, máxime em matéria constitucional, como verdadeiros engenheiros sociais, na construção de uma nova sociedade 8

Prossegue:

A denominação - ninguém ignora - é hoje largamente atribuída a todo profissional do Direito neste País, assim como, segundo a persistente tradição, não há bacharel que dispense o tratamento de doutor. Mas se o qualificativo pode ter alguma utilidade para distinguir atividades e funções no campo jurídico, parece curial que ele não assuma uma acepção vasta e indiscriminada, unicamente para satisfazer vaidades pessoais ou prestígios profissionais. Se nem todo bacharel é advogado, do mesmo modo nem todo advogado - ou magistrado, ou promotor público, ou consultor geral da República pode ser considerado jurista.

Em Roma, os ‘prudentes’ souberam distinguir, nitidamente, o ‘orator’ do ‘iurisconsultus’, a ‘eloquentia da scientia iuris’ (D. 1, 2, 2, 40 - Pompônio). Desse elementar cuidado de discriminação e classificação - que presidiu, de resto, o nascimento da iurisprudentia carecemos muito no presente.

O termo ‘jurista’ deveria, a meu ver, ser reservado unicamente ao cientista ou cultor intelectual do Direito, e é nessa acepção que me proponho empregá-lo, doravante, nesta exposição.

Como todo cientista, o jurista desenvolve, fundamentalmente, duas atividades: a pesquisa e a invenção, vale dizer, a ciência pura e a aplicada, ou, se se preferir, a teoria e a tecnologia 9

Por fim,

No terreno da pesquisa e compreensão da realidade jurídica, em primeiro lugar, é difícil negar que os juristas brasileiros, com raras exceções, têm sido, tradicionalmente, simples tributários do pensamento estrangeiro e - o que é pior - seguidores atrasados da produção intelectual alienígena. Raríssimos foram os jurisconsultos nacionais que a exemplo de Teixeira de Freitas, no século passado, e de Pontes de Miranda, neste - souberam criar novos modelos conceituais de compreensão do Direito, sem se limitarem a reproduzir - e ainda sofrivelmente - as idéias oriundas de fora

[...]

O que se impõe à consciência de todo jurista é também e sobretudo a invenção de um Direito mais eficiente e justo. Como disse excelentemente Ascarelli, em conferência pronunciada no ano anterior ao seu passamento, "o nosso problema de juristas não é só o de distinguir entre o lícito e o ilícito, mas também o da fantasia; é o problema da criação de instrumentos, diria mesmo de máquinas jurídicas, que possam alcançar determinadas finalidades, que tenham freio e motor, que se movimentem sem acidentes, ou seja, que correspondam às mais diversas exigências’ 10

O jurista - que também tem inequívoca função social - conhece o Direito de forma profunda; se não restringindo a esta ou aquela área de especialização da ciência jurídica. Possui vasto, abrangente conhecimento sobre vários aspectos do Direito e tal conhecimento cresce de forma gradativa, que nasce nos bancos da faculdade e se desenvolve por toda a vida do jurista. Esse crescimento intelectual [acadêmico] advém da cotidiana pesquisa acadêmica e da elaboração de abalizadas teses jurídicas. Bem ao contrário do advogado que - conforme já exposto - atua na defesa exclusiva de seu constituinte, o jurista tem bagagem prática e acadêmica para emitir densa opinião a respeito de determinada questão de forma totalmente imparcial. Convencido da tese apresentada, o jurista toma da pena e a coloca no papel, de forma lógica e muito bem fundamentada. Sua doutrina a respeito de determinado tema - fruto de profundo e metódico estudo e reflexão acadêmico-científica -, é utilizada em obras jurídicas de outros autores, bem como citada por Tribunais, a fim de dar arrimo ao entendimento esposado. O jurista, com base em sua bagagem jurídica - construída ao longo dos anos -, no seu profundo conhecimento técnico, interpreta a lei, se utilizando de todos os métodos hermenêuticos ao alcance da mão. Aliás,

O jurista é aquele que interpreta o Direito e, quando se convence de uma tese, vai apresentar todo o seu conhecimento para explicar qual é a correta interpretação. Logo, o jurista é alguém que tem a função de dizer o direito com imparcialidade, mesmo que o parecer seja para alguém que está necessitando de uma determinada interpretação 11

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Este pequeno ensaio é dedicado à advogada Beatriz de Oliveira Claro, que está dando os primeiros passos na área jurídica, exercendo a advocacia.

Caso um velho advogado - com trinta e oito anos de efetivo exercício da profissão -, pudesse dar um conselho à Beatriz de Oliveira Claro, esse conselho seria bastante simples e objetivo.

A atuação de forma ética, honesta, honrada e responsável – cumprindo sua função social - fará com que você, sem dúvida, alcance seus objetivos de vida, acadêmicos e profissionais.

Nunca se esqueça, por fim: quando surgir algum problema [o objeto cognoscível sempre estará ao seu alcance, sujeito cognoscente], consulte as obras clássicas do Direito, tanto nacionais quanto estrangeiras.

Os verdadeiros juristas sempre estarão dispostos a auxiliá-la na resolução do problema!

Que Deus a abençoe sempre e ilumine seu caminho!


01 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001, p. 1694, 3ª coluna.

02 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 4ª edição. Curitiba: Editora Positivo, 2009, p. 1164, 3ª coluna.

03 Escreve Francesco Carnelutti: Mas a regra ética não fala senão à consciência. E nem todos os homens, dizia eu, são sensíveis à sua voz. Não devemos ser, quanto a este ponto, nem céticos, nem otimistas. A humanidade segue, em todas as direções, o seu caminho, e na direção ética o seu caminhar é de uma extrema lentidão. Também aqui, a pouco e pouco, os homens se tornam melhores, mas os seus passos são imperceptíveis, como o ponteiro do relógio se movesse num quadrante de séculos. Teoria geral do direito. 2ª impressão. São Paulo: Lejus, 2000, p. 103.

04 Cabe manter a lhaneza, a postura profissional, o bom senso, o equilíbrio, atuando inexoravelmente de forma correta. É de rigor apresentar as questões jurídicas de forma transparente, clara, concisa, elegante e com boa-fé objetiva. É o caminho mais natural a quem exerce a profissão com dignidade e ética. Há anos – ainda quando estudante de Direito nos idos dos anos 1980, ouvi algo que nunca mais esqueci: os clientes passam; os colegas advogados ficam. Pura verdade. Nenhum cliente é eterno. Nada o é. Não se deve apaixonar pela causa onde se atua. Afinal, é apenas uma causa, que um dia será julgada, sendo resolvida a lide em Juízo. O dever é tratar a todos com lealdade e urbanidade. Este mandamento tem estreita ligação com o pensamento estóico, ou seja, as posições de há muito adotadas por Marco Aurélio, Epicteto, Sêneca e tantos outros.

05 Nessa linha, sempre interessante lembra as sábias palavras de Pontes de Miranda: Nada que melhor impressione aos juízes que a elegância discreta das petições, sem encômios, que vexam, e asperezas, que desagradam e às vezes podem ser interpretadas como exuberância advocatícia para avivar as cores de direito duvidoso. Os juízes sabem distinguir, pelo longo traquejo psicológico, a veemência sincera e a falsa indignação dos autores e dos réus. Não raro lhes é difícil extrair da ganga de considerações inúteis o que a parte diria melhor em proposições concisas, precisas, incisivas. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV, arts. 282. a 443. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 10.

06 O direito é uma árdua fadiga posta a serviço da justiça. COUTURE, Eduardo. Os mandamentos do Advogado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. Tradução: Ovídio A. B. da Silva e Carlos O. Athayde. Nessa linha, o labor do advogado deve se diário, metódico, amparado em agenda, anotações, obras jurídicas, códigos atualizados e assim por diante. O advogado vive com agenda, depende dela; conhece e leu vários livros da literatura mundial, obras filosóficas e jurídicas; sabe exatamente em que obra determinado autor escreveu a respeito da questão sobre a qual tem dúvida; seus livros estão sempre abarrotados papéis em muitas páginas; anotações à mão são muitas. O compulsar diário dos livros - qual os juristas - faz com que o advogado saiba exatamente onde pesquisar a respeito de determinada questão. Advogar é cuidar dos processos diariamente, com zelo, para que tramitem de forma rápida e com segurança jurídica. Advogar é agir com ética, prudência, lealdade, honrar e bom senso. Em Juízo, um dos trabalhos do advogado não é apenas e tão somente a redação de textos direcionados ao processo. A tarefa é bem mais abrangente e tem a ver com o estudo da causa; exige preparação, exame de documentos, reflexão sobre o rumo a tomar e quais serão as efetivas medidas, a bem dos direitos do constituinte. Há necessidade de um agir de forma metódica e sistemática.

07 https://www.conjur.com.br/2024-mar-12/o-jurista-e-o-advogado/

Acesso: 24.04.2025.

08 Função social do jurista no Brasil contemporâneo. Aula inaugural do curso de pós-graduação do ano letivo de 1991, da Faculdade de Direito da Universidade da Bahia.

https://www.revistas.usp.br Acesso: 24.04.2025.

09 Função social do jurista no Brasil contemporâneo. Aula inaugural do curso de pós-graduação do ano letivo de 1991, da Faculdade de Direito da Universidade da Bahia. https://www.revistas.usp.br

Acesso: 24.04.2025. Destaques no original.

10 Destaques no original.

11 Ives Gandra da Silva Martins, texto jurídico citado.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos