Dia 24 de abril de 2025
Em data particularmente muito especial para mim, de indisfarçável alegria, entendi que deveria escrever algumas linhas a respeito do jurista no Brasil.
Os tempos são pós-modernos, onde reiteradamente não se vê diferença entre advogado e jurista [de fato, no mundo virtual há muitos que escrevem sobre tudo relacionado ao Direito] - o que se traduz em equívoco -, é importante esclarecer, uma vez mais, que os termos, definitivamente, se não confundem. A atuação de cada profissional tem suas peculiaridades muito bem definidas no âmbito jurídico. Nem todo advogado é jurista, é bem de ver. Aliás, não cabe aqui gastar tinta para dizer que no Brasil há muitos juristas de ponta, nas várias áreas de especialização do Direito. O jurista cria, por assim dizer, novos modelos conceituais a respeito do Direito, nas palavras de Fábio Konder Comparato, a seguir citado.
Inicia-se pela definição de jurista nos dicionários [os velhos dicionários, que não raro ficavam sobre a mesa, prontos para sanar dúvidas].
Conforme Dicionário Houaiss: aquele que é especializado na ciência do direito 1. Por sua vez, no Dicionário Aurélio, o termo jurista é ligado a jurisconsulto. Este significa homem versado na ciência do direito e que faz profissão de dar pareceres acerca de questões jurídicas; jurisperito, jurisprudente, jurista 2. Com base em tais definições, já é possível perceber que há muitas diferenças entre jurista e advogado.
Está na Constituição Federal que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei [art. 133]. A regra do art. 2º, da Lei 8.906/1994: o advogado é indispensável à administração da justiça. O seu parágrafo primeiro tem a seguinte redação: No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. Portanto, o[a] advogado[a] presta serviço público de caráter relevante e exerce efetiva função social. Dito de outra forma, o[a] advogado[a] há de exercer a nobre profissão com dignidade e ética3, observado o princípio constitucional da função social [defesa dos direitos e garantias do cidadão, bem como efetiva atuação ativa em prol da sociedade, em última análise]. O advogado deve contribuir, na justa medida do possível, para que ocorra a paz na sociedade, praticando todos os atos necessários à boa, rápida e correta resolução do processo judicial, por exemplo. Há de fazer com que o devido processo legal substantivo seja colocado em prática, a bem do esclarecimento da verdade, concedendo-se, ao final, a cada um o que realmente é seu. O advogado tem o dever de sempre agir juridicamente em prol do seu constituinte [a lealdade se impõe - Eduardo Couture]; há de defendê-lo de forma ética, honesta e de boa-fé objetiva (CPC, art. 5º); a atuação profissional há de ser com lealdade, jamais abrindo mão dos preceitos éticos e morais4. Demais, cabe-lhe cumprir rigorosamente as determinações contidas no art. 77. do CPC, bem como jamais descuidar da regra do art. 78, do mesmo Código5. O advogado atua de forma parcial, defende seu constituinte e, para tanto, há de se valer de todas as razões e fundamentos jurídicos para buscar êxito na sua atuação, sempre visando os direitos do seu cliente. É atividade nobre, diária, exaustiva6. O estudo há de ser diário; cabe atualização acerca da legislação e das decisões dos tribunais.
Transformar linguagem verbal em linguagem escrita é uma arte, não há dúvida.
O jurista Ives Gandra da Silva Martins ensina:
Aliás, esse é um conselho que dou: nos primeiros tempos do exercício da advocacia, pode haver até alguma perda em relação àqueles profissionais menos éticos, mas com o tempo, eles serão conhecidos por não serem éticos, enquanto que os que o são também serão reconhecidos e, pelo seu próprio conhecimento, serão gradativamente mais valorizados
[...]
Eu sempre disse para os meus alunos — atuei no magistério desde 1964 e fui professor universitário durante 60 anos —,como aqueles que crescem na vida podem não ter crescido tão rapidamente quanto os desonestos no início, mas, com o tempo, os desonestos são ultrapassados com uma velocidade extraordinária 7
Passo a tratar especificamente do jurista, neste ponto. O Doutor Fábio Konder Comparato escreve a respeito do que é ser jurista:
Os juristas de hoje somente justificarão sua utilidade social, quando souberem, de um lado, desenvolver novos padrões exegéticos de realização da justiça, sem desrespeito ao princípio da supremacia da lei sobre a vontade individual do intérprete; de outro lado, quando souberem atuar, máxime em matéria constitucional, como verdadeiros engenheiros sociais, na construção de uma nova sociedade 8
Prossegue:
A denominação - ninguém ignora - é hoje largamente atribuída a todo profissional do Direito neste País, assim como, segundo a persistente tradição, não há bacharel que dispense o tratamento de doutor. Mas se o qualificativo pode ter alguma utilidade para distinguir atividades e funções no campo jurídico, parece curial que ele não assuma uma acepção vasta e indiscriminada, unicamente para satisfazer vaidades pessoais ou prestígios profissionais. Se nem todo bacharel é advogado, do mesmo modo nem todo advogado - ou magistrado, ou promotor público, ou consultor geral da República pode ser considerado jurista.
Em Roma, os ‘prudentes’ souberam distinguir, nitidamente, o ‘orator’ do ‘iurisconsultus’, a ‘eloquentia da scientia iuris’ (D. 1, 2, 2, 40 - Pompônio). Desse elementar cuidado de discriminação e classificação - que presidiu, de resto, o nascimento da iurisprudentia carecemos muito no presente.
O termo ‘jurista’ deveria, a meu ver, ser reservado unicamente ao cientista ou cultor intelectual do Direito, e é nessa acepção que me proponho empregá-lo, doravante, nesta exposição.
Como todo cientista, o jurista desenvolve, fundamentalmente, duas atividades: a pesquisa e a invenção, vale dizer, a ciência pura e a aplicada, ou, se se preferir, a teoria e a tecnologia 9
Por fim,
No terreno da pesquisa e compreensão da realidade jurídica, em primeiro lugar, é difícil negar que os juristas brasileiros, com raras exceções, têm sido, tradicionalmente, simples tributários do pensamento estrangeiro e - o que é pior - seguidores atrasados da produção intelectual alienígena. Raríssimos foram os jurisconsultos nacionais que a exemplo de Teixeira de Freitas, no século passado, e de Pontes de Miranda, neste - souberam criar novos modelos conceituais de compreensão do Direito, sem se limitarem a reproduzir - e ainda sofrivelmente - as idéias oriundas de fora
[...]
O que se impõe à consciência de todo jurista é também e sobretudo a invenção de um Direito mais eficiente e justo. Como disse excelentemente Ascarelli, em conferência pronunciada no ano anterior ao seu passamento, "o nosso problema de juristas não é só o de distinguir entre o lícito e o ilícito, mas também o da fantasia; é o problema da criação de instrumentos, diria mesmo de máquinas jurídicas, que possam alcançar determinadas finalidades, que tenham freio e motor, que se movimentem sem acidentes, ou seja, que correspondam às mais diversas exigências’ 10
O jurista - que também tem inequívoca função social - conhece o Direito de forma profunda; se não restringindo a esta ou aquela área de especialização da ciência jurídica. Possui vasto, abrangente conhecimento sobre vários aspectos do Direito e tal conhecimento cresce de forma gradativa, que nasce nos bancos da faculdade e se desenvolve por toda a vida do jurista. Esse crescimento intelectual [acadêmico] advém da cotidiana pesquisa acadêmica e da elaboração de abalizadas teses jurídicas. Bem ao contrário do advogado que - conforme já exposto - atua na defesa exclusiva de seu constituinte, o jurista tem bagagem prática e acadêmica para emitir densa opinião a respeito de determinada questão de forma totalmente imparcial. Convencido da tese apresentada, o jurista toma da pena e a coloca no papel, de forma lógica e muito bem fundamentada. Sua doutrina a respeito de determinado tema - fruto de profundo e metódico estudo e reflexão acadêmico-científica -, é utilizada em obras jurídicas de outros autores, bem como citada por Tribunais, a fim de dar arrimo ao entendimento esposado. O jurista, com base em sua bagagem jurídica - construída ao longo dos anos -, no seu profundo conhecimento técnico, interpreta a lei, se utilizando de todos os métodos hermenêuticos ao alcance da mão. Aliás,
O jurista é aquele que interpreta o Direito e, quando se convence de uma tese, vai apresentar todo o seu conhecimento para explicar qual é a correta interpretação. Logo, o jurista é alguém que tem a função de dizer o direito com imparcialidade, mesmo que o parecer seja para alguém que está necessitando de uma determinada interpretação 11
Este pequeno ensaio é dedicado à advogada Beatriz de Oliveira Claro, que está dando os primeiros passos na área jurídica, exercendo a advocacia.
Caso um velho advogado - com trinta e oito anos de efetivo exercício da profissão -, pudesse dar um conselho à Beatriz de Oliveira Claro, esse conselho seria bastante simples e objetivo.
A atuação de forma ética, honesta, honrada e responsável – cumprindo sua função social - fará com que você, sem dúvida, alcance seus objetivos de vida, acadêmicos e profissionais.
Nunca se esqueça, por fim: quando surgir algum problema [o objeto cognoscível sempre estará ao seu alcance, sujeito cognoscente], consulte as obras clássicas do Direito, tanto nacionais quanto estrangeiras.
Os verdadeiros juristas sempre estarão dispostos a auxiliá-la na resolução do problema!
Que Deus a abençoe sempre e ilumine seu caminho!
01 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001, p. 1694, 3ª coluna.
02 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 4ª edição. Curitiba: Editora Positivo, 2009, p. 1164, 3ª coluna.
03 Escreve Francesco Carnelutti: Mas a regra ética não fala senão à consciência. E nem todos os homens, dizia eu, são sensíveis à sua voz. Não devemos ser, quanto a este ponto, nem céticos, nem otimistas. A humanidade segue, em todas as direções, o seu caminho, e na direção ética o seu caminhar é de uma extrema lentidão. Também aqui, a pouco e pouco, os homens se tornam melhores, mas os seus passos são imperceptíveis, como o ponteiro do relógio se movesse num quadrante de séculos. Teoria geral do direito. 2ª impressão. São Paulo: Lejus, 2000, p. 103.
04 Cabe manter a lhaneza, a postura profissional, o bom senso, o equilíbrio, atuando inexoravelmente de forma correta. É de rigor apresentar as questões jurídicas de forma transparente, clara, concisa, elegante e com boa-fé objetiva. É o caminho mais natural a quem exerce a profissão com dignidade e ética. Há anos – ainda quando estudante de Direito nos idos dos anos 1980, ouvi algo que nunca mais esqueci: os clientes passam; os colegas advogados ficam. Pura verdade. Nenhum cliente é eterno. Nada o é. Não se deve apaixonar pela causa onde se atua. Afinal, é apenas uma causa, que um dia será julgada, sendo resolvida a lide em Juízo. O dever é tratar a todos com lealdade e urbanidade. Este mandamento tem estreita ligação com o pensamento estóico, ou seja, as posições de há muito adotadas por Marco Aurélio, Epicteto, Sêneca e tantos outros.
05 Nessa linha, sempre interessante lembra as sábias palavras de Pontes de Miranda: Nada que melhor impressione aos juízes que a elegância discreta das petições, sem encômios, que vexam, e asperezas, que desagradam e às vezes podem ser interpretadas como exuberância advocatícia para avivar as cores de direito duvidoso. Os juízes sabem distinguir, pelo longo traquejo psicológico, a veemência sincera e a falsa indignação dos autores e dos réus. Não raro lhes é difícil extrair da ganga de considerações inúteis o que a parte diria melhor em proposições concisas, precisas, incisivas. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV, arts. 282. a 443. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 10.
06 O direito é uma árdua fadiga posta a serviço da justiça. COUTURE, Eduardo. Os mandamentos do Advogado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. Tradução: Ovídio A. B. da Silva e Carlos O. Athayde. Nessa linha, o labor do advogado deve se diário, metódico, amparado em agenda, anotações, obras jurídicas, códigos atualizados e assim por diante. O advogado vive com agenda, depende dela; conhece e leu vários livros da literatura mundial, obras filosóficas e jurídicas; sabe exatamente em que obra determinado autor escreveu a respeito da questão sobre a qual tem dúvida; seus livros estão sempre abarrotados papéis em muitas páginas; anotações à mão são muitas. O compulsar diário dos livros - qual os juristas - faz com que o advogado saiba exatamente onde pesquisar a respeito de determinada questão. Advogar é cuidar dos processos diariamente, com zelo, para que tramitem de forma rápida e com segurança jurídica. Advogar é agir com ética, prudência, lealdade, honrar e bom senso. Em Juízo, um dos trabalhos do advogado não é apenas e tão somente a redação de textos direcionados ao processo. A tarefa é bem mais abrangente e tem a ver com o estudo da causa; exige preparação, exame de documentos, reflexão sobre o rumo a tomar e quais serão as efetivas medidas, a bem dos direitos do constituinte. Há necessidade de um agir de forma metódica e sistemática.
07 https://www.conjur.com.br/2024-mar-12/o-jurista-e-o-advogado/
Acesso: 24.04.2025.
08 Função social do jurista no Brasil contemporâneo. Aula inaugural do curso de pós-graduação do ano letivo de 1991, da Faculdade de Direito da Universidade da Bahia.
https://www.revistas.usp.br Acesso: 24.04.2025.
09 Função social do jurista no Brasil contemporâneo. Aula inaugural do curso de pós-graduação do ano letivo de 1991, da Faculdade de Direito da Universidade da Bahia. https://www.revistas.usp.br
Acesso: 24.04.2025. Destaques no original.
10 Destaques no original.
11 Ives Gandra da Silva Martins, texto jurídico citado.