Proteção de dados pessoais na era digital: Desafios normativos, implicações éticas e limites tecnológicos à privacidade informacional

Resumo:


  • A coleta e processamento de dados pessoais impulsionados por tecnologias disruptivas reconfiguraram a privacidade na sociedade contemporânea.

  • Os desafios da proteção de dados incluem limites da regulação, riscos à autodeterminação informativa e conflitos entre inovação e direitos fundamentais.

  • A evolução regulatória destaca marcos normativos como o GDPR, LGPD e CCPA, mas a ausência de um regime internacional uniforme compromete a proteção global de dados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: A intensificação da coleta e do processamento de dados pessoais, impulsionada por tecnologias disruptivas como inteligência artificial, big data e Internet das Coisas, reconfigurou os contornos da privacidade na sociedade contemporânea. Este artigo examina os desafios jurídicos, éticos e tecnológicos associados à proteção de dados no contexto da digitalização pervasiva, com destaque para os limites da regulação, os riscos à autodeterminação informativa e os conflitos entre inovação e direitos fundamentais. A análise contempla os marcos normativos vigentes, como o GDPR, a LGPD e a CCPA, as lacunas regulatórias diante do avanço tecnológico e as estratégias institucionais para a construção de uma governança de dados mais segura, transparente e ética.

Palavras-chave: Proteção de dados. Privacidade. LGPD. GDPR. Ética digital. Direito à autodeterminação informativa. Sociedade da informação.


Introdução

A ascensão da sociedade da informação alterou profundamente a lógica da privacidade e a arquitetura da proteção de dados pessoais. Se, outrora, a privacidade era entendida como uma esfera física ou psicológica de exclusão do outro, hoje ela está intrinsecamente relacionada à circulação de dados e à gestão de identidades digitais. Com a digitalização de processos sociais, econômicos e institucionais, o tratamento massivo e automatizado de informações pessoais passou a constituir uma das principais fontes de poder e desigualdade na era contemporânea.

O presente ensaio busca analisar criticamente os desafios jurídicos, éticos e tecnológicos da proteção de dados na era digital, considerando os limites das regulações nacionais, os riscos associados ao uso intensivo de tecnologias emergentes e as tensões entre o progresso técnico e os direitos fundamentais da personalidade.


A evolução regulatória e os desafios da harmonização normativa

O panorama regulatório da proteção de dados evidencia um esforço global de contenção dos abusos informacionais no contexto digital. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia (GDPR) representa um marco jurídico paradigmático, ao consolidar os princípios da transparência, da finalidade, da minimização e da autodeterminação informativa. Sua influência extraterritorial projeta efeitos sobre empresas globais e sobre legislações nacionais, como a Lei Geral de Proteção de Dados brasileira (Lei nº 13.709/2018) e a California Consumer Privacy Act (CCPA).

Contudo, a ausência de um regime normativo internacional uniforme compromete a eficácia da proteção dos dados pessoais em escala global. Empresas transnacionais enfrentam dificuldades operacionais diante da multiplicidade de obrigações locais, ao passo que indivíduos veem seus dados circulando entre diferentes jurisdições, muitas vezes sem garantias adequadas.

Além disso, a defasagem entre o ritmo legislativo e a velocidade da inovação tecnológica produz zonas cinzentas regulatórias, que deixam os titulares de dados expostos a práticas abusivas, vigilância não consentida e manipulação algorítmica.


As limitações tecnológicas e os dilemas da anonimização

Do ponto de vista técnico, a explosão de dados gerados por dispositivos inteligentes (IoT), plataformas digitais e sistemas de inteligência artificial compromete as estratégias tradicionais de proteção, como a anonimização e a pseudonimização. Algoritmos de machine learning são capazes de reidentificar indivíduos a partir de padrões estatísticos, mesmo em bases de dados aparentemente despersonalizadas.

Além disso, os sistemas de recomendação, as redes neurais e as arquiteturas de big data operam com graus de opacidade (black boxes) que dificultam a auditoria de decisões automatizadas e a responsabilização por discriminações algorítmicas. A privacidade, nesse cenário, passa a depender não apenas de barreiras técnicas, mas de modelos institucionais de governança de dados, controle externo e prestação de contas.


A ética da informação e os riscos à autonomia individual

A coleta e o tratamento de dados suscitam questões éticas fundamentais sobre o consentimento, a transparência e a autodeterminação dos sujeitos informacionais. Em muitos contextos, o consentimento é obtido de forma genérica, compulsória ou opaca, frustrando a finalidade de proteger a liberdade informacional. Práticas como o profiling, a vigilância comportamental e a microtargetização de conteúdo agravam os riscos de manipulação psicológica, discriminação sistêmica e erosão da agência individual.

Exemplos preocupantes incluem o uso de dados em processos seletivos e decisões judiciais baseadas em sistemas automatizados que, por reproduzirem vieses históricos, acabam por reforçar desigualdades estruturais — um fenômeno descrito como discriminação algorítmica. O uso de dados pessoais sem o devido controle ético compromete não apenas o direito à privacidade, mas o próprio ideal de dignidade humana.


Caminhos para uma governança informacional democrática e segura

A proteção de dados na era digital exige uma abordagem interdisciplinar e multinível, que articule normas jurídicas robustas, salvaguardas tecnológicas eficazes e uma cultura institucional de responsabilidade informacional. A criação de autoridades reguladoras independentes, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) no Brasil, representa um passo importante para a supervisão dos fluxos informacionais e para a aplicação das sanções previstas em caso de violação.

Paralelamente, a incorporação de tecnologias voltadas à preservação da privacidade — como a criptografia de ponta a ponta, o zero-knowledge proof e o aprendizado de máquina federado — oferece soluções promissoras para conciliar inovação e proteção de direitos. Ademais, a educação digital e a alfabetização informacional da população são instrumentos essenciais para promover o protagonismo dos indivíduos na gestão de seus dados.

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Conclusão

A proteção de dados pessoais na era digital configura um desafio estrutural para os Estados democráticos, para o setor produtivo e para a sociedade civil. As novas tecnologias, ao mesmo tempo que ampliam as possibilidades de progresso e personalização de serviços, também colocam em risco liberdades fundamentais e aprofundam assimetrias informacionais. O desafio consiste, portanto, em instituir mecanismos normativos e técnicos capazes de proteger a dignidade do sujeito informacional, assegurando sua autonomia, sua segurança e sua inclusão na nova ordem digital.

A construção de um modelo global de governança de dados, ancorado em princípios de proporcionalidade, justiça, transparência e accountability, é imprescindível para garantir que o avanço tecnológico esteja a serviço da cidadania e da democracia, e não da vigilância e da mercantilização da intimidade.


Referências normativas e bibliográficas

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

CAVOUKIAN, Ann. Privacy by Design: The 7 Foundational Principles. Ontario: Information and Privacy Commissioner, 2009.

DANAHER, John. Automation and Utopia: Human Flourishing in a World Without Work. Harvard University Press, 2019.

DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais: Elementos da formação da Lei Geral de Proteção de Dados. São Paulo: Saraiva, 2020.

ESTADOS UNIDOS. California Consumer Privacy Act (CCPA), 2018.

MONTEIRO FILHO, Reynaldo Soares da Fonseca. Proteção de dados pessoais e democracia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (GDPR).

ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: A luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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