Classificações de dados e a proteção da privacidade na sociedade digital: Implicações éticas e jurídicas

Resumo:


  • A era digital consolidou os dados como recursos centrais para a inovação tecnológica, economia da informação e políticas públicas.

  • A coleta e o tratamento intensivo de informações pessoais despertam preocupações relativas à privacidade, segurança e equidade.

  • A governança responsável dos dados exige uma abordagem normativa robusta, combinada com práticas tecnológicas e educacionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo

A era digital consolidou os dados como recursos centrais para a inovação tecnológica, a economia da informação e a formulação de políticas públicas. No entanto, a coleta e o tratamento intensivo de informações pessoais despertam preocupações relativas à privacidade, à segurança e à equidade. Este artigo analisa as principais categorias de dados, com ênfase no conceito de dado pessoal, e discute os desafios éticos, legais e sociais relacionados ao seu uso. A partir da distinção entre dados pessoais, sensíveis e anonimizados, examina-se a importância do consentimento, da transparência e da minimização no tratamento de dados, destacando os riscos associados à discriminação algorítmica e à violação da autonomia individual. Conclui-se que a governança responsável dos dados exige uma abordagem normativa robusta, combinada com práticas tecnológicas e educacionais que assegurem a dignidade e os direitos fundamentais na era digital.

Palavras-chave: dados pessoais; privacidade; anonimização; ética digital; proteção de dados


Introdução

Na sociedade contemporânea, os dados constituem o substrato informacional que alimenta os sistemas de inteligência artificial, modela comportamentos de consumo, orienta políticas públicas e impulsiona a economia digital. A crescente digitalização das interações humanas tornou a coleta, o armazenamento e a análise de informações pessoais onipresentes e, muitas vezes, imperceptíveis. Nesse contexto, compreender as diferentes categorias de dados e, sobretudo, o conceito jurídico e ético de dado pessoal, é fundamental para garantir que os benefícios da tecnologia não sejam obtidos às custas da privacidade, da dignidade e dos direitos fundamentais.


Classificação dos dados e o conceito de dado pessoal

Os dados, em seu sentido mais amplo, podem ser classificados conforme sua estrutura (estruturados ou não estruturados), sua origem (gerados por usuários, dispositivos ou sensores), sua finalidade (analítica, preditiva, publicitária etc.) e, sobretudo, sua capacidade de identificar um indivíduo.

Dentre essas categorias, destacam-se os dados pessoais, definidos pelo artigo 5º, inciso I, da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), como "informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável". Essa definição encontra paralelo no artigo 4º, n.º 1, do Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR), que considera dado pessoal toda informação que permita, direta ou indiretamente, a identificação de uma pessoa física.

Inserem-se nesse conceito não apenas informações ostensivas como nome, CPF, endereço ou e-mail, mas também identificadores digitais, como endereços IP, geolocalização e padrões comportamentais, que, quando agregados, tornam possível reconstituir a identidade de um sujeito.


Dados sensíveis e anonimizados: proteção adicional e desafios

Em um nível mais restrito, os dados sensíveis exigem proteção redobrada, por se referirem a características íntimas do indivíduo, como convicções religiosas, posicionamento político, informações sobre saúde, orientação sexual, dados genéticos e biométricos. Devido ao seu potencial discriminatório, o tratamento desses dados está condicionado a bases legais mais restritas e exige salvaguardas específicas.

Por outro lado, os dados anonimizados — aqueles que passaram por um processo técnico de desvinculação do sujeito a que se referem — são, em tese, excluídos do regime protetivo da LGPD. No entanto, como destaca Ohm (2010), a reidentificação de dados considerados anonimizados pode ocorrer mediante a correlação com outras bases, comprometendo a eficácia das técnicas tradicionais de anonimização. Isso revela que a anonimização, embora útil, não é absoluta, devendo ser compreendida como medida de mitigação, e não de eliminação de riscos.


Consentimento, minimização e transparência: princípios fundamentais

A construção de um regime ético e jurídico de proteção de dados pessoais repousa sobre três pilares principais: consentimento, minimização e transparência.

O consentimento deve ser livre, informado e inequívoco, conforme estabelece o artigo 7º da LGPD. Trata-se de reconhecer a autonomia do indivíduo na gestão de seus próprios dados, o que implica o direito de revogação e de oposição ao tratamento.

A minimização de dados, por sua vez, é um princípio que impõe limites à coleta excessiva e ao armazenamento indiscriminado, exigindo que as organizações tratem apenas os dados estritamente necessários à finalidade pretendida.

A transparência obriga o controlador a informar de forma clara, acessível e objetiva as finalidades do tratamento, os critérios de compartilhamento e os prazos de retenção. A opacidade informacional, frequentemente associada a políticas de privacidade extensas e ininteligíveis, compromete esse princípio e mina a confiança do titular.


Desafios éticos e sociais na utilização de dados

A utilização de dados pessoais em larga escala, especialmente no contexto de algoritmos de tomada de decisão automatizada, como sistemas de recrutamento, concessão de crédito e avaliação de risco, levanta questões éticas sensíveis. A literatura aponta que algoritmos treinados com conjuntos de dados enviesados podem perpetuar e amplificar desigualdades sociais, raciais e econômicas (Tene & Polonetsky, 2013).

Além disso, o perfilamento extensivo — isto é, a criação de dossiês detalhados sobre indivíduos com base em suas interações digitais — ameaça a autodeterminação informacional e potencializa práticas de manipulação comportamental e vigilância preditiva. O risco não é apenas individual, mas coletivo: uma sociedade monitorada tende à conformidade e à autocensura, fenômeno descrito por Solove (2006) como “efeito inibidor da vigilância”.

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Considerações finais

A análise e a categorização dos dados são indispensáveis para o desenvolvimento da economia digital, mas devem ser conduzidas sob uma ótica que respeite os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da inviolabilidade da intimidade e da proteção contra o arbítrio. A compreensão adequada das tipologias de dados e a aplicação coerente dos princípios de proteção — consentimento, minimização e transparência — constituem instrumentos essenciais para a construção de uma governança ética da informação.

A consolidação de um modelo de proteção eficaz depende de marcos regulatórios atualizados, fiscalização ativa e cultura institucional de respeito à privacidade. Mais do que uma exigência legal, proteger dados pessoais é preservar a liberdade, a igualdade e a autonomia dos indivíduos em uma sociedade cada vez mais digitalizada.


Referências

HARTZOG, Woodrow; STUTZMAN, Frederic. The case for online obscurity. California Law Review, v. 101, n. 1, p. 1-49, 2013.

NISSENBAUM, Helen. Privacy as contextual integrity. Washington Law Review, v. 79, n. 1, p. 119-157, 2004.

OHM, Paul. Broken promises of privacy: responding to the surprising failure of anonymization. UCLA Law Review, v. 57, n. 6, p. 1701-1777, 2010.

SOLOVE, Daniel J. A taxonomy of privacy. University of Pennsylvania Law Review, v. 154, n. 3, p. 477-560, 2006.

TENE, Omer; POLONETSKY, Jules. Big data for all: privacy and user control in the age of analytics. Northwestern Journal of Technology and Intellectual Property, v. 11, n. 5, p. 239-273, 2013.


Abstract

The digital era has consolidated data as a central resource for technological innovation, the information economy, and public policy. However, the extensive collection and processing of personal information raise concerns about privacy, security, and fairness. This article analyzes the main data categories, with an emphasis on the concept of personal data, and discusses the ethical, legal, and social challenges associated with its use. Based on the distinction between personal, sensitive, and anonymized data, the article examines the importance of consent, transparency, and data minimization, highlighting the risks of algorithmic discrimination and violations of individual autonomy. It concludes that responsible data governance requires a robust regulatory framework, combined with technological and educational practices that safeguard human dignity and fundamental rights in the digital age.

Key words : personal data; privacy; anonymization; digital ethics; data protection

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

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