Resumo: O tratamento de dados pessoais na era digital exige um delicado equilíbrio entre a proteção da privacidade e as necessidades legítimas de uso da informação por agentes públicos e privados. Este artigo examina os fundamentos, os limites e as implicações das permissões e exceções previstas nas legislações de proteção de dados, com foco na compatibilização entre o consentimento informado, os interesses legítimos e os casos em que o uso de dados se justifica independentemente da autorização do titular. A análise envolve aspectos éticos, jurídicos e sociais, considerando contextos emergenciais, segurança pública e avanços tecnológicos. Conclui-se que uma estrutura regulatória clara, transparente e proporcional é essencial para garantir a confiança social e a salvaguarda dos direitos fundamentais em ambientes digitais complexos.
Palavras-chave: proteção de dados pessoais; consentimento informado; exceções legais; interesse legítimo; privacidade digital.
Na era digital, a privacidade dos dados pessoais tornou-se uma questão central nas interações humanas, permeando decisões políticas, estratégias empresariais e relações interpessoais. O crescimento exponencial na coleta, processamento e compartilhamento de dados ampliou o debate sobre as permissões e exceções ao uso dessas informações, exigindo abordagens jurídicas e éticas mais refinadas. A legislação contemporânea, ao mesmo tempo em que impõe limites ao tratamento de dados, também reconhece situações em que sua utilização, ainda que sem consentimento prévio, é legítima e necessária.
A base normativa do tratamento ético de dados repousa sobre princípios como o consentimento informado, a finalidade legítima, a minimização, a transparência e a responsabilização. O consentimento, em especial, é um dos fundamentos mais relevantes, pois materializa a autodeterminação informacional. No entanto, existem hipóteses legais que flexibilizam esse requisito, como nas situações de cumprimento de obrigações legais, execução de políticas públicas, estudos em saúde e pesquisa, proteção da vida e segurança, ou legítimo interesse do controlador.
Exceções ao consentimento são particularmente relevantes em contextos emergenciais. Durante pandemias, por exemplo, dados de localização e saúde podem ser tratados por autoridades sanitárias para conter a propagação de doenças, mesmo sem autorização prévia do titular. Ele se aplica a operações de resgate em desastres naturais, onde a agilidade na troca de informações pode ser vital. Em tais casos, a legislação admite o tratamento dos dados com base na proteção de interesses vitais ou na execução de políticas públicas, desde que sejam respeitados os princípios da necessidade e da proporcionalidade.
Também merece destaque o tratamento de dados com base no interesse legítimo. Empresas utilizam essa base para fins como segurança da informação, prevenção a fraudes, marketing, personalização de serviços e melhoria de produtos. Embora legítimo, esse fundamento exige a realização de uma avaliação de impacto à proteção de dados, com análise dos riscos e mitigação de danos potenciais aos direitos dos titulares. O tratamento só será lícito se não prevalecerem os direitos e liberdades fundamentais da pessoa natural.
Por outro lado, a ausência de limites claros ou a expansão indevida das exceções pode resultar em práticas abusivas, como vigilância massiva, discriminação algorítmica e uso político de informações pessoais. Casos emblemáticos, como os programas de monitoramento revelados por Edward Snowden ou os escândalos envolvendo o uso de dados por plataformas digitais em campanhas eleitorais, evidenciam os riscos da utilização não regulada de exceções legais. Tais episódios ressaltam a necessidade de salvaguardas institucionais, como supervisão por autoridades independentes, auditorias regulares, e mecanismos de responsabilização.
As implicações éticas da flexibilização do consentimento também são relevantes. A utilização de dados sensíveis sem autorização, mesmo em contextos legítimos, pode gerar desconfiança, resistência social e exclusão de grupos vulneráveis. Uma sociedade que percebe o uso de dados como arbitrário ou invasivo tende a resistir à inovação e à cooperação, o que prejudica a eficácia das políticas públicas e o desenvolvimento tecnológico. Por isso, é essencial que as permissões e exceções estejam embasadas em normas claras, mecanismos de transparência e participação social.
O avanço tecnológico intensifica os desafios. Algoritmos de inteligência artificial, capazes de cruzar dados e inferir padrões, muitas vezes operam de forma opaca, dificultando a rastreabilidade do uso da informação e a apuração de responsabilidades. A globalização dos fluxos de dados agrava esse cenário, pois impõe a necessidade de compatibilizar diferentes sistemas jurídicos. Regulamentos como o GDPR europeu e a LGPD brasileira procuram enfrentar essas questões, mas sua eficácia depende da fiscalização contínua e da atualização normativa.
Em síntese, as permissões e exceções para o uso de dados são instrumentos indispensáveis à governança informacional da era digital. Todavia, sua legitimidade depende do respeito a balizas normativas, do controle social e da proporcionalidade entre os fins perseguidos e os meios empregados. A construção de um modelo regulatório equilibrado, que respeite a privacidade sem inviabilizar políticas públicas e inovações tecnológicas, é tarefa permanente dos legisladores, reguladores e da sociedade civil.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 ago. 2018.
COSTA, Eugenia Menezes de Almeida. A proteção de dados pessoais no Brasil: fundamentos, regime jurídico e desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais: elementos da formação da autoridade nacional e do regime jurídico brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2019.
EUROPEAN UNION. General Data Protection Regulation (Regulation (EU) 2016/679). Official Journal of the European Union, L 119, 4 May 2016.
TENE, Omer; POLONETSKY, Jules. Privacy in the Age of Big Data: A Time for Big Decisions. Stanford Law Review Online, v. 64, p. 63–69, Feb. 2012.
Abstract:The processing of personal data in the digital age requires a delicate balance between privacy protection and the legitimate needs of information use by public and private actors. This article examines the foundations, limits, and implications of permissions and exceptions provided by data protection laws, focusing on reconciling informed consent, legitimate interests, and circumstances in which data use is justified regardless of the data subject’s authorization. The analysis addresses ethical, legal, and social dimensions, considering emergency contexts, public security, and technological advancements. It concludes that a clear, transparent, and proportionate regulatory framework is essential to ensuring public trust and safeguarding fundamental rights in complex digital environments.
Keywords: personal data protection; informed consent; legal exceptions; legitimate interest; digital privacy.