Interpretação sistemática, teleológica e axiológica do art. 56, §9º, da Lei 11.101/05

30/04/2025 às 10:54
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[30] abril 2025.

O artigo 56 da Lei 11.101/05 trata de aspectos relacionados à assembleia geral de credores em sede de recuperação judicial. No §9º do referido texto de lei consta: Na hipótese de suspensão da assembleia-geral de credores convocada para fins de votação do plano de recuperação judicial, a assembleia deverá ser encerrada no prazo de até 90 (noventa) dias, contado da data de sua instalação [redação dada pela Lei 14.112/2020].

Observe-se que no enunciado normativo há a conjunção “deverá” ´[tempo verbal: futuro do presente do indicativo]. A lei de regência, então, contém uma regra imperativa, mas que deve(ria) ser analisada conforme a Hermenêutica [exegese sistemática e teleológica]. É justamente tal dispositivo legal o foco do presente ensaio.

A assembleia geral de credores se não traduz em novidade trazida pela Lei 11.101/05. Pelo contrário. Surgiu na Lei 2.024/19081, sendo que no ab-rogado Decreto-Lei 7.661/45 estava prevista nos artigos 122 e 1232.

Trata-se de importante órgão da falência e da recuperação judicial [art. 35. da Lei 11.101/05]. É um órgão máximo de deliberação dos credores, para fins de efetiva participação no processo de recuperação. Também é órgão facultativo, porquanto não é em todo e qualquer regime recuperatório que existirá.

Apresentado o plano pelo devedor dentro do prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias [a contar da publicação da decisão prevista no art. 52], os credores, intimados podem anuir de forma expressa ou tácita, restando sem necessidade a convocação de assembleia, porquanto inexistente objeção (art. 55. e art. 56). Caso haja objeção fundamentada de qualquer credor, a convocação de assembleia é de rigor.

Não se descuide que em regime recuperacional os credores podem ter interesses convergentes e comuns [superação da crise do devedor, a fim de que se mantenha no mercado e pague as dívidas], mas divergentes, díspares, diametralmente opostos quanto a situação dos créditos de cada um - considerando as respectivas classes-, bem como a forma de recebimento e assim por diante.

Em sede de recuperação judicial, as atribuições deliberativas da assembleia geral de credores estão previstas no art. 35. da lei de regência. A assembleia geral exterioriza a vontade coletiva dos credores em sede de recuperação judicial. Tem ela o poder de aprovar, modificar [desde que haja expressa concordância do devedor e não diminua os direitos exclusivos dos credores ausentes - art. 56, §3º] ou rejeitar o plano de reestruturação.

O administrador judicial tem o dever de assegurar que devedor e credores não adotem expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais ao regular andamento das negociações [art. 22, inc. II, letra “f”]3, de modo que responde por prejuízos causados [art. 32].

Estabelece a regra do art. 56, §1º, da Lei 11.101/05, que a data designada para a assembleia geral de credores não excederá 150 (cento e cinquenta) dias contados a partir da data da decisão que determina o processamento da recuperação judicial (art. 52). A Lei 11.101/05, saliente-se, não prevê nenhuma sanção caso haja extrapolação do prazo. Portanto, em abertura judicial da falência não há falar caso o prazo nã seja observado.

Considerando os interesses e direitos múltiplos [não raro díspares] na recuperação judicial, prevê a lei que a assembleia pode ser suspensa - nem sempre há instalação e deliberação sobre o plano de recuperação no mesmo ato - sendo que a assembleia deve ser encerada no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data da instalação. A suspensão da assembleia pode ocorrer, até de forma sucessiva, contanto que dentro do prazo legal, o que sói ocorrer quando em curso tratativas de negociações com este ou aquele credor. Destaque-se que a regra prevista no art. 56, §9º foi incorporada pela Lei 14.112/2020.

Em resumo, na hipótese de suspensão de assembleia que tem como objetivo deliberar sobre o plano, esta deve se encerrada no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data da instalação.

O “deverá” ser encerrada, qual consta da lei, é impositivo, a fim de que não se procrastine o andamento do processo; haja efetivo pagamento dos credores; não sejam os credores extraconcursais [não adstritos ao regime rcuperatório] prejudicados e evita-se a prorrogação do stay period.

A superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, crise essa momentânea, deve ocorrer em curto espaço de tempo, de modo que a lei impõe prazos razoavelmente curtos para a prática de determinados atos.

O texto legal não tem como objetivo apenas e tão somente o soerguimento da “empresa” em crise, mas principalmente visa a tutelar o crédito. Há de se evitar o efeito multiplicador da crise empresarial; evitar crise sistêmica deste ou daquele setor da economia.

A rigidez do art. 56, §9º, da Lei 11.101/05, quanto ao prazo para encerramento da assembleia (90 dias) pode ser afastada de forma excepcional no caso concreto, à vista da de justificação fundamentadamente apresentada e efetiva necessidade de prorrogação do prazo. Não obstante a necessidade de se impor celeridade (com segurança jurídica e estabilidade do processo) ao processo de reestruturação [duração razoável do processo – art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal], há situações concretas onde inexiste possibilidade de rápida deliberação a respeito do conteúdo do plano.

Por outro lado, para que possa ocorrer a prorrogação do prazo, o devedor recuperando não pode dar causa, não pode contribuir para que sejam extrapolados os 90 (noventa) dias.

Destaque-se que a lei estabelece situações onde pode haver a superação do prazo temporal, contanto que o devedor não tenha contribuído. Assim o diz a regra do art. 6º, §4º.

Da mesma forma, a prorrogação excepcional, quanto a assembleia, pode ocorrer, desde que a causa não tenha sido dada pelo devedor.

Em determinadas situações concretas, as negociações com determinados credores são mais demoradas; as cláusulas e condições (quanto a prazos, forma de pagamento etc.) têm caráter mais complexo e demandam mais tratativas e tempo para deliberação de comitês, por exemplo.

Nem sempre a negociação é convergente entre devedor e credores, em primeira reunião. Não se olvide que a negociação há de ser sempre integrativa, afastando-se a distributiva.

O magistrado, ao analisar pedido de “flexibilização” [por assim dizer] da regra legal há de considerar os efeitos práticos de sua decisão, as consequências práticas e jurídicas da deliberação (Decreto-Lei 4.657/1942, art. 20). Não se olvide da regra contida no art. 5º, da mesma lei. É justamente neste art. 5º que existe uma exigência de cunho teleológico, a ser observada no caso concreto.

É possível a prorrogação do prazo legal de 90 (noventa) dias, contanto que determinadas circunstâncias concretas estejam materializadas no processo de reestruturação. Por outro lado, o devedor não pode dar causa à prorrogação; há de agir em conformidade com a boa-fé objetiva, assim como todos os que participam do processo.

Há precedentes dos Tribunais sobre a matéria. A propósito, colhe-se o entendimento do Tribunal de Justiça do Paraná:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRORROGAÇÃO DO ENCERRAMENTO DA ASSEMBLEIA-GERAL DE CREDORES PARA ALÉM DO PRAZO PREVISTO NO § 9º, DO ART. 56, DA LEI Nº 11.101/2005. POSSIBILIDADE DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. SUSPENSÃO DELIBERADA PELA ASSEMBLEIA-GERAL EM DOIS QUÓRUNS DE VOTAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SUSPENSÃO QUE ATENDE À FINALIDADE PRIMORDIAL DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, QUE É PROPORCIONAR O SOERGUIMENTO DA EMPRESA, E GARANTIR A CONTINUIDADE DE SUAS ATIVIDADES, INCLUSIVE NO INTUITO DE MANTER OS POSTOS DE TRABALHO. CONVOLAÇÃO EM FALÊNCIA. MEDIDA DRÁSTICA QUE, CERTAMENTE, NÃO SE JUSTIFICA NESSE MOMENTO EM QUE DECISÕES ESTÃO SENDO TOMADAS NO CONCLAVE, EM PROL DA MANUTENÇÃO EMPRESA E DO INTERESSE DOS CREDORES, E QUE SÃO CRUCIAIS PARA O BOM ÊXITO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PREVALÊNCIA, ADEMAIS, DA NATUREZA CONTRATUAL DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO 4

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro assentou a seguinte posição:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. GRUPO PERSONAL. PEDIDO DE PRORROGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA ASSEMBLEIA PARA VOTAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL . Decisão agravada que proibiu nova suspensão das assembleias agendadas para votação do plano de recuperação judicial. Recurso da Recuperanda. Seguindo o princípio da preservação da empresa, a recuperação judicial constitui uma ação judicial destinada a sanear a situação de crise econômico-financeira do empresário devedor, viabilizando a manutenção de suas atividades. Art. 47. da Lei 11.101/2005. No que tange especificamente à suspensão da AGC, é cediço que a reforma da Lei n. 11.101/05 introduziu o §9º ao artigo 56, segundo o qual a assembleia geral de credores deve ser encerrada no prazo máximo de 90 dias, contados da sua instalação. Portanto, observa-se que o legislador impôs um limite temporal, com o objetivo de evitar que as assembleias de credores se eternizassem, com sucessivas suspensões, sob o pretexto de que as partes estariam negociando, mas que muitas vezes o que ocorria era uma mera procrastinação da solução do caso, na esperança de que a situação da empresa se modificasse. No entanto, é de se notar que a norma merece interpretação teleológica em conjunto com outras normas do sistema recuperacional, porque a prorrogação acimado limite legal decorre da vontade da recuperanda ao pedir a suspensão, mas acima de tudo da vontade dos credores, devendo as partes observar os princípios gerais do direito, como a boa-fé objetiva e a função social do instituto. Além disso, verifica-se que a própria jurisprudência admite a flexibilização do período de stay period, desde que a recuperanda não tenha contribuído para o retardamento da tramitação do processo e que haja aprovação da maioria dos credores. Enunciado nº. 42, lavrado durante a I Jornada de Direito Comercial do CJF. Desse modo, indeferir o pedido se equivaleria à rejeição do plano, não sendo razoável ou proporcional tal solução, sobretudo porque os credores necessitam de avaliações internas para análise do aditivo ao PRJ por seus respectivos comitês, de modo que a suspensão da assembleia conduziria a um possível cenário – como restou comprovado – de aprovação do plano e soerguimento das empresas, não restando configurada desídia na condução do processo. Por fim, verifica-se que o objeto do presente recurso se dissocia daquele julgado nos autos do Agravo de Instrumento n. 001907095.2023.8.19.0000. que trata sobre a impossibilidade de prorrogação do stay period. Decisão reformada para, ratificando a decisão de fls. 25/34, autorizar, de modo excepcional, a prorrogação da Assembleia Geral de Credores ocorrida em 14/09/23, convalidando os efeitos da assembleia realizada no dia 07/11/23. PROVIMENTO DO RECURSO5

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O art. 56, §9º da Lei 11.101/05 carece ser interpretado de forma sistemática6 em relação a todo o diploma legal, em especial a regra normativa do art. 47. Por outro lado, se não pode olvidar do aspecto teleológico.

Conforme Carlos Maximiliano,

O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providencias protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi redigida 7

Portanto, a regra do art. 56, §9º, da Lei 11.101/05 pode ser interpretada de forma sistemática, teleológica e axiológica, nos sentido de que, em havendo situação concreta que assim o exija, o prazo poderá ser prorrogado, considerando a finalidade da lei: tentativa de superação da crise econômico-financeira do devedor e preservação do crédito.


01 Art. 124: Qualquer outro meio de liquidação do activo poderá ser autorizado por credores, representando dous terços dos creditos, e na fallencia das sociedades anonymas taes credores poderão:

1º, continuar o negocio da sociedade fallida, organizando outra anonyma;

2º, ceder o activo a outra qualquer sociedade existente ou que para esse fim se venha a formar.

§ 1º A deliberação dos credores a esse respeito poderá ser tomada em assembléa ou reduzida a instrumento publico ou particular, assignado por tantos delles quantos bastem para constituir a maioria exigida.

02 Art. 122. Credores que representem mais de um quarto do passivo habilitado podem requerer ao juiz a convocação de assembléia que delibere em termos precisos sobre o modo de realização do ativo, desde que não contrário ao disposto na presente Lei, e sem prejuízo dos atos já praticados pelo síndico na forma dos artigos anteriores, sustando-se o prosseguimento da liquidação ou o decurso de prazos até a deliberação final.

Art. 123. Qualquer outra forma de liquidação do ativo pode ser autorizada por credores que representem dois terços dos créditos.

03 Importante a regra do art. 22, inc. II, letra “g”.

04 TJPR, 18ª Câmara Cível, relator Des. Vitor Roberto Silva, Agravo de Instrumento n. 0049981-11.2022.8.16.0000, julg. 31.05.2023.

05 TJRJ, 22ª Câmara de Direito Privado, relatora Desembargadora Sônia de Fátima Dias, Agravo de Instrumento n. 0078040-88.2023.8.19.0000. Destaques no original.

06 Escreve André Franco Montoro: A interpretação lógico-sistemática leva em conta o sistema em que se insere o texto e procura estabelecer a concatenação entre este e os demais elementos da própria lei, do respectivo campo do direito ou do ordenamento jurídico geral. Introdução à ciência do direito. 25ª edição, 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 373.

07 Hermenêutica e aplicação do direito. 18ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pp. 151-152.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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