Duas casas no Congresso Nacional: desnecessidade

30/04/2025 às 16:25
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Resumo: a presente reflexão tem por finalidade analisar a dispensabilidade da existência de duas Casas no Congresso Nacional, quais sejam, Câmara dos Deputados e Senado Federal, sendo que no âmbito dos Estados e municípios existe apenas uma Casa, Assembleia Legislativa e Câmara de Vereadores, e funcionam normalmente.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Poder Legislativo. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Senado Federal.


Dia após dia, vamos mais e mais notícias acerca da farra com o dinheiro público, mormente no Poder Judiciário, função responsável pela aplicação do ordenamento jurídico... aos outros, não a si própria, como sói ser com as infindáveis verbas indenizatórias criadas para suplantar o teto do funcionalismo público (em certos casos chegam a serem superiores ao próprio subsídio), e pasmem, os magistrados são funcionários públicos.

No entanto, o órgão a ser estudado na presente reflexão será o Poder Legislativo Federal, o qual é composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, conforme o artigo 44 da Constituição Federal de 1988.

Nessa senda, diz-se que o Poder Legislativo da União é bicameral, pois constituído de duas casas, enquanto os Poderes Legislativos Estaduais e municipais são unicamerais. Vejamos lição lúcida do professor Lenza (2022, p. 959).

A análise do Poder legislativo (ou, de modo mais técnico, órgão legislativo) deve ser empreendida levando em conta a forma de estado introduzida no Brasil, verificando-se de que modo ocorre a sua manifestação em âmbito federal, estadual, distrital e municipal. Assim, diz-se que no Brasil vigora o bicameralismo federativo, no âmbito federal. Ou seja, o Poder Legislativo no Brasil, em âmbito federal, é bicameral, isto é, composto por duas Casas: a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, a primeira constituída por representantes do povo e a segunda, por representantes dos Estados-Membros e do Distrito Federal, adjetivando, assim, o nosso bicameralismo, que é do tipo federativo, como visto (…) O Poder Legislativo em âmbito estadual, municipal, distrital e dos Territórios Federais (estes últimos, quando criados), ao contrário da estrutura do legislativo federal, é do tipo unicameral, pois composto por uma única Casa, conforme se observa pela leitura dos arts. 27, 29, 32 e 33, § 3.º, última parte, todos da CF/88. (g. n.)

Destarte, sendo os legislativos regionais e locais compostos por apenas uma câmara, não poderia o legislativo federal igualmente funcionar dessa forma?

Nesse particular, colacionamos as belas palavras do professor Silva (2005, p. 513), o qual propõe uma reforma do parlamento começando pela extinção do Senado Federal:

O argumento da representação dos Estados pelo Senado se fundamentava na ideia, inicialmente implantada nos EUA, de que se formava de delegados próprios de cada Estado, pelos quais estes participavam das decisões federais. Há muito que isso não existe nos EUA e jamais existiu no Brasil, porque os Senadores são eleitos diretamente pelo povo, tal qual os Deputados, por via de partidos políticos. Ora, a representação é partidária. Os Senadores integram a representação dos partidos tanto quanto os Deputados, e dá-se o caso não raro de os Senadores de um Estado, eleitos pelo povo, serem de partido adversário do Governador, portanto defenderem, no Senado, programa diverso deste; e como conciliar a tese da representação do Estado com situações como esta? (g. n.)

Com efeito, a forma de escolha dos Deputados e Senadores é idêntica, ou seja, são eleitos pelo voto popular, o que no fundo acaba igualando suas funções político-partidárias dentro das respectivas Casas Legislativas.

Já para Tavares (2020, p. 123), o sistema no Brasil é bicameral por força da adoção da Forma Federativa de Estado, e não como ocorre em outros países, nos quais o bicameralismo existente não provém da estrutura federal, mas sim de outras circunstâncias, como a divisão histórica da Câmara dos Lordes e da Câmara dos Comuns, na Inglaterra.

Malgrado, como o eleitor brasileiro ainda é um analfabeto funcional, não raro acaba elegendo um Governador com posições liberais e Senadores com viés mais regressistas (vulgo progressistas) ou vice-versa.

Vejamos o caso de São Paulo. Atualmente exercem mandato no Senado Federal os Senadores Marcos Pontes (PL), Giordano (MDB) e Mara Gabrilli (PSD), enquanto que como Governador atua Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ainda que possamos perceber uma certa afinidade ideológica entre eles, fato é que o MDB em especial não possui nenhuma ideologia, estando presente na base de apoio de praticamente todos os Presidentes da República desde a Constituição de 1988.1

Curiosamente, o Estado do Rio Janeiro possui todos Senadores filiados ao Partido Liberal, assim como seu Governador.2 3 Assim também no Estado de Minas Gerais temos Senadores e o Governador do “centrão”.4 5

Vista a situação dos maiores Estados da Federação, vejamos o que ensina o professor Ferreira Filho (2012, p. 284), sobre o Senado na Federação:

Cumpre, estruturalmente, o papel de representar na gestão do interesse nacional os Estados-Membros da Federação. Todavia, em razão da existência de partidos nacionais que dividem entre si as cadeiras nele existentes, na realidade dos fatos o Senado é bem menos uma Câmara de representação dos Estados que uma outra assembleia popular, de espírito mais conservador. (g. n.)

Nesse ponto, o professor fixa sua atenção no fato não somente do voto popular na escolha dos senadores, mas no fato da disputa partidária em torno desses cargos, o que leva ao mesmo resultado.

Além de tudo, o suposto caráter mais conservador do Senado decorreria da idade mínima de seus membros - 35 (trinta e cinco) anos - enquanto no na Câmara esse requisito é de 21 (vinte e um) anos.6

Outrossim, conforme pontua o Procurador da República Queiroz (2017, p. 104), são vários argumentos que demandam a extinção, para ele, do Senado Federal, senão vejamos:

  • Primeiramente, a competência do Senado e da Câmara para legislar é essencialmente igual, sendo que a competência de uma delas poderia ser perfeitamente assumida pela outra sem prejuízo algum ao Estado Democrático de Direito;

  • Apesar da retórica constitucional de que Deputados representam o povo e os Senadores os Estados-membros, fato é que o critério de escolha de seus representantes é rigorosamente o mesmo, o voto popular, segue-se que uma casa legislativa acaba sendo uma inútil duplicada da outra;

  • Malgrado sejam eleitos pelo povo, o tratamento constitucional dispensado a Deputados e Senadores é duplamente desigual, como o prazo de duração dos mandatos de 4 (quatro) anos para os primeiros e 8 (oito) anos para os últimos;

  • No fim das contas, o voto de 81 (oitenta e um) Senadores vale tanto quanto o de 513 (quinhentos e treze) Deputados, violando-se o princípio da proporcionalidade.

  • Historicamente, quem de fato legisla e tem legislado no Brasil é o Poder Executivo, por meio das famigeradas medidas provisórios.

  • No ponto, acrescentamos que o Supremo Tribunal Federal também tem legislado no país, através das Súmulas Vinculantes (com previsão constitucional) e das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade (sem previsão constitucional).

  • A suposta função revisora do Senado pode ser perfeitamente cumprida pela Câmara, bastando passar a votação em dois turnos, com interstício mínimo, na forma do artigo 29 da Constituição Federal7.

De outro vértice, de acordo com as lições da professora Masson acerca do Poder Legislativo (2020, p. 863),

Atualmente, o cenário que se desenha para o Poder Legislativo é melancólico: crise de legitimidade e perda de prestígio levaram o Poder a uma nova fase de decadência. Os recentes (e, infelizmente, corriqueiros) escândalos envolvendo compra de votos, troca de favores, manobras de proteção e blindagem entre os pares, bem como os procedimentos corruptos de finalidade exclusivamente eleitoreira, retiraram-lhe a credibilidade e a confiança em seus atos. Adicione-se a isso, o próprio sistema parlamentar de trabalho, que envolve infindáveis debates e discussões de difícil (às vezes, impossível) conciliação entre os grupos opostos, o que faz com a agenda política do país seja constantemente deslocada para o Executivo (sempre ágil na concessão de medidas sanatórias, especialmente as normativas rápidas, como as medidas provisórias) ou para o Judiciário que, num ativismo judicial moderado, mas tornado necessário pelas injustificáveis omissões do Congresso Nacional, tem suprido as ausências do Poder Legislativo. A remodelação que se impõe ao Poder Legislativo, para a retomada de uma posição de destaque no cenário político, visa o aprimoramento das suas funções (em especial da legislativa e da fiscalizatória) e da própria democracia representativa, o que justifica o que entendemos hoje necessário: um debruçar mais atento à atuação do Poder. (g. n.)

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Por conseguinte, uma reforma geral, em particular no Poder Legislativo da União, com a adoção do sistema unicameral, traria maior presteza ao processo legislativo com diminuição da burocracia e trâmites desnecessários, como a aprovação em ambas das Casas das PEC's (art. 60, § 2º, CF) ou retorno da matéria à Casa Iniciadora para apreciação das emendas da Casa Revisora (art. 65, CF), ou até mesmo as dispendiosas sessões conjuntas (art. 57, § 3º,CF).

Além disso, a extinção de uma dessas Casas Legislativas daria maior centralidade e funcionamento ao Parlamento Federal, com redução do número de parlamentares (nesse caso, melhor seria a supressão da Câmara Federal, a qual conta com o insensato número de 513 membros) com uma pomposa economia aos cofres públicos e possibilidade de redução da carga tributária (não utilizamos o termo “reforma” porque a última, em 2023, apenas alterou a nomenclatura do ISSQN e do ICMS para IBS dentre outras coisas).

Não obstante, como já afirmado, essa reforma geral no Poder Legislativo não exclui outras fundamentais tanto no Poder Judiciário (abolição das penas de aposentadoria compulsória e imposição do teto constitucional) como no Poder Executivo (limitação do número de Ministérios e hipóteses taxativas de edição de medidas provisórias para além da abrangente “relevância e urgência”).

Fato é que, apesar dessas mudanças visarem ao aprimoramento da gestão pública no país, não temos certeza de que elas serão suficientes para alcançaram as tão sonhadas probidade e moralidade na Administração Pública. Mas não custa tentar.


Referências bibliográficas

Lenza, Pedro. Direito Constitucional. 26. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022.

(Coleção Esquematizado)

Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 38ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.

Masson, Nathalia. Manual de direito constitucional. 8ª ed. rev. ampl. E atual. -Salvador: JusPODIVM, 2020.

Queiroz, Paulo. Ensaios: Direito, política e religião. 3ª ed. – Salvador: Juspodivm, 2017.

Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.

Tavares, André Ramos. Curso de direito constitucional. 18ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Tormena, Celso Bruno Abdalla. A autonomia institucional e a farra com o dinheiro público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7861, 8 jan. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112359. Acesso em: 19 fev. 2025.


Notas

1 Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/senadores/por-uf/-/uf/SP

2 Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/senadores/por-uf/-/uf/RJ

3 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/saiba-quem-e-claudio-castro-reeleito-governador-do-rio-de-janeiro/

4 Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/senadores/por-uf/-/uf/MG

5 Disponível em: 6 CRFB, artigo 14, § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: VI - a idade mínima de: a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador: b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; d) dezoito anos para Vereador.

7 O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos.

Sobre o autor
Celso Bruno Abdalla Tormena

Criminólogo e Mestre em Direito. Procurador Municipal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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