Sabe-se que o cheque é uma ordem de pagamento à vista e que considera-se não escrita qualquer menção em contrário. Acontece que, quando o consumidor faz um acordo com o lojista para a compra e venda de um negócio jurídico, há entre estes um contrato verbal. O contrato passa a ser não-verbal quando o consumidor põe no cheque, no verso ou anverso, que aquele cheque se destina ao pagamento de uma coisa certa e determinada e que a data de pagamento será a que estiver constante no título.
Quando isso acontece, há um contrato que foi realizado entre as partes e que este deve ser cumprido, pacta sun servanda.
RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - CHEQUE PRÉ-DATADO - A apresentação prematura de cheque a estabelecimento bancário , resultando em encerramento da conta do emitente, acarreta ao responsável obrigação indenizatória por dano moral, que deve ser fixada de acordo com a gravidade da lesão, intensidade da culpa ou dolo do agente e condições sócio-econômicas das partes. (TAMG - AC 190.931-9 - 5ª C. - Rel. Juiz Aloysio Nogueira - DJMG 09.08.95)
Como deverá ficar um contrato em que foi observado os requisitos previstos no Código Civil/02 para sua validade, como objeto lícito; determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104. do CC) e realizado por pessoa absolutamente capaz?
Ao analisar os requisitos da invalidade do negócio jurídico, previsto no art. (166, VII) do Código Civil, percebeu-se que é nulo o negócio jurídico, quando a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Verificou-se que na lei de cheque, n. 7357/85, que este é ordem de pagamento à vista, considerando não escrita qualquer menção em contrário (art. 32. da lei 7357/85).
Estamos num país em que se tem admitido o cheque pós datado. Tal entendimento já amplamente pacificado nos tribunais, não excluindo o cheque, da sua característica cambiariforme.
Se é tão comum no Brasil a utilização de cheques pós datado e há um consentimento entre as partes para a eficácia no pagamento, deve-se considerar o posicionamento dos tribunais brasileiros em reconhecer que além dos requisitos elencados no art. 104. do CC, há um consentimento expresso entre as partes para que aquele cheque seja depositado no dia acordado, trazendo segurança jurídica para a eficácia do pagamento e conseqüentemente.
O que acontece é que houve um comportamento na sociedade brasileira, não de fraudar a lei, mas de garantir o pagamento conforme as condições econômico-financeira do consumidor, fazendo assim um acordo ente comprador e vendedor (emitente e sacador) e o Direito acompanhou este comportamento da sociedade ao reconhecer que é possível que o cheque seja depositado naquela data estipulada. Mesmo porque o cheque, como ordem de pagamento à vista, não é papel de curso forçado.
De acordo com o glossário do sítio eletrônico do Banco Central do Brasil:
Curso forçado: É a capacidade que só a moeda tem de liquidar obrigações forçando o credor a dar quitação do pagamento efetuado. Só o Real tem curso forçado no Brasil. 01
Verificando a jurisprudência temos:
Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. APRESENTAÇÃO DE CHEQUE PRÉ-DATADO FORA DO PRAZO. QUEBRA DE CONFIANÇA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. VALOR EXORBITANTE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. 1. Comprovado o erro da ré, que apresentou, antecipadamente, cheque pré-datado do autor, é passível de reparação de danos, por ferir acordo pactuado entre o estabelecimento comercial e o consumidor; uma vez que a relação entre as partes é de pura confiança, baseada no respeito em que a empresa irá esperar a data acordada para o resgate do cheque, e a outra parte, o consumidor, responsabilizar-se-á para dispor de saldo na data avençada; 2. O juiz processante não pode perder de vista os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, adotando valor que não sirva de lucro à vítima e que não desvalorize o patrimônio moral do ofendido. O valor do quantum indenizatório deve ser estipulado de forma razoável, equilibrada e justa. Valor exorbitante. Indenização reduzida; 3. Apelação parcialmente provida; 4. Sentença reformada. Des. FRANCISCO LINCOLN ARAÚJO E SILVA. Órgão Julgador: 4ª CÂMARA CÍVEL. Data Protocolo: 04/10/2004. Data Distribuição: 01/12/2006. 2004.0012.4631-7/0 - APELAÇÃO CÍVEL02
Ao pôr no cheque qualquer menção na forma de pagamento já reconhecido pelos tribunais, se está retirando a abstração que contém no título de crédito.
Fábio Ulhoa (2008, p. 381) ensina que,
“Quando posto em circulação, o Título de Crédito, se desvincula da relação fundamental que lhe deu origem.
(...)
Quando o título de crédito é posto em circulação, diz-se que se opera a abstração, isto é, a desvinculação do ato ou negócio jurídico que deu ensejo à sua criação.”
(...)
“a abstração tem como pressuposto a circulação do título de crédito. A conseqüência disso é a impossibilidade de o devedor exonerar-se de suas obrigações cambiárias, perante terceiros de boa-fé, e razão de irregularidades, nulidades ou vícios de qualquer ordem que contaminem a relação fundamentam. Quando o título de crédito é posto em circulação, diz-se que se opera a abstração, isto é, desvinculação do ato ou negócio jurídico que deu ensejo à sua criação.”
A respeito da abstração do título de crédito, Fazzio Jr. (2000, p. 419) ensina com muita propriedade:
“Todavia, a abstração do cheque não é absoluta. Comporta exceções. O princípio de que o cheque encerra, por sua natureza, direito abstrato não pode ser entendido de modo a que se posa compelir alguém a pagar aquilo que efetivamente não deve. Assim, o título emitido para pagamento de dívida de jogo não pode ser cobrado, posto que, para efeitos civis, a lei considera ato ilícito (art. 1477, primeira parte, do CC).3 A desvinculação da raiz, operada pela cambiaridade, não extirpa aquele pecado original.
Não se tratando exatamente sobre o cheque, mas ao, também título de crédito nota promissória, as explicações brilhantes de Gladston Mamede (2005, p. 53), mostram-se oportunas, posto que o assunto é a abstração:
“Também sobre o princípio da abstração, o Superior Tribunal de Justiça, analisando o Recurso Especial 11.961/RS, tendo por relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, esclareceu que “a nota promissória que contenha no verso expressa vinculação ao contrato subjacente perde a característica de abstração, podendo ao endossatário ser oposta a defesa que o devedor teria em razão do contrato.” Isso considerando, como afirmara o 1º Tribunal de Alçada de São Paulo, num dos acórdãos que compuseram a divergência jurisprudencial, que quem adquire por endosso cambiais de cujos versos expressamente conste a vinculação ao negócio subjacente equipara-se ao cessionário de crédito, decaindo excepcionalmente, o princípio da autonomia cambial. Em seu voto, o relator faz menção a outro precedente do mesmo Superior Tribunal de Justiça, o Recurso Especial 14012/RJ relatado pelo Ministro Sávio de Figueiredo Teixeira, no qual afirmou-se que, “ainda que de boa-fé, o endossatário de notas promissórias, das quais conste expressa vinculação a contrato, fica sujeito à exceções de que disponha o emitente com base no ajuste subjacente. Os títulos, em hipóteses tais, perdem a natureza abstrata que lhe é peculiar, sendo oponível ao portador, mesmo nos casos em que tenha havido circulação por endosso.”
Noutra oportunidade, a mesma Corte, por intermédio de sua Terceira Turma, analisando o Agravo Regimental ao Recurso Especial 275058/RS, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, asseverou que, “ausente a circulação do título de crédito, a nota promisória que não é sacada como promessa de pagamento, mas como garantia de contrato de abertura de crédito, a que foi vinculada, tem sua natureza cambial desnaturada, subtraída a sua autonomia.” (p.54).
Mamede (2005, p. 55) diz que “Não são absolutos os princípios da abstração e da autonomia quando a cambial é emitida em garantia de negócio jurídico subjacente.”.
Logo como o princípio da abstração e autonomia não são absolutos, nada mais razoável que considerar válido o acordo firmado entre emitente e sacador, quando vinculado a um contrato determinado ou escrito no verso ou anverso do título, perdendo assim a abstração e validando o acordo entre as partes para a garantia do negócio jurídico não seja violada.
A autonomia é considerado um dos mais importantes princípios, pois o título poderá conter mais de uma obrigação, e caso haja vício capaz de questioná-lo judicialmente, o que fora acordado não prejudica o questionamento, em virtude de sua autonomia.
Simplificando o enunciado acima, daremos exemplo de uma compra e venda de uma camisa, realizada no sábado. Supondo que esta relação jurídica tenha originado um título de crédito, no momento em que o cliente/devedor passou um cheque ao vendedor/credor, onde ambos acordaram que o depósito será para trinta dias após a realização da compra. O credor poderá depositar, sacar ou negociar o cheque.
Se eventualmente o cliente perceber que sua camisa possui um defeito de fabricação e a loja se recusa a trocar ou negociar, este não poderá sustar o cheque, pois é autônomo, não vincula à causa, não cabendo à instituição financeira saber o que deu origem ao título, pois isso prejudica a circulabilidade do título. PROCURAR O ARTIGO QUE FALA DO TERCEIRO DE BOA-FÉ NO CC/02.
CHEQUES. SUSTAÇÃO. COBRANÇA POR TERCEIRO. Sendo o cheque título de crédito, consubstanciador de ordem de pagamento à vista e admitida sua emissão pelo devedor, incumbe-lhe a obrigação de solve-lo. Emitido sem expressa menção do beneficiário, admiti-se mandato tácito para assim figurar quem quer que o detenha - A contra-ordem só se legitima, se inequivocamente comprovada a indébita apropriação da cártula, ou a inexistência de causa, a justificar-lhe a cobrança , o que não se fez. EMBARGOS DO DEVEDOR - APELAÇÃO CÍVEL 6267/96 - Reg. 4329-2 - Cod. 96.001.06267. SEXTA CÂMARA - Unânime - Juiz: LUIZ ODILON GOMES BANDEIRA - Julg: 27/08/96
O terceiro que transacionou de boa-fé não pode ser prejudicado nesta relação jurídica. O executado apenas se exonera da obrigação se provar que o portador agiu de má-fé ou cometeu falta grave, deixando de adotar as cautelas minimamente recomendáveis no comércio de títulos (LU, art. 16).
Não se pode deixar de observar também o princípio da inoponibilidade, chamada por Fábio Ulhoa de subprincípio.
A inoponibilidade ao terceiro de boa-fé, significa que o emitente do título, quando executado em virtude do referido título, não poderá alegar em sua defesa, no caso embargos, argumentos que não tenha relação direta com o portador do título, no caso o exeqüente, a não ser que haja má-fé deste último.
Art. 17. da Lei Uniforme. As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador, exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.
Caso haja insatisfação com a pessoa que comprou algo e emitiu um título de crédito, o título cambial não resta prejudicado, devendo ser pago pelo devedor, independente da relação de satisfação ou insatisfação.
A literalidade é outro importante princípio, pressupõe que, para o título de crédito produzir seus efeitos jurídicos e cambiais, necessário se faz que os atos sejam lançados no próprio título de crédito. Apesar deste princípio parecer bem claro, é importante frisar que, caso exista documentos apartados legalmente constituído, fazendo referências àqueles títulos cambiais, não produzirá efeitos perante o titular do direito creditício.
Fábio Ulhoa ressalta um entendimento bem pertinente referente ao assunto ao dizer que:
“O exemplo mais apropriado de observância do princípio está na quitação dada em recibo separado. Quem paga parcialmente um título de crédito deve pedir a quitação na própria cártula, pois não poderá se exonerar de pagar o valor total, se ela vier a ser transferida a terceiro de boa-fé. Outro exemplo de aplicação do princípio da literalidade se encontra na inexistência do aval, quando o pretenso avalista apenas se obrigou em instrumento apartado. Se no título não consta a assinatura da pessoa de quem se pretendia o aval, a garantia simplesmente não existe, em razão do princípio da literalidade.”
Um caso específico e que merece atenção é o seguinte: supondo que um emitente, emita um cheque junto a empresa, dando esta nota fiscal onde consta o valor do título, data para apresentação e número do cheque. Em seguida, por ser um título livre de circulação, a empresa passe para um terceiro e não endosse. Quando o cheque é apresentado ao banco, o valor do título apresenta-se adulterado para um valor a maior. Neste caso discordo com o posicionamento de Fábio Ulhoa quando diz que não poderão ser opostas exceções fundadas na relação originária do título. Diria que não poderão ser opostas exceções fundadas na relação causal do título e não na relação originária.
Fábio Ulhoa (2006, p. ) afirma que:
“Quando alguém assina um cheque, expressa sua concordância com a negociação do crédito, pelo sacado, junto a terceiros desconhecidos, perante os quais não poderão ser opostas exceções fundadas na relação originária do título.”
Logo, neste caso, para se pensar em propor uma ação judicial, tem-se que verificar a relação originária, onde conste o valor real do título bem como suas referências específicas, porém, propor ação contra quem? Se o cheque se transmite por endosso, e a empresa não a tenha endossado, isto é um motivo para suspeitá-la?
Podem ocorrer várias hipóteses, como por exemplo, fraude no interior do banco; a empresa ter adulterado o cheque; ou o terceiro ter adulterado. Para isso cada um teria que ser ouvido e provar quanto a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333,I do CPC).
Fábio Ulhoa (2006, p. ) diz que:
“Ninguém está obrigado a documentar sua dívida por cheque; se o faz, concorda em vir a pagar, eventualmente, o valor do título a terceiro portador de boa-fé, mesmo que tenha razões juridicamente válidas para questionar a existência ou extensão da dívida, perante o credor originário.“
Da mesma forma do valor, a data e o mês poderão ser adulterados, logo necessário se faz que o mês seja escrito por extenso, conforme elencado no dec. 22.393/33, que, para Fran Martins, (1986:40) está em vigor.
Diria mais, quando passar um cheque “do dia”, ou seja, que ao emitir, o sacador já possa apresentá-lo ao banco, aconselharia a por no título que o cheque é ordem de pagamento à vista. A princípio poderá parecer redundante, porém é uma forma de segurança, pois o cheque tem um prazo para apresentação ao banco sacado de 30 dias mais seis meses, isso evitaria uma possível fraude onde o portador do título poderá, usando da má-fé, por a expressão “bom para”, fazendo com que o cheque esteja dentro do prazo para apresentação.
Exemplifico no seguinte caso, passo um cheque em 01.01.08, ele poderá ser apresentado até 01.08.09, o cheque deverá não ser creditado ao portador do título. Caso este venha a agir de má-fé, poderá por no cheque o nome “bom para o dia 10.01.09” e simplesmente se revestir de regularidades, estando o cheque viciado.
Se o cheque pós-datado, por exemplo, apresentado ao sacado antes da data combinada entre (consumidor) e fornecedor (tomador) , for liquidado, cabe a indenização pela inadimplência da obrigação de não fazer, contratualmente assumida por meio verbal ou escrito, através de publicidade (art. 30. CDC), ou de outro meio pelo credor. A indenização corresponderá a perda do consumidor em virtude da antecipação do desembolso, e será medida pelos juros e encargos derivados da utilização do cheque especial.
Pode ocorrer que, pessoas honestas podem ter seu direito ao crédito restrito em virtude da inadimplência do acordo entre fornecedor e consumidor podendo o caso incorrer em danos morais e materiais.
A súmula 246 do STF prescreve que, “comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheques sem fundos.” Se “A” acordou com “B” para apresentar o cheque após 30 dias e “B” repassa o cheque para “C” e este venha a depositá-lo, como fica juridicamente a solução deste litígio, caso “A” ficasse prejudicado? No caso, “A” ingressaria com uma ação de reparação de danos contra “B” e só ingressaria regressivamente contra “C”, se “C” tivesse descumprido o acordo com “B”, restando prejudicado, consequentemente “A”. Logo, deve-se analisar o caso concreto para saber o motivo pela devolução do cheque por insuficiência de fundos.
01https://www.bcb.gov.br/glossario.asp?id=GLOSSARIO&Definicao=273
02https://www4.tjce.jus.br/sproc2/paginas/ResConProc02.asp?TXT_SOURCE=ResConProcAcordao&TXT_PARAM1=2004001246317&TXT_PARAM2=0&CMB_NUMMOV=&CHK_PARTE=
03 “O título emitido para pagamento de dívida de jogo não pode ser cobrado, posto que, para efeitos civis, a lei considera ato ilícito (arts 1477 e 1478). Mesmo que a obrigação tenha sido contraída em país onde é legítimo o jogo, ela não pode ser exigida no Brasil face aos termos expressos do art. 17. da LICC”/RT 693/211).