I – Introdução
A revolução digital trouxe avanços incontestáveis, mas também expôs a sociedade a novos desafios jurídicos — entre eles, destaca-se o fenômeno dos chamados "tribunais públicos" virtuais. Trata-se de julgamentos sumários realizados nas redes sociais, nos quais indivíduos são condenados pela opinião pública sem qualquer respeito ao devido processo legal, violando direitos fundamentais como a presunção de inocência, a dignidade da pessoa humana e o direito à privacidade.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, garante a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, além da proteção ao devido processo legal e à presunção de inocência. O Código Civil, nos artigos 12 a 21, também assegura a proteção da vida privada e impõe limites à exposição indevida da imagem e da honra de terceiros.
Contudo, diante da lacuna legislativa no enfrentamento ao linchamento virtual e à cultura do julgamento midiático, este artigo propõe o Projeto de Lei de Responsabilidade Digital e Combate ao Tribunal Público na Internet (PLRDTPI), com o objetivo de estabelecer normas para prevenir e punir a exposição pública indevida de cidadãos nas redes sociais, preservando o equilíbrio entre liberdade de expressão e proteção da dignidade humana.
II – Fundamentação Jurídica
A proposta fundamenta-se em diversos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro:
Constituição Federal de 1988:
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Art. 5º, IV: Liberdade de expressão, vedado o anonimato.
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Art. 5º, X: Inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, assegurando o direito à indenização.
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Art. 5º, LIV: Ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
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Art. 5º, LVII: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Código Civil (Lei nº 10.406/2002):
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Art. 12: Cessação da ameaça ou lesão à personalidade.
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Art. 17: Proibição de atos que exponham alguém ao desprezo público.
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Art. 20: Veda o uso da imagem que afete a honra, boa fama ou respeitabilidade da pessoa.
Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014):
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Art. 19: Responsabilidade dos provedores mediante decisão judicial.
Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018):
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Art. 7º: Garantia da privacidade e segurança no tratamento de dados pessoais.
Apesar dessas previsões, ainda não existe instrumento jurídico específico para coibir os “tribunais públicos digitais”, situação que gera insegurança jurídica e violações reiteradas aos direitos fundamentais.
III – Projeto de Lei de Responsabilidade Digital e Combate ao Tribunal Público na Internet (PLRDTPI)
Art. 1º – Objeto
Esta Lei dispõe sobre a prevenção e responsabilização de indivíduos e plataformas digitais que promovam ou permitam linchamento virtual, caracterizando "tribunal público" sem respaldo legal.
Capítulo I – Dos Princípios
Art. 2º. São princípios desta Lei:
I – Respeito à dignidade da pessoa humana e à presunção de inocência;
I I – Responsabilização proporcional de indivíduos e plataformas;
I II – Garantia da privacidade, honra e imagem dos cidadãos;
I V – Combate à desinformação e ao conteúdo difamatório.
Capítulo II – Da Prevenção
Art. 3º. As plataformas digitais deverão:
I – Remover conteúdos ofensivos em até 24h após notificação;
I I – Alertar usuários sobre riscos legais da exposição indevida;
I II – Criar canais eficientes para denúncia e remoção de conteúdo.
Art. 4º. O descumprimento resultará nas sanções previstas no Capítulo IV.
Capítulo III – Das Responsabilidades Individuais
Art. 5º. Constituem infrações:
I – Atribuir crime a terceiro antes do trânsito em julgado;
I I – Expor dados pessoais com finalidade vexatória;
I II – Incitar atos de violência ou perseguição.
Capítulo IV – Das Penalidades
Art. 6º. Penalidades:
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Para indivíduos:
a ) Multa de R$ 10.000,00 a R$ 500.000,00;
b ) Responsabilização criminal (arts. 138. a 140 do CP);
c ) Retratação pública no mesmo meio da ofensa.
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Para plataformas digitais:
a ) Multa de até 5% do faturamento anual no Brasil;
b ) Suspensão temporária das atividades em caso de reincidência grave.
Capítulo V – Disposições Finais
Art. 7º. O Ministério Público e órgãos de defesa do consumidor poderão propor ações coletivas.
Art. 8º. O Estado incentivará campanhas de conscientização.
Art. 9º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
IV – Conclusão
A multiplicação dos julgamentos sociais na internet expõe a fragilidade do sistema jurídico diante da era digital. Casos como o de Fabiane Maria de Jesus, linchada após ser injustamente associada a práticas criminosas, demonstram como o tribunal da opinião pública pode levar a tragédias irreversíveis.
O PLRDTPI propõe uma resposta concreta a essa realidade, reforçando a necessidade de proteger o indivíduo contra exposições arbitrárias e condenações sociais sem respaldo jurídico. Não se trata de censurar, mas de equilibrar liberdade e responsabilidade no uso da internet.
Se o Estado não agir, continuaremos a ver reputações destruídas e vidas arruinadas sem qualquer respeito ao devido processo legal. O presente projeto é um passo urgente e necessário para garantir que a internet seja espaço de diálogo e não de execução sumária moral.
“Si vis pacem, para bellum. Memento mori.”